5 perguntas para Alisha Bhagat, líder futurista do Forum for the Future

A ONG trabalha para acelerar a transição para um futuro justo e regenerativo, atuando em três frentes: alimentos, energia e negócios

Alisha Bhagat, líder futurista do Forum for the Future
Crédito: Divulgação

Camila de Lira 4 minutos de leitura

Um dos maiores eventos mundiais sobre mudanças climáticas, a Climate Week (que aconteceu na semana passada, em Nova York) abriu espaço para algo raro: um salão dedicado às emoções diante da crise climática.

No encontro "Enfrentando a tempestade: segurando a tristeza, a ansiedade e as emoções profundas durante a crise climática", organizado pela futurista Alisha Bhagat, o foco não estava em soluções técnicas, mas em sentimentos como luto, ansiedade e exaustão – dimensões que também moldam a forma como encaramos o futuro.

Bhagat é líder de futuros no Forum for the Future, organização internacional de sustentabilidade fundada em 1996, com escritórios no Reino Unido, Estados Unidos, Índia e Singapura. A ONG trabalha para acelerar a transição para um futuro justo e regenerativo, atuando em três frentes estratégicas: transformar sistemas de alimentos, energia e negócios.

Hoje, emoções como medo e ansiedade já dominam o pensamento dos jovens quando falamos de futuro. Uma pesquisa do CIESPI/PUC-Rio mostra que 92,5% dos adolescentes brasileiros entre 12 e 18 anos estão preocupados com as mudanças climáticas e mais de 80% relatam sentimentos de insegurança em relação ao tema.

Para pensar em cenários futuros, é preciso passar por esse caminho: reconhecer que imaginar o amanhã depende também de dar espaço ao que sentimos no presente.

FC Brasil – Você organizou um evento durante a Climate Week para falar de emoções e luto diante da crise climática. Por que trazer esse tema para o debate de futuros?

Alisha Bhagat – Muito do trabalho em futuros trata o futuro como algo externo, que acontece “lá fora”. Mas, quando vemos dados como o de que 45% da geração Z sente ansiedade climática, não dá para ignorar o aspecto emocional. Passamos o tempo pensando em cenários, estratégias, políticas – mas quase nunca falamos sobre o que sentimos.

Ao mesmo tempo, todo mundo está cansado. A crise climática drena nossa energia: trabalhamos sem parar e ainda parece que não é suficiente. Abrir um espaço para falar sobre isso, mesmo sem “entregas” ou recomendações, já é um passo importante.

FC Brasil – Como essa abordagem se conecta à ideia de futuros regenerativos?

Alisha Bhagat – Um futuro regenerativo exige reconectar humanos e natureza. O modelo extrativo e capitalista separa as pessoas dos sistemas naturais, e isso nos impede de enxergar que somos parte do problema – e também da solução.

Alisha Bhagat, líder futurista do Forum for the Future

Essa separação gera uma espécie de distanciamento: construímos futuros “para os outros”, em vez de sentir que estamos dentro deles. E isso também é exaustivo, porque cria uma desconexão emocional.

Regeneração significa entender que nós, como espécie, precisamos florescer junto com todas as outras.

FC Brasil – Em um espaço como a Climate Week, que costuma ser pragmático, como foi a recepção ao tema das emoções?

Alisha Bhagat – Surpreendentemente positiva. Nenhum palestrante hesitou, porque todos entendem que sentir é inevitável. Emoções são nosso primeiro sinal de mudança. E o público foi muito honesto – falaram de vergonha, raiva, tristeza, até mesmo de cansaço.

Estamos acostumados a ouvir que precisamos ser otimistas e produtivos o tempo todo, mas isso é irreal. Na prática, as pessoas querem poder dizer: “estou esgotado, mas continuo aqui”. O evento mostrou que não estamos sozinhos nesses sentimentos.

FC Brasil – Você fala muito sobre a necessidade de não suprimir emoções. O que isso significa em termos de ação?

Alisha Bhagat – Muitas vezes, especialmente em espaços dominados por homens brancos, sentir é visto como fraqueza. Isso exclui mulheres, pessoas do Sul Global, pessoas racializadas.

Só que sentir conecta. Quando ouvimos sobre desmatamento, migração climática ou doenças ligadas ao calor, a raiva e a tristeza que surgem fazem parte do processo. O luto envolve estágios de negação, raiva, desejo de justiça. O desgaste também é um estágio: é o sinal de que já demos tudo de nós e, mesmo assim, o problema continua.

Acho que isso é fundamental: não dá para ter otimismo climático sem também ter pessimismo. É preciso sentir todo o espectro das emoções para que a ação seja genuína.

Para muitos ativistas, não se trata de esperar um resultado garantido, mas de fazer o que é certo – mesmo que dediquem a vida inteira a essa luta sem mudar o quadro global. O que importa é poder dizer: eu tentei, lutei uma boa luta.

FC Brasil – O que te surpreendeu no evento em relação às expectativas iniciais?

Alisha Bhagat – Eu esperava que as pessoas fossem mais contidas, mas houve uma entrega muito sincera. Além dos discursos, teve meditação sonora, esculturas, conversas profundas. Os participantes disseram que se sentiram menos sozinhos, menos “loucos” por estarem cansados, com raiva ou com vergonha. Isso nos conecta.

Foi isso que buscamos: que, ao longo da semana, as pessoas notassem mais suas emoções e as incorporassem no trabalho. Não é sobre “fazer nada”, mas sobre reconhecer que existe tempo para raiva, tristeza, silêncio e ação – e que esse ciclo humano nos prepara melhor para agir.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais