5 perguntas para Ana Helena Ulbrich, fundadora da NoHarm

Junto com o irmão, o cientista de dados Henrique Dias, ela criou a NoHarm, uma solução de IA que reduz os erros em prescrições médicas

Ana Helena Ulbrich, fundadora da NoHarm
Crédito: Divulgação

Redação Fast Company Brasil 5 minutos de leitura

Sam Altman, Elon Musk, Mark Zuckerberg, Jensen Huang e Ana Helena Ulbrich. A farmacêutica brasileira integrou a lista das 100 pessoas mais influentes no mundo da inteligência artificial da revista "Time".

A razão do reconhecimento? Ana Helena e seu irmão, o cientista de dados Henrique Dias, criaram a NoHarm, uma solução de IA que reduz os erros em prescrições médicas. Tal sistema não só já está em funcionamento, como também é distribuído de graça no Sistema Único de Saúde (SUS). 

A ideia nasceu da vivência de Ana Helena dentro dos hospitais. Mestre e doutora em química, com especialização em segurança do paciente, ela percebeu, durante sua atuação no Grupo Hospitalar Conceição, em Porto Alegre, que a sobrecarga das equipes podia comprometer tratamentos.

Incomodada, buscou apoio no irmão, então doutorando em ciência de dados na PUC/RS. Em 2019, os dois deram forma à NoHarm com um objetivo claro: tornar a assistência em saúde mais segura.

Desde então, a trajetória da healthtech tem chamado atenção. A NoHarm já atraiu investimentos e apoio de instituições como a Bill & Melinda Gates Foundation, CNPq, BNDES e UMANE.

Também conquistou reconhecimento internacional, com prêmios como três Google Latin America Research Awards (LARA) e o Llama Impact Innovation Awards, da Meta – sinais de que o impacto da solução vai muito além do Brasil.

Moradora de Capão da Canoa (RS), Ana Helena viu a primeira prescrição médica ser analisada pela ferramenta em março de 2020. Hoje, a NoHarm reúne uma equipe de 20 profissionais, integra a comunidade Tecnopuc e já alcança mais de 200 hospitais, clínicas e centros de saúde em três estados.

São mais de cinco milhões de receitas avaliadas por mês, beneficiando cerca de 2,5 milhões de pessoas.

FC Brasil – Você e seu irmão, Henrique Dias, decidiram criar um instituto sem fins lucrativos, e não uma startup, para desenvolver a NoHarm. O que significou nadar contra a lógica dominante do Vale do Silício, que mede sucesso em bilhões de dólares?

Ana Helena Ulbrich – Optar por criar um instituto sem fins lucrativos, e não uma startup, foi uma decisão aliada com o propósito e o impacto, não com o valuation.

No Vale do Silício, o sucesso é muitas vezes medido em lucros astronômicos, alta captação de recursos e crescimento acelerado. Mas a NoHarm nasceu com outro objetivo: ampliar a segurança do paciente e gerar impacto real, com crescimento orgânico.

Nadar contra essa lógica dominante significou aceitar uma trajetória menos glamourosa e mais desafiadora do ponto de vista financeiro e de visibilidade. No entanto, é uma escolha fiel quanto aos nossos valores. Significou colocar o foco em ética e equidade, mostrando que a inovação e sustentabilidade podem caminhar juntas. 

Na parte pessoal, eu e meu irmão, nós queríamos devolver para a sociedade o privilégio que a gente teve estudando em universidade pública, onde também fizemos mestrado e doutorado sem custos.

FC Brasil – A ferramenta que você criou é gratuita para o Sistema Único de Saúde (SUS) e já analisou milhões de prescrições. Qual foi o momento em que você percebeu que o impacto real seria maior do que o sonho inicial?

Ana Helena Ulbrich – Eu sempre soube que impactaria de fato a segurança dos pacientes, porque eu passava pelas mesmas dificuldades no meu dia a dia no hospital. O que eu não imaginava era o alcance que a NoHarm teria, chegando a prevenir erros em milhões de prescrições, impactando vidas em todo o Brasil.

FC Brasil – A NorHarm AI já atende 50 hospitais no Brasil, privados e públicos. O modelo de negócio conta com a venda por leito em hospitais privados para que o plano para o SUS possa ser gratuito. Como chegaram nesse formato?

Ana Helena Ulbrich –  Chegamos a esse modelo após muitas conversas e reflexões. No início, dialogamos com investidores, mas percebemos que nossa proposta de oferecer a solução gratuitamente ao SUS não se encaixava no modelo de retorno esperado com mais lucro. 

Por isso, estruturamos um modelo de negócio sustentável: cobramos dos hospitais privados por leito e, com essa receita, conseguimos oferecer a solução sem custo para o sistema público. Assim, equilibramos impacto social com sustentabilidade financeira.

No entanto, quando a gente fala de atenção primária, ainda precisamos de investimento social. Mesmo quando falamos de hospitais, há um desequilíbrio estrutural: cerca de 70% dos leitos no país são do SUS e apenas 30% da rede privada. Essa conta não fecha e exige que a gente tenha mais projetos de financiamento.

FC Brasil – Você fala muito sobre ética na inteligência artificial. Qual é o risco mais urgente que enxerga hoje quando se trata de usar IA em saúde?

Ana Helena Ulbrich – O maior risco hoje é usar inteligência artificial sem transparência nem explicabilidade. Em saúde, não basta que um algoritmo acerte na maioria das vezes. É preciso entender como ele chegou naquela recomendação.

"Não faz sentido um profissional da saúde gastar o tempo preenchendo papéis e planilhas."

Sem essa explicação, o profissional da saúde não tem condição de avaliar os riscos nem contestar os resultados, o que compromete a segurança do paciente. 

A prioridade da tecnologia deve ser  garantir uma IA explicável, auditável e ética, sempre como apoio à decisão, nunca substituindo o profissional da saúde. A tecnologia precisa reforçar a confiança e a segurança no cuidado, não criar novas camadas de risco.

FC Brasil – Como você imagina o papel humano na saúde daqui a 10 anos, em um mundo cada vez mais atravessado por algoritmos?

Ana Helena Ulbrich – Não faz sentido um profissional da saúde gastar o tempo preenchendo papéis e planilhas. Ele precisa estar próximo do paciente.

Nos próximos 10 anos, a inteligência artificial deve assumir tarefas repetitivas e burocráticas, liberando os profissionais para o que mais importa: escutar, compreender e cuidar. A IA apoia em segundo plano para que o profissional fique mais presente, entregando um cuidado realmente humano.


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Conteúdo produzido pela Redação da Fast Company Brasil. saiba mais