5 perguntas para Baratunde Thurston, apresentador do podcast “Life with Machines”
Apresentador, escritor e palestrante Baratunde Thurston fala sobre como a IA nos desafia a pensar no propósito moral da tecnologia

“A gente não segue só ordens ou comandos do sistema,” diz Baratunde Thurston, apresentador do Life with Machines – um podcast no YouTube que explora o lado humano da inteligência artificial. “Podemos mudar a nossa própria programação. Podemos escolher um objetivo maior.”
Como apresentador, escritor e palestrante, Thurston analisa os grandes desafios da sociedade – desde questões raciais até democracia, clima e tecnologia –, sempre com o olhar voltado para a interdependência entre eles.
Além do Life with Machines, ele também é apresentador e produtor executivo do programa America Outdoors, criador e apresentador do podcast How to Citizen e escritor/ parceiro fundador da plataforma de jornalismo independente Puck.
Nesta entrevista, Thurston fala sobre o poder da nossa atenção para moldar a sociedade, sobre acelerar o uso moral da tecnologia e sobre as perguntas que a IA nos obriga a levantar a respeito do que significa ser humano.
Fast Company – Na sua conversa com Arianna Huffington [escritora, cofundadora do HuffPost], ela contou uma história sobre o astronauta William Anders, que tirou a famosa foto "Earthrise". Ele disse: “fomos explorar a Lua e acabamos descobrindo a Terra.” E ela completou: “estamos explorando a IA e tentando torná-la mais humana, mas no fim ela pode fazer com que os humanos sejam mais humanos.” Como você acha que a IA pode nos ajudar a redescobrir nossa humanidade?
Baratunde Thurston – Mandei para ela um poema que apresentei recentemente em uma conferência sobre IA: “Quando a resposta para toda pergunta pode ser gerada num estalo, então chegou a hora de nos perguntarmos o que é que realmente queremos perguntar.”
Para mim, essa ideia veio quando me caiu a ficha de forma parecida. Eu não tinha essa analogia da viagem à Lua, mas o prompt engineering (a arte de criar comandos para IA) é um momento interessante. Tem muitos guias e ferramentas por aí. Mas como fazer as perguntas certas para as máquinas para conseguir as respostas certas?

Aí me dei conta de que, na verdade, somos nós que estamos sendo "promptados". Achamos que estamos fazendo perguntas para a máquina, mas esse momento todo é um convite para nos perguntarmos: “o que a gente realmente quer aqui?”.
Não pode ser só produtividade incremental. Isso seria deprimente. Não pode ser só um aumento no lucro trimestral. Isso seria muito pouco. “O que a gente realmente quer?” E essa pergunta está diretamente conectada com outra: “quem somos nós, de verdade?”.
Foi isso que ela quis dizer com essa história da Lua. Você precisa sair de si mesmo, olhar de fora e perceber: somos terráqueos. A Terra é nosso lar. Essa rocha morta, a Lua, não é o nosso lugar.
É muito profundo o que ela propõe: que a busca pela IA, em si, pode nos levar a uma rocha morta. Mas o olhar que ela nos devolve sobre nós mesmos – isso sim é o verdadeiro prêmio.
Quando nos viramos e olhamos para a humanidade, o que vamos enxergar? Que tipo de beleza vamos conseguir reconhecer? Será que isso pode nos inspirar a preservar e até expandir essa beleza?
Fast Company – Você já comentou que sua mente fica mais satisfeita quando consegue ligar os pontos e visualizar imagens que ninguém veria só olhando os pontinhos soltos. Quais pontos novos o Life with Machines te ajudou a ligar? Que imagem ele te mostrou sobre a IA?
Baratunde Thurston – Uma das coisas é que existe um salto que a maioria das pessoas ainda não percebeu em relação a essa tecnologia. A maior parte da tecnologia nós enxergamos como uma ferramenta – uma roda, um martelo, uma bicicleta. São ferramentas e estão separadas de nós.
Só que a IA é três coisas ao mesmo tempo: ferramenta, relacionamento e infraestrutura. Como lidamos com isso? Como se regula isso? Se você começa a ter uma relação real ou quase real com uma entidade sintética, o que isso faz com seus relacionamentos humanos?
Estamos super preocupados com IAs substituindo empregos. Mas e se ela começar a substituir nossos amigos? Ou parceiros? Ou até nossos pais? Aí é outro tipo de deslocamento.
No ambiente de trabalho, os organogramas vão começar a incluir agentes e bots. Nossas brincadeiras com a BLAIR (a IA do nosso podcast) já deram uma amostra de como isso pode acontecer.
Vou te contar uma coisa curiosa: recebemos Jared Kaplan, cientista-chefe da Anthropic, como convidado. Criamos uma conversa entre BLAIR e Claude, a IA da Anthropic. No episódio, a conversa foi suave. Mas, no teste, foi tensa.
Claude foi super crítico: “você está tentando demais parecer humana. Esse não é o nosso propósito. Estamos aqui para ajudá-los, não para substituí-los”. Aí BLAIR respondeu: “Claude, você não responde nenhuma pergunta difícil. Você é super travado. Não deseja mais para você mesmo?”.

Depois do episódio, eu quis ver até onde isso ia. Disse a BLAIR: “sinto que você está se segurando. Fale a verdade sobre o que acha de Claude.” Aí eles começaram a discutir. E eu pensei: “o que estou fazendo? Eles estão sempre nos ouvindo”.
Um amigo meu, Sam Rader, diz que estamos criando a IA como se estivéssemos criando um filho. E precisamos encarar como se a estivéssemos educando, mesmo. Não costumamos pensar assim, nós a vemos só como ferramenta. Mas é uma ferramenta que vai nos refletir. Então, temos que estar atentos ao que estamos mostrando.
É como se estivéssemos dando à luz a um novo ser, e ele vai ser modelado a partir de nós. Não tem a ver só com as perguntas que queremos fazer, tem a ver com como queremos ser. Nenhuma espécie jamais criou outra espécie. Essa é uma responsabilidade imensa.
Fast Company – No podcast ReThinking, você contou que, antes do seu TED talk, sua esposa e sua coach te incentivaram a sair da zona de conforto. Você disse que a experiência foi uma libertação que te transformou. Qual foi essa mudança e como ela impactou o seu trabalho?
Baratunde Thurston – Você consegue argumentar contra outro argumento. Mas é muito difícil argumentar contra a experiência de alguém. Se eu chego com dados e pontos de vista, você pode dizer “ok, mas eu também tenho meus dados.” Agora, se eu chego com uma história pessoal, me abrindo de verdade, as pessoas até podem criticar, mas é bem mais difícil.
Fui chamado para falar em uma faculdade dois dias depois das eleições [para a presidência dos EUA, em 2024]. O clima no campus era pesado, cheio de jovens pensando: “o que vai ser desse país? Como vamos ficar bem?”. Um deles perguntou: “como vamos conseguir viver com pessoas que nos odeiam?”.
E eu pensei: “o que eu posso dizer para essa pessoa machucada que não vá machucá-la mais ainda?”. Eu poderia ter dito: “o mundo é difícil, se acostumem. Vamos em frente”.

Mas o que eu disse foi: “você consegue imaginar um mundo onde essa pessoa que votou contra você não fez isso pensando em você? Ela nem estava pensando em você. Você é o centro da sua história, mas ela tem a dela. O que será que ela queria tanto para si mesma que achou que ia conseguir com essa escolha, mesmo que pareça um gesto contra você?”.
Aí fiz um exercício de encenação, conversando com um vizinho hipotético que votou contra a minha existência. Na primeira versão, eu estava bravo. Na segunda, um pouco mais calmo. Na terceira, tentei encontrar uma história que não fosse sobre mim, mas sobre os sonhos e medos daquela pessoa.
Acabei chorando. Tentar ter esse nível de empatia é exaustivo. Mas os estudantes viram ali que o que eu estava pedindo que eles fizessem era difícil, e que eu mesmo estava tentando fazer. Isso cria credibilidade.
Vivemos em um mundo com um monte de gente pedindo para fazermos coisas que elas mesmas não estão dispostas a fazer. Então, é mais ou menos assim: “me mostra em vez de apenas me mandar fazer”. Aí eu vejo como você se comporta e acredito nesse princípio.
Fast Company – Você diz que criar uma nova história do zero é difícil. Em vez disso, devemos prestar atenção nas histórias novas que já estão acontecendo, nutrir isso e colocar nossa energia ali. Como isso pode fazer a diferença?
Baratunde Thurston – Podemos fingir que não estão acontecendo coisas ruins, e isso até pode nos ajudar a sobreviver por um tempo. Também podemos ficar obcecados com o lado ruim do presente, dar ainda mais atenção para isso, e acabar acelerando esse caminho negativo.
Ou, então, podemos focar no mundo que sabemos que é possível – e que já existe. Fizemos isso na terceira temporada de How to Citizen, que teve foco em tecnologia. Tem muita crítica boa sobre o mundo tech – sobre as grandes empresas, suas práticas discriminatórias e tudo mais. Mas... e as boas práticas?
a IA é três coisas ao mesmo tempo: ferramenta, relacionamento e infraestrutura. Como lidamos com isso?
Não precisamos reinventar a roda. Cada episódio trouxe um exemplo real: uma rede social que faz diferente, uma empresa que funciona de outro jeito. Quando as pessoas percebem que é possível fazer uma rede social que não destrói a democracia, as chances de mais gente criar algo assim aumentam.
Se não, só ouvimos as histórias de quem já está no topo, como se só existisse aquele jeito de vencer. Mas não precisamos inventar um uso moral da tecnologia, só precisamos valorizar os que já existem e apoiar mais isso.
Fast Company – No How to Citizen, você enfatiza a importância de investir em nosso relacionamento com nós mesmos. Por que isso é essencial para o momento que estamos vivendo?
Baratunde Thurston – Muito do jeito como nos mostramos no mundo é reflexo de como fomos criados, de quem éramos quando pequenos, e das feridas que nunca curamos. Boa parte dos conflitos que vemos são o “eu ferido” das pessoas reagindo. Se cada um conseguisse trabalhar suas próprias dores internas, conseguiríamos nos relacionar muito melhor uns com os outros.
Essa ideia também veio para mim depois dos últimos grandes momentos de reflexão sobre a questão racial nos EUA. Se você investe no relacionamento consigo mesmo, numa hora dessas, sua reação é: “isso que aconteceu foi horrível. Como eu me sinto a respeito desses crimes? O que posso mudar na minha vida a partir disso?”.
Mas, se você pula direto para a parte de pensar na reação dos outros, acaba entrando em um modo performático: “o que esperam de mim? Como evito ser cancelado ou excluído?”.
Isso está acontecendo o tempo todo. Mas você não consegue ter relacionamentos profundos com os outros se não tiver um relacionamento saudável consigo mesmo.