Basta a previsão de problemas com o clima para sua comida ficar mais cara

Mudanças climáticas afetam os preços dos alimentos, mas não precisa nem haver uma seca para que eles subam. Só o medo de uma faz tudo ficar mais caro

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Ayurella Horn-Muller 3 minutos de leitura

Não é segredo que a crise climática aumentará os preços dos alimentos, um fenômeno cada vez mais conhecido como “heatflation” (inflação causada pelo calor). O que é menos conhecido, no entanto, é o papel que eventos climáticos extremos individuais podem ter no que os consumidores pagam no supermercado.

À primeira vista, a resposta pode parecer lógica: uma seca ou enchente que impacta a produção agrícola acabará aumentando os preços. Mas não é tão simples assim, porque o que os consumidores pagam não reflete apenas a produção das colheitas ou o tamanho dos rebanhos, mas toda a cadeia de suprimentos.

Economistas estão começando a perceber uma tendência crescente que sugere que as previsões meteorológicas também influenciam o aumento dos preços. Às vezes, a simples previsão de um evento extremo – como temperaturas recordes, furacões e incêndios florestais – pode causar um aumento.

Não é a previsão em si a culpada, mas as preocupações sobre o que o clima futuro pode vir a significar para toda a cadeia de suprimentos, enquanto os fabricantes de alimentos gerenciam seus riscos e o valor futuro esperado de seus produtos, segundo Seungki Lee, economista agrícola da Universidade Estadual de Ohio, nos EUA.

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“Quando se trata do risco climático sobre os preços dos alimentos, as pessoas geralmente olham para o lado da produção. Mas, nos últimos dois anos, aprendemos que o clima extremo pode elevar os preços dos alimentos, causar interrupções no transporte, além das interrupções na produção”, diz Lee.

O valor que pagamos pelos alimentos é determinado pelos varejistas, que consideram o preço do produtor, os custos de mão de obra e outros fatores. Qualquer aumento no que os produtores cobram é geralmente repassado aos consumidores porque os supermercados operam com margens de lucro pequenas.

“Toda a discussão sobre os riscos climáticos na cadeia de suprimentos de alimentos é baseada em probabilidades”, explica o economista.

MECANISMOS DE ADAPTAÇÃO

Um estudo publicado no início deste ano descobriu que a inflação causada pelo calor poderia aumentar os preços em até três pontos percentuais por ano em todo o mundo em pouco mais de uma década e em cerca de dois pontos percentuais na América do Norte. Desastres simultâneos em grandes regiões produtoras pelo mundo todo estão entre as principais forças que impulsionam esses custos.

Historicamente, uma única onda de calor ou tempestade localizada não interromperia a cadeia de suprimentos o suficiente para provocar aumentos de preços. Mas o mundo em aquecimento pode estar mudando essa dinâmica conforme os eventos climáticos extremos se intensificam e a ocorrência simultânea deles se torna a regra.

O quanto isso faz subir os preços no supermercado varia e depende se esses desastres climáticos atingem o que Lee chama de “pontos de estrangulamento da cadeia de suprimentos”, como canais de transporte vitais durante as épocas de colheita.

“Com o clima cada vez mais volátil devido às mudanças climáticas, começamos a ver esse problema com mais frequência”, diz ele. “Assim, a cadeia de suprimentos acaba se tornando mais suscetível a esses tipos de riscos que nunca vimos antes.”

Um estudo recente sobre o papel das mudanças climáticas no mercado de trigo dos EUA de 1950 a 2018 descobriu que, embora o impacto dos choques climáticos na variabilidade dos preços tenha aumentado com a frequência de eventos climáticos extremos, mecanismos de adaptação, como uma infraestrutura de produção e distribuição bem desenvolvida, minimizaram o impacto sobre os consumidores.

a inflação causada pelo calor poderia aumentar os preços em até três pontos percentuais por ano em todo o mundo.

No ano passado, tivemos o ano mais quente já registrado, criando uma avalanche de desafios para produtores de alimentos. E este ano pode ser ainda mais brutal, com a transição do El Niño – um fenômeno atmosférico que aquece as temperaturas dos oceanos – para La Niña, sua contraparte que as esfria.

Essa mudança cíclica nos padrões climáticos globais é outra ameaça potencial para as colheitas e fonte de pressões sobre a cadeia de suprimentos que economistas e cientistas estão monitorando.

Em um mundo repleto de extremos, a cadeia de suprimentos de alimentos pode ser o próximo sistema à beira do colapso devido às mudanças climáticas causadas pelo homem. E alimentos mais caros, ligados ao risco iminente, são o primeiro de muitos sinais de alerta de que ela já está se fragmentando.

Este artigo foi publicado originalmente na Grist.


SOBRE A AUTORA

Ayurella Horn-Muller escreve para a Grist, organização independente de mídia que trata da crise climática e de soluções para o futuro. saiba mais