5 perguntas para Andrew McLuhan, fundador e diretor do Instituto McLuhan

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Redação Fast Company Brasil 6 minutos de leitura

A tecnologia altera a sociedade. O meio é a mensagem. Marshall McLuhan levou essa filosofia a público há 61 anos. Em um momento no qual nos questionamos sobre o futuro da humanidade em luz da inteligência artificial e dos algoritmos, o pensamento do filósofo de teorias da mídia torna-se ainda mais atual. E Andrew McLuhan, neto do estudioso, tem como objetivo tornar esse conceito mais concreto para o mercado de comunicação.

Ele fundou e dirige o Instituto McLuhan, organização que ensina “media literacy” (letramento midiático) para líderes. Também é poeta e músico. Mais jovem, chegou a ter uma banda de punk rock. O palco agora é o lugar que ocupa para tratar de alfabetização midiática e espalhar o aprendizado sobre impactos da tecnologia na comunicação. 

McLuhan está no Brasil para lançar o livro “Brand Publishing na Prática” escrito em co-autoria com executivos do mercado de comunicação brasileiro. Nesta entrevista, ele compartilha suas reflexões sobre a era da inteligência artificial, destacando como a inovação rápida transforma nossa percepção da realidade e impõe novos desafios sociais e culturais.

Também discute como o conceito de "o meio é a mensagem" se aplica à IA – e a necessidade urgente de regulamentar a tecnologia. 

FC Brasil – A frase “meio é mensagem” tem mais de 60 anos e foi escrita por Marshall McLuhan no contexto da popularização da televisão. Você acredita que, no momento atual, com a IA generativa e as redes sociais, esse conceito segue fazendo sentido? 

Andrew McLuhan – Na verdade, o conceito de 'o meio é a mensagem' continua o mesmo de quando a televisão, o rádio ou até a própria escrita surgiram. A mensagem muda de acordo com o meio. Essas novas tecnologias impactam direta e indiretamente a nossa sociedade. Mexe em pontos quase imperceptíveis.

A tecnologia afeta a forma como nos vemos como seres humanos e molda novas culturas. O problema é que, muitas vezes, essa nova cultura não é compatível com a forma anterior que se vivia. E não nos fazemos essas perguntas durante o desenvolvimento da tecnologia. Não nos perguntamos: que sociedade estamos criando com esse novo meio? Que mensagens queremos transmitir? 

A tecnologia desconfortável e chocante de hoje se torna o valor do amanhã.  Se realmente entendêssemos como a tecnologia nos afeta, teríamos que fazer as coisas de maneira diferente.

FC Brasil – Como podemos lidar com a inovação e incorporar as complexidades associadas à inteligência artificial? 

Andrew McLuhan – A inovação se move na velocidade da luz e a regulamentação, na velocidade do papel, mas isso não é necessariamente uma coisa ruim. Tome o caso da indústria farmacêutica como exemplo: as regulamentações tornaram a descoberta científica mais segura para as pessoas. Ter mais passos para testar o produto no mercado não reduziu a capacidade desse setor de inovar e protegeu muitas pessoas de possíveis erros. 

A tecnologia afeta a forma como nos vemos como seres humanos e molda novas culturas.

A tecnologia não é diferente dessa indústria em termos de efeito e impactos na sociedade. As tecnologias nos afetam: elas nos impactam no nível sensorial e cognitivo, e todo o resto é consequência disso.

Quando falamos sobre novas tecnologias, o que precisamos considerar em primeiro lugar são os valores humanos que queremos enaltecer. Quais são meus valores pessoais? Da minha comunidade? Do meu país? Essa tecnologia sustenta esses valores ou os ameaça? Essas são perguntas que raramente fazemos.

FC Brasil – No Brasil, a discussão sobre vetar smartphones nas escolas leva em conta o impacto que a tela tem na sociabilidade e na concentração das crianças. Você fala sobre impacto de tecnologia e comportamento. Como a educação midiática pode ajudar a equilibrar o custo-benefício entre sociedade e tecnologia?

Andrew McLuhan – A educação midiática vai além da alfabetização midiática que as escolas focam hoje. Temos que trabalhar na ecologia midiática, que é mostrar que existe um sistema entre sociedade e a tecnologia, e não apenas entre a sociedade e o conteúdo. 

Com exceção desse caso nas escolas, em que a proibição dos celulares traz benefícios, acredito que a saída não é simplesmente deixar de usar a tecnologia para evitar seus impactos. Vivemos na sociedade do smartphone, esteja a gente no celular ou não. E é uma sociedade que está rapidamente se tornando uma sociedade da inteligência artificial.

Há uma maneira mais sofisticada de aproveitar alguns dos benefícios das tecnologias sem precisar sofrer os piores efeitos colaterais. Para isso, precisa ter reforço humano, ou seja, regulamentação.  

FC Brasil – Qual o papel de executivos e empresas para ajudar a fazer um bom uso da tecnologia? A sensação é que as pessoas não vão aguentar esse ritmo.

Andrew McLuhan – A gente já não está aguentando. Principalmente os executivos.  Os humanos não foram feitos para a velocidade da luz. Estamos, no momento, tentando viver na velocidade da luz. Os efeitos no mundo corporativo são claros: burnout, exaustão, confusão. 

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Estamos nos afogando em conteúdo, mas, paradoxalmente, o momento de sobrecarga de informação leva ao reconhecimento de padrões. Quando há tanta coisa vindo em sua direção, é preciso se afastar um pouco para entender os padrões. É uma realidade que executivos agora podem fazer: se concentrar nos padrões, ter uma visão ampla, a mais ampla possível. 

Executivos ou não, não podemos mais nos dar ao luxo de ser ignorantes com a tecnologia. Não há absolutamente nenhuma inevitabilidade, desde que haja disposição para contemplar a situação. 

FC Brasil – Você fala com líderes da indústria de comunicação, tem o lado acadêmico do instituto e é poeta. Como ser poeta muda o seu trabalho? E o que te inspira para tentar ser otimista diante de cenários desafiadores?

Andrew McLuhan – Ser poeta me faz olhar mais para os processos do que para o destino. Como escritor, a poesia não é tanto sobre o poema em si, mas sobre a maneira de ver o mundo. A poesia está na percepção, na experiência, no olhar, no perceber.

A inovação se move na velocidade da luz e a regulamentação, na velocidade do papel. Mas isso não é necessariamente uma coisa ruim.

O fato de eu poder me sentar e escrever um poema é secundário. Agora, o ChatGPT pode fazer isso, claro, mas eu seria uma pessoa diferente se não tivesse essa experiência de ver o mundo de uma maneira poética antes de escrever.

Vejo o mundo dessa forma. O que me inspira a ser cautelosamente otimista. O ser humano é incrivelmente criativo. Quando vemos um desafio e decidimos enfrentá-lo, encontramos uma maneira de lidar com ele. Isso me dá esperança. E a outra razão é que eu acredito muito nos jovens.

Quanto mais velhos ficamos, mais difícil se torna fazer escolhas difíceis. Sou casado, tenho filhos, tenho uma hipoteca, cartões de crédito – eu preciso trabalhar. É difícil recusar empregos, por exemplo.

Mas, para os jovens, é mais fácil fazer a coisa certa, a escolha difícil. É mais fácil para eles dizer 'não' a um emprego que não se alinha com seus valores. E nunca foi tão fácil para os jovens acessarem tecnologias poderosas.


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