5 perguntas para Anna Lucia Spear King, fundadora do Instituto Delete

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Redação Fast Company Brasil 4 minutos de leitura

Somos viciados em telas ou apenas utilizamos mal a tecnologia? Para a psiquiatra fundadora do Instituto Delete, Anna Lucia Spear King, um pouco dos dois. Há aqueles que passam pela nomofobia, que é a fobia patológica de estar longe do celular, e outros que não têm limites para o uso do aparelho.

Criado oficialmente em 2013, o Instituto Delete é pioneiro em pesquisar e alertar sobre a utilização consciente da tecnologia, seja ela o celular, a televisão conectada ou algum aplicativo específico do tablet.

Para a pesquisadora, que pós-doutora em saúde mental e pesquisa dependência digital há 14 anos, existem desafios ligados à “etiqueta digital” – que ainda não teve tempo de ser difundida – devido à rapidez da evolução tecnológica.

Nesta entrevista a especialista fala sobre dependência digital, limites para o uso de telas e “detox” de smartphones.

FC Brasil – O Instituto Delete faz pesquisas e campanhas em favor do uso consciente da tecnologia. O que significa, hoje, uma pessoa utilizar a tecnologia de forma saudável e educada?

Anna Lucia Spear King – É usar de modo consciente. O que significa isso? Quer dizer a pessoa usar com limites, criando regras para a sua própria vida. Por exemplo, para quem trabalha com tecnologia: só usar em horário comercial. Desligar o aparelho ou o notebook uma ou duas horas antes de dormir para ter uma boa noite de sono.

Precisamos nos conscientizar sobre como descartar e reciclar o produto eletrônico usado.

Não usar as tecnologias durante as refeições para aproveitar as horas que está comendo, não usar a tecnologia quando está com outras pessoas, evitar usar nos transportes públicos ou elevador, para preservar a privacidade. Olhar a vida, não ficar só olhando a tecnologia o dia inteiro e deixar de olhar as coisas que estão à sua volta.

Cada um deve determinar os seus limites e a quantidade que usa no dia a dia.

FC Brasil – O Delete começou oficialmente em 2013 (e extra-oficialmente em 2008) e se tornou pioneiro em tratar a dependência de tecnologia. Que mudanças observaram no comportamento das pessoas com relação ao digital?

Anna Lucia Spear King – Fundamos o Instituto Delete para orientar a população em geral sobre como fazer o melhor uso da tecnologia digital. De lá para cá, conseguimos implementar mudanças em escolas, em universidades e também em famílias, individualmente, orientando pacientes.

O grande desafio que enfrentamos atualmente é que ninguém aprendeu a usar as tecnologias de modo consciente, porque são dispositivos que, em questão de poucos anos, se inseriram nas nossas vidas.

Não tivemos tempo, como sociedade, para receber educação digital, da mesma forma como, por exemplo, fomos orientados na educação social. Sabemos como nos portar no convívio físico, não no digital. E é algo que precisamos correr atrás. 

FC Brasil – Você já escreveu algumas publicações sobre a nomofobia, nome dado ao medo ou ansiedade de ficar sem celular. Em alguns casos, isso ocorre por conta do uso do dispositivo para questões profissionais. Como as empresas podem ajudar a combater esse problema?

Anna Lucia Spear King – Nomofobia é a dependência patológica de tecnologia, mas também pesquisamos sobre assuntos como etiqueta digital e ergonomia digital. Por meio das pesquisas, conseguimos estabelecer 15 escalas para analisar a dependência de dispositivos e aplicativos, como WhatsApp, Facebook, Instagram.

usar [a tecnologia] de modo consciente é usar com limites, criando regras para a sua própria vida.

O importante é que as pessoas entendam que nem todo mundo que usa as tecnologias todos os dias e por muitas horas é dependente ou viciado. Muitas vezes, é apenas um uso mal orientado e sem limites do celular ou da internet.

Em relação ao uso nas empresas, a indicação é que cada negócio determine de forma clara como as redes sociais e o smartphone serão usados em horário comercial.

Algumas regras simples podem apoiar o uso saudável do smartphone, como pedir para que as pessoas não usem o celular durante reuniões ou que o desliguem ao entrar em determinadas áreas da empresa. 

FC Brasil – Como sociedade, por que devemos nos preocupar com o uso desenfreado de telas?

Anna Lucia Spear King – Quando o assunto é utilização excessiva de tecnologia, tem um assunto sobre o qual

O grande desafio que enfrentamos é que ninguém aprendeu a usar as tecnologias de modo consciente.

poucos falam, mas que também pesquisamos no instituto: a quantidade expressiva de lixo eletrônico gerado. Compramos celulares e usamos o dia inteiro, trocamos de equipamento e, em muitos casos, não sabemos como descartar.

Estamos gerando mais de 40 milhões de toneladas de lixo eletrônico no planeta. Precisamos nos conscientizar sobre como descartar e reciclar o produto eletrônico usado.

FC Brasil – O "detox digital" está na lista de resoluções de ano novo de muita gente. Além disso, há uma tendência no sentido de "se desconectar". Baseada em sua experiência, que dicas daria para quem quer seguir com este objetivo em 2024?

Anna Lucia Spear King – No instituto Delete, somos contra o “detox digital”. Não somos contra o uso de tecnologia, mas pregamos a utilização mais consciente. Sabe a história de ficar um mês sem usar determinado dispositivo, ou ficar duas semanas sem tocar o celular? Isso não é viável. Vivemos em um mundo em que tudo necessita de uso conectado.

A pessoa deixa de responder seus amigos, seus e-mails, suas mensagens, deixa de trabalhar, tudo que ela necessita, só por se sentir obrigada a ficar 100% afastada do dispositivo.

Precisamos programar os limites diários, e não ficar nos torturando para não utilizar o celular ou o tablet por um mês, dois meses. Temos que limitar a quantidade de uso no dia a dia, e cada um traçar seus próprios limites.


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