5 perguntas para Ana Bavon, CEO da B4People

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Redação Fast Company Brasil 7 minutos de leitura

Gestão de diversidade e ética nos negócios é uma das especialidades de Ana Bavon. A CEO e head de estratégia da consultoria B4People Cultura Inclusiva é referência em temas como estratégias de equidade, inclusão e gestão de diversidades. A ética nos negócios vem a partir da sua formação em direito.

Ana também faz parte do conselho consultivo do movimento Elas Lideram 2030 (iniciativa do Pacto Global da ONU Brasil e da ONU Mulheres) e do board da Plan International Brasil. A executiva dá consultorias e treinamentos dentro de empresas, focando em diversidade e inclusão de gênero. 

Nesta entrevista à Fast Company Brasil, Ana divide suas visão sobre como a cultura inclusiva pode mudar empresas agora e no futuro. 

FC Brasil – Na B4People, você apoia a criação de estratégias de mudança para que as companhias tenham uma cultura inclusiva. O que têm em comum as empresas bem-sucedidas nessa missão de serem verdadeiramente inclusivas?

Ana Bavon – As empresas bem-sucedidas compreenderam que a cultura está completamente ligada aos resultados. Mais que isso, elas compreenderam que a cultura é um conjunto de elementos que norteiam comportamentos humanos, um combinado das dimensões morais (ideológicas), psicossociais e materiais. Elas investem no que de fato importa, a promoção de um ambiente psicologicamente seguro, tangibilizado pelas atitudes e comportamentos da alta liderança.

A primeira pessoa a dar materialidade a uma cultura antirracista na organização é sempre a que ocupa a cadeira da presidência.

Existe, sobretudo, a certeza de que a cultura organizacional é tão importante quanto a estratégia do negócio. Por essa razão, existe investimento, orçamento e área dedicada a tratar diversidade, equidade e inclusão como agenda de negócio e não como uma pauta ou causa menor que deve ser tratada isoladamente pela área de pessoas.

É preciso entender que o processo de transformação de culturas passa pela mudança de mindset. Como seres humanos, somos complexos e levamos tempo para assimilar novos aprendizados, olhar para nossos vieses, preconceitos e prejulgamentos. Nossa formação ideológica e psicossocial não é algo que vai mudar de um dia para o outro. Com isso, o comum entre as empresas que estão nesse caminho de transformação de cultura é a cadência.

Outro aspecto em comum, é o entendimento do contexto social em que a organização está inserida, em olhar para um cenário de desigualdades estruturais como o nosso e entender que ela tem um papel de transformação e de responsabilidade social naquele meio e construir ações a partir disso.

FC Brasil – Pode citar exemplos de ações afirmativas em empresas que estão gerando bons resultados?

Ana Bavon – Quando falamos que diversidade e inclusão trazem inovação e valor para as organizações, estamos falando do despertar do potencial das pessoas, do engajamento e do comprometimento que só é possível em culturas inclusivas.

Em meu trabalho de construção de estratégias em DEI  na B4People, foi possível perceber isso na prática, a partir dos resultados com a primeira turma de trainees negros da Bayer, no programa liderança negra que começamos em 2020. Na primeira turma tivemos 19 trainees negras e negros que hoje integram posições de direção na Bayer. Rodamos um programa de um ano e meio e já temos ótimos resultados.

A agilidade emocional e a capacidade de sentir para além de si são elementos capazes de cocriar futuros inimagináveis para aqueles que pensam a vida de forma homogênea.

Em 2023, estamos com uma nova turma de trainees com foco nas ações afirmativas e reserva de vagas para pessoas negras. Nessa nova turma, saímos de 19 para 33 novos trainees. A demanda aumentou porque as diversas lideranças da Bayer solicitaram que mais trainees fossem integrados às equipes, pois o desempenho da primeira turma foi surpreendente.

Agora, com 33 trainees, temos a expectativa de que seja a melhor experiência e que consigamos que as próximas turmas sejam ainda maiores. Hoje os ex- trainees compartilham experiências com a nova turma e temos recebido feedbacks bem positivos e inspiradores. É um programa que nos enche de orgulho.

A Bayer como pioneira na implementação de ações afirmativas no ramo, sai na frente, colhendo bons frutos de uma ação que leva tempo e requer estratégia para ser implementada. O desafio começou lá atrás, quando trabalhamos o ambiente onde esses trainees seriam inseridos. Provavelmente, se esse trabalho não tivesse sido feito, não teríamos hoje, uma turma muito maior e engajada.

FC Brasil – Como tem sido sua experiência de trabalhar a pauta antirracista com marcas e grandes empresas ?

Ana Bavon –  Desafiadora. Em um contexto como o nosso, trabalhar a agenda antirracista nas organizações é um processo permeado por complexidades, uma vez que o racismo em seu sentido estrutural consegue se enraizar nas normas, na visão de mundo, nas mentalidades e na percepção das pessoas. O primeiro grande desafio é demonstrar que ser racista não é uma questão de opção, é estruturante e definidor.

Uma vez compreendida a imbricação individual no contexto social, é possível observar a mudança. As pessoas saem da posição de aliados na luta antirracista e passam a se compreender como agentes responsáveis pela manutenção ou transformação do status quo. Afinal, racismo não está na ordem da culpa, mas da responsabilização.

o processo de transformação de culturas passa pela mudança de mindset. Como seres humanos, somos complexos e levamos tempo para assimilar novos aprendizados.

A primeira pessoa a dar materialidade a uma cultura antirracista na organização é sempre a que ocupa a cadeira da presidência. É ela quem vai "cascatear", por meio do exemplo, comportamentos antirracistas. É ela também quem tem a caneta capaz de assinar compromissos que coloquem a organização no caminho do bem-estar sócio-racial e da justiça racial.

A experiência que tenho tido com grandes organizações vem sendo bastante positiva nesse aspecto de unir intenção, ação e estratégia. Algumas organizações já entenderam que é impossível construir culturas inclusivas sem falar do racismo e sem construir ações que mitiguem sua reprodução no ambiente corporativo.

Não entender a complexidade de um trabalho que vise mitigar a reprodução do racismo significa estar passível de correr riscos que podem trazer impactos negativos para toda cadeia de valor de uma empresa e minar a segurança psicológica das pessoas que a compõem e das que consomem seus produtos ou serviços.

FC Brasil – Em um momento no qual a IA generativa domina a conversa sobre o futuro dentro das companhias, qual a importância de falar sobre o humanismo radical para inovação?

Ana Bavon –  As tecnologias e a inteligência artificial fazem parte do nosso tecido social. Uma questão muito importante quando trabalhamos cultura inclusiva é ter em vista que estamos tratando de pessoas, que são diversas e complexas.

Quando observamos a chegada da inteligência artificial e de um futuro que se apresenta como possibilidade de nos oferecer uma vida mais autônoma, porém menos previsível, é preciso entender se os ganhos que teremos com essa autonomia e com as inovações irão favorecer a superação das desigualdades ou acirrá-las ainda mais.

Quando falamos que diversidade e inclusão trazem inovação e valor, estamos falando do engajamento e do comprometimento que só é possível em culturas inclusivas.

Quando olhamos para a possibilidade de criatividade em IA, não podemos deixar de considerar que essa criatividade é construída e não constitutiva. Ela existe sem capacidade empática ou emocional. Quando invoco o humanismo radical para falar de futuro, sugiro que sejamos humanos o suficiente para enxergar valor na nossa capacidade de sentir, de nos emocionar e de ter empatia uns com os outros.

Inovação é um conceito que está absolutamente conectado com a capacidade humana de pensar saídas diferentes para um mesmo problema. A agilidade emocional e a capacidade de sentir para além de si são elementos capazes de cocriar futuros inimagináveis para aqueles que pensam a vida de forma homogênea.

Diversidade e humanismo radical, são o tom da inovação quando consideramos que, para inovar, basta olhar para o que todo mundo vê e pensar o que ninguém nunca pensou. 

FC Brasil – Quais perguntas você gostaria de estar respondendo?

Ana Bavon – Quanto a sua empresa cresceu nos últimos anos e quantas pessoas você conseguiu empregar? Quantas organizações estão no seu portfólio de ações afirmativas para alta liderança de pessoas negras ? Quantos milhões foram destinados às agendas de DEI e ESG pelas empresas que se comprometeram a impactar o entorno? Quando foi a última vez que você não precisou se preocupar com a sociedade que deixará quando for sua hora de partir?


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