5 perguntas para a deputada estadual Marina Helou (Rede Sustentabilidade)

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Mariana Castro 7 minutos de leitura

Seu celular é um inibidor de experiências. Você passa muito menos tempo na presença de outras pessoas. Você não está com os seus amigos. Você dorme menos, tem menos contato com a natureza, lê menos livros e não tem tempo para mais nada. Você tem menos de quase tudo.

Esse é um trecho do livro "A Geração Ansiosa", de Jonathan Haidt, que resume o impacto do uso de celulares na infância e adolescência. Não faltam estudos e pesquisas que mostram como o uso de dispositivos eletrônicos tem dificultado a concentração, a aprendizagem e causado sérios problemas à saúde mental.

Para que, pelo menos durante o período escolar, os alunos fiquem sem os dispositivos, a deputada estadual Marina Helou criou a proposta, que agora é lei, proibindo o uso dos aparelhos nas escolas de São Paulo. Proposta semelhante foi sancionada pelo presidente Lula e a proibição de celular nas escolas vale para todo o país.

“Há poucos consensos tão claros em relação aos celulares como o impacto negativo que ele causa dentro das escolas", afirma Marina.

A deputada está de licença de três meses de seu mandato. Ela foi para Califórnia, fazer um curso como visiting scholar no departamento de educação da Universidade de Stanford, de onde falou com a Fast Company Brasil.

Na entrevista, ela conta sobre suas expectativas em relação à lei, aponta os maiores desafios para implementá-la e alerta: a medida, sozinha, não é suficiente para evitar os problemas causados pelo uso do celular por crianças e adolescentes.

FC Brasil – Em seu relatório de tendências para 2025, Scott Galloway prevê mais restrição ao uso de celular. Esse é um movimento global. Aqui no Brasil, vamos começar 2025 com a lei que proíbe o uso de dispositivos eletrônicos – agora também nas escolas de todo o país. Como autora da proposta que proíbe o uso de celulares e aparelhos eletrônicos nas escolas de São Paulo (sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas), como vê a importância dessa medida?

Marina Helou – Há poucos consensos tão claros em relação aos celulares como o impacto negativo que ele causa dentro das escolas. Os indicadores de aprendizagem estão em queda no mundo inteiro a partir do advento dos smartphones e das redes sociais, pelo impacto direto que estas tecnologias têm na capacidade de absorver conteúdos e na rivalidade que elas apresentam pela atenção dos estudantes.

Os maiores desafios passam pela resistência dos alunos, das famílias e uma implementação que sobrecarregue os professores.

Durante a infância e a adolescência, o cérebro está em desenvolvimento e ainda mais suscetível a mecanismos de vício, nos quais os aplicativos digitais estão baseados. Garantir que as escolas sejam um ambiente livre de smartphones e redes sociais é garantir um período de horas preciosas para o desenvolvimento saudável do cérebro, de outras competências e habilidades socioemocionais e de absorção do conteúdo.

É uma medida que permite uma discussão mais aprofundada em outros pontos que o smartphone e as redes sociais têm impactado a infância e a adolescência, como a saúde mental, a segurança e a exposição à violência e a conteúdos impróprios, além da própria formação das crianças e adolescentes em relação a valores e visão de mundo.

Por fim, essa medida no formato de lei busca endereçar um dos principais problemas da nossa realidade: a desigualdade social. O impacto dos celulares nas escolas como consenso tem rapidamente alterado as regras nas escolas privadas de elite no Brasil. É fundamental garantir o mesmo direito ao desenvolvimento saudável e à aprendizagem a todos os alunos.

FC Brasil – De que forma se pretende mensurar o impacto da lei? A proibição dos celulares nas escolas é suficiente?

Marina Helou – Já existem diversos estudos no mundo mensurando o impacto após um tempo da proibição. No Rio de Janeiro, que já aplica a medida na rede municipal há mais de um ano, os indicadores apontam para uma tendência positiva de aumento da concentração e do fortalecimento dos vínculos sociais.

Estou interessada em pesquisar a diferença da implementação da lei nacional e da lei estadual. A lei estadual de São Paulo coloca explicitamente que o celular deve ser armazenado no início das aulas e não pode ficar na mochila, enquanto a lei nacional não traz essa clareza.

Há estudos que apontam que o celular na mochila reduz a capacidade de concentração do aluno significativamente por oferecer uma possibilidade de acesso – o famoso “será que chegou alguma mensagem?” ou "vou dar só uma olhadinha” – e, na mesma medida, sobrecarrega o professor, que fica com um papel de fiscalizador do celular.

Os decretos que regulamentam a lei são muito importantes para entendermos como será a implementação e para mensurar os impactos.

Sobre a proibição ser suficiente, não. De forma alguma. A proibição nas escolas é necessária, porém não exaure o tema e a necessidade de discutirmos os impactos e as possibilidades dos celulares e das redes sociais na vida das crianças e adolescentes. 

O impacto vai além da escola. A exposição a violência e conteúdos impróprios, os impactos na saúde mental, a formação de valores e visão de mundo por meio de influenciadores, o cyberbullying, o vício, as apostas, são realidades da exposição de crianças e adolescentes aos smartphones e redes sociais e da nossa negligência como pais. Assim como a superproteção na vida real que impacta o desenvolvimento de autonomia e confiança, é um ponto pouco explorado e igualmente importante do que o Johnatan Heid postula em seu livro.

Educação midiática, consciência dos pais e cuidadores, uso e vício em celulares pelos adultos, discussões na sociedade e regulamentação de redes são apenas alguns dos muitos pontos que precisamos aprofundar na discussão e avançar.

FC Brasil – Fizemos uma reportagem com algumas instituições que já proíbem o uso de celular. Os relatos que ouvimos dão conta de benefícios rápidos, como mais interação entre os alunos e maior concentração em sala de aula. Qual a sua expectativa em relação à lei, a curto, médio e longo prazo? 

Marina Helou – Em um primeiro momento, são esperados um choque de adaptação e uma resistência. É da natureza do ser humano resistir a mudanças e especialmente a geração que está no ensino médio hoje sentirá muito o impacto. É uma geração que passou pela pandemia e aprendeu a interagir por meio das redes sociais e dos celulares.

Os indicadores de aprendizagem estão em queda no mundo todo a partir do advento dos smartphones e das redes sociais. 

Porém, as evidências apontam que, em poucos meses, já é possível perceber impactos positivos e acomodação das resistências. A expectativa é de que, no longo prazo, os benefícios fiquem evidentes e que a cultura de que a escola é um espaço sem celular e redes sociais esteja absolutamente consolidada.

FC Brasil – Quais são, na sua opinião, os maiores desafios para implementação da lei e de que forma as escolas podem superá-los? Que iniciativas tem visto que podem ser referência para a lei funcionar na prática? 

Marina Helou – Os maiores desafios passam pela resistência dos alunos, especialmente os mais velhos, das famílias e uma implementação que sobrecarregue os professores. As melhores práticas passam por garantir que as escolas ofereçam um local seguro para armazenar os celulares no início das aulas até o final.

Para além disso, as escolas promoverem discussões dentro da comunidade e envolverem as crianças, os adolescentes, os professores e as famílias na construção de soluções, novas ofertas para os recreios e grupos de estudos. Essas medidas aumentam o impacto positivo da implementação.

FC Brasil – A aprovação da lei é um exemplo de como fazer política com foco nos benefícios para a sociedade, envolvendo parlamentares de todos os partidos, com pautas relevantes ao espírito do nosso tempo. Quais outros projetos está priorizando em 2025?

Marina Helou – Precisamos olhar para as crianças pequenas e o impacto que políticas públicas bem estruturadas podem ter nesta fase da vida. Hoje, temos um aumento de crianças com menos de dois meses sendo matriculadas nas creches por vulnerabilidade e falta de acesso a políticas de licença maternidade para estas mães.

Queremos criar um consenso de que é dever do estado garantir o aleitamento materno exclusivo para todas as crianças, e isso passa por garantir condições de sobrevivência para as mães.

Existem muitos temas urgentes na nossa sociedade nos quais é possível construir consensos entre diferentes visões. Acontece que hoje a polarização cria incentivos contrários à construção de consensos e isso é grave. Precisamos trabalhar para o que de fato importa: avançar enquanto sociedade e melhorar a vida das pessoas.


SOBRE A AUTORA

Mariana Castro é editora executiva da Fast Company Brasil. saiba mais