Serendipidade: três momentos em que me senti sortudo no SXSW 2024

No festival, o medo de ficar de fora vai dando lugar à serendipidade – a sorte de encontrar algo valioso onde não estávamos procurando

Crédito: Mikkel William/ iStock

Henrique Russowsky 4 minutos de leitura

O South by Southwest 2024 terminou. Ainda na volta para o Brasil, comecei a organizar as ideias e colocar as reflexões e percepções no papel. Mas confesso que são tantos textos circulando por aí sobre o festival, tantas opiniões, insights, gente feliz e realizada, outros frustrados que o “seu” velho festival não é mais o mesmo, que fica difícil achar um ângulo para escrever.

Em primeiro lugar, é natural que o festival não seja mais o mesmo. Afinal, ele acontece desde 1987 e, certamente, muita coisa mudou de lá para cá. Imagino que o senso de exclusividade e pertencimento daqueles que vibravam com as primeiras edições foi minguando. Nos seus pequenos grupos, muito antes das redes sociais, comentavam coisas do tipo “esse festival já não é mais o mesmo”.

Ainda assim, o SXSW continuou crescendo e se transformou nesse gigante que conhecemos hoje.

Crédito: SXSW

Polêmicas à parte, o festival sempre foi conhecido por gerar entre os participantes aquele sentimento de FOMO (Fear Of Missing Out, ou medo de ficar de fora). E não é à toa: este ano foram mais de 1,7 mil sessões oferecidas em nove dias de evento.

Se a cada dia havia apenas quatro blocos de uma hora cada para escolher, isso significa que aproveitar o evento ao máximo consiste em estar presente em menos de 2% das sessões oferecidas.

Conforme o festival vai se desenrolando, o medo de ficar de fora vai dando lugar a algo muito mais legal: a serendipidade – a sorte de encontrar algo valioso onde não estávamos procurando.

A seguir, compartilho três momentos de serendipidade que tive em Austin, nos quais sensações positivas, que vieram do acaso, encheram o coração.

1. Ter a sorte de estar diante de sobreviventes do Holocausto

Enquanto atentamente rolava com o polegar pela agenda do dia para escolher minha próxima sessão, resolvi dar uma chance para uma palestra sobre o futuro da memória do Holocausto por meio de tecnologias imersivas.

A sala era pequena, comportava umas 60 pessoas. No meio de um festival de inovação, em que todos só falam de futuro, fomos surpreendidos com a presença de duas sobreviventes do Holocausto: Rodi Glass e Marion Deichmann.

Letters from Drancy”, do diretor Darren Emerson (Crédito: SXSW)

Ao lado do diretor de filmes em realidade virtual Darren Emerson e da diretora do Illinois Holocaust Museum, Kelley Szany, nos mostraram como a tecnologia pode ajudar a relembrar o passado.

Eles estão lançando uma série de filmes imersivos, que vai permitir que as próximas gerações lembrem de forma contundente dos horríveis acontecimentos, uma vez que esta nova geração em breve já não terá mais contato com nenhum sobrevivente.

Foi genial e emocionante, mas, ainda assim, inusitado. Me senti privilegiado e honrado em ouvir as duas relatarem suas histórias de vida e superação em um ambiente tão intimista.

2. Mergulhar no universo dos sonhos

Uma das coisas que percebi nos primeiros dias do evento é que muitas das sessões relacionadas a marketing e branding eram um pouco mais rasas do que eu esperava. Assim, comecei a explorar sessões de temas mais diversos e acabei me inscrevendo em um workshop chamado “Dream Incubation To Facilitate Creative Problem-Solving” (Incubação de sonhos para facilitar a resolução de problemas). Foi de longe a experiência mais sensacional que tive.

O evento é extremamente enriquecedor, justamente por entregar uma experiência completa e inspiradora dentro e fora do nosso campo de trabalho.

A sessão começou com os palestrantes Deirdre Barrett, professora de psicologia em Harvard, e Michael Rohde Olsen, cientista do sonho e escritor. Eles explicaram o processo de incubação de sonhos, ou seja, a habilidade de provocar nossa mente para que os sonhos contribuam na solução de um problema ou em uma decisão importante a ser tomada.

Parece ter um quê de charlatanismo, mas depois das explicações a drª Barrett conduziu uma sessão guiada, uma espécie de hipnose coletiva, e pude vivenciar pessoalmente aquilo que foi explicado. Fiquei simplesmente impressionado. Assim, deixei a sessão com uma sensação de paz de espírito e um assunto novo para mergulhar de cabeça: os sonhos.

3. Como gaúcho, me senti em casa no Texas

Sul, churrasco, bota, chapéu. Só faltou o chimarrão. Nunca tinha ido para o Texas. Parece que estamos em outros Estados Unidos, da mesma forma que às vezes o Rio Grande do Sul também parece com outro Brasil.

Essa similaridade centrada na valorização das tradições também foi uma surpresa que me trouxe boas sensações – algo que jamais esperaria. Moro em São Paulo há praticamente 20 anos e não sou tão ligado à cultura gaúcha. Mesmo assim, a serendipidade bateu de novo.

Crédito: Tico Mendoza

O evento é extremamente enriquecedor, justamente por entregar uma experiência completa e inspiradora dentro e fora do nosso campo de trabalho.

Essa foi minha primeira vez no SXSW. Volto satisfeito e com minha energia intelectual recarregada.

Todo ano, nessa mesma semana, o LinkedIn é inundado com o tema. Realmente, rola muita coisa repetida, gente querendo mostrar que está no evento, querendo dar sua opinião – assim como eu mesmo estou fazendo agora.

Quem vivencia isso entende o porquê: quer você tenha estado presente em 1987 ou em 2024, o SXSW é um grande festival.


SOBRE O AUTOR

Henrique Russowsky é sócio e diretor de mídia performance na All Set. saiba mais