O sertão vai virar mar: chuvas torrenciais serão mais frequentes em Dubai

Mesmo sem simulações computadorizadas, as pistas continuaram apontando para a mudança climática, de acordo com os cientistas

Crédito: Fast Company Brasil

Seth Borenstein 4 minutos de leitura

Evidências substanciais apontam que a mudança climática contribuiu para o agravamento das enxurradas que inundaram Dubai e outras partes do Golfo Pérsico há duas semanas. No entanto, segundo um novo relatório, os cientistas não conseguiram identificar as impressões digitais definitivas do aquecimento provocado pelos gases de efeito estufa que observaram em outros eventos climáticos extremos.

Na ocasião, em apenas um dia caíram entre 10% e 40% mais chuvas do que teriam caído em um mundo se não fosse o aquecimento de 1,2 ºC, afirmaram os cientistas da World Weather Attribution em um estudo rápido (que ainda não foi revisado por pares). Essas chuvas mataram mais de 20 pessoas nos Emirados Árabes Unidos, em Omã e em partes da Arábia Saudita.

Em pelo menos uma das localidades, um recorde de 28,6 centímetros de chuva caiu em apenas 24 horas, mais do que o dobro da média anual, o que paralisou a cidade de arranha-céus, normalmente movimentada.

Uma das principais ferramentas dos 60 relatórios anteriores da WWA foi a criação de simulações de computador que comparam um evento climático real a um mundo fictício sem mudanças climáticas. 

No caso de Dubai, não havia dados suficientes para que essas simulações fizessem o cálculo, mas a análise de décadas de observações passadas (a segunda principal ferramenta utilizada) mostrou o aumento de 10% a 40% nas quantidades de chuva.

Mesmo sem simulações computadorizadas, as pistas continuaram apontando para a mudança climática, disseram os cientistas.

Crédito: Christopher Pike/ AP

“Não existe uma impressão digital tão clara, mas temos muitas outras linhas de evidência que nos dizem que estamos testemunhando esse aumento”, disse a cientista climática do Imperial College de Londres, Friederike Otto, que coordena a equipe de estudo de atribuição. 

“É o que esperamos da física. É o que esperamos de outros estudos que foram feitos na área, de outros estudos em todo o mundo, e não há nada mais que esteja acontecendo que possa explicar esse aumento.”

O El Niño – que é um aquecimento ocasional natural do Pacífico central que altera os sistemas climáticos em todo o mundo – foi um fator importante. Essas fortes chuvas no Golfo já ocorreram no passado, mas somente durante o El Niño.

Os pesquisadores disseram que essas inundações parecem mostrar uma tendência de serem mais fortes, algo que os cientistas há muito tempo dizem que aconteceria com o aquecimento global.

Imagens do satélite Landsat 9 mostram a região de Dubai antes e depois da chuva. As partes em azul no segundo mapa são as áreas que ficaram alagadas (Crédito: NASA Earth Observatory)

Essa inundação, que veio de dois sistemas de tempestades separados e quase simultâneos, não teria ocorrido sem o El Niño, disse o coautor do estudo Mansour Almazroui, do Centro de Excelência para Pesquisa sobre Mudanças Climáticas (CECCR) da Universidade King Abdulaziz, na Arábia Saudita. Tampouco teria acontecido se não fosse a mudança climática causada pelo homem, acrescentou Otto.

Como os volumes de chuva variaram na região e devido à falta de dados, o relatório não conseguiu determinar se a mudança climática aumentou a probabilidade de chuvas como essa em Dubai. Mesmo assim, Otto estimou que a probabilidade de isso acontecer agora é cerca de três vezes maior do que na era pré-industrial.

O estudo jogou um balde de água fria na especulação de que a propagação de nuvens dos Emirados Árabes Unidos teve alguma relação com a semeadura de nuvens, técnica conhecida popularmente como chuva artificial. Muitos cientistas contestam a eficácia da semeadura de nuvens em geral.

De qualquer forma, as nuvens do sistema de tempestades não foram semeadas, segundo o relatório. Os resultados da semeadura de nuvens, se houver, em geral são mais imediatos, disse Otto. E essa tempestade foi prevista com dias de antecedência.

Imagens de Abu Dhabi feitas pelo satélite Landsat 9 nos dias 3 de abril (à esquerda) e 19 de abril. À direita pode-se ver que a água cobre parte da rodovia que liga Dubai a Abu Dhabi e várias áreas alagadas (em azul) Crédito: NASA Earth Observatory

Embora os autores usem técnicas bem estabelecidas e isso seja o que os cientistas esperam com a mudança climática, quando há uma discordância entre as simulações de computador e as observações, não se deve chegar a conclusões precipitadas, disse o cientista climático Andrew Weaver, da Universidade de Victoria, no Canadá (que não participou da pesquisa).

De acordo com vários outros cientistas externos, há indícios suficientemente fortes de que as emissões de gases de efeito estufa são um importante fator. 

“Esse trabalho, quando combinado com estudos teóricos e de atribuição associados a outros eventos extremos de chuva e inundação cada vez mais frequentes em todo o mundo, é um argumento convincente de que o aquecimento climático impulsionou os recentes eventos extremos de chuva e inundação nos Emirados Árabes Unidos e em Omã”, afirmou o cientista climático Jonathan Overpeck, reitor da escola de meio ambiente da Universidade de Michigan. 

“É assim que o aquecimento global se manifesta cada vez mais: extremos climáticos mais severos e sofrimento humano.”


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