5 perguntas para Duda Franklin, CEO da Orby.co
Fundadora da deeptech feita com tecnologia 100% nacional fala sobre o diferencial da Orby, os limites éticos da neuromodulação e o futuro da neurotech

As duas startups mais promissoras de neurotecnologia atualmente são a Neuralink, de Elon Musk, e a brasileira Orby.co, da potiguar Duda Franklin.
A deeptech feita com tecnologia 100% nacional nasceu de pesquisas da Universidade Federal de do Rio Grande do Norte (UFRN) e procura modular o sistema nervoso com um dispositivo portátil. O dispositivo criado, o Ortech, combina inteligência artificial, sensores fisiológicos e estímulos elétricos capazes de guiar movimentos e aliviar a dor.
Aos 26 anos, Duda Franklin lidera uma das fronteiras mais sensíveis da inovação: criar uma tecnologia que conversa diretamente com o sistema nervoso humano, sem promessas miraculosas e sem atalhos.
Nesta entrevista, ela fala sobre o que realmente diferencia a Orby, os limites éticos da neuromodulação e o futuro da neurotech feita no Brasil. Em um país onde deeptechs enfrentam barreiras industriais, regulatórias e científicas, Duda conduz a empresa com um mantra simples: velocidade, sim, mas com responsabilidade.
FC Brasil – Na prática, o que o dispositivo que vocês criaram, o Ortech, faz no corpo?
Duda Franklin – Estamos desenvolvendo uma plataforma completa para a reabilitação de movimentos e o alívio da dor, combinando inteligência artificial com dispositivos inteligentes que captam dados fisiológicos e fornecem estímulos elétricos em tempo real.
Sem necessidade de cirurgia ou implantes, reproduzimos a lógica natural do sistema nervoso humano, que envia impulsos elétricos pelos nervos até os músculos para gerar movimentos.
Na prática, após a configuração do protocolo, a plataforma executa o controle do movimento de forma assistida por meio de estimulação elétrica. Nesse momento, a tecnologia guia o movimento, o que impulsiona a neuroplasticidade, que é a capacidade do corpo de reaprender por novas vias.
FC Brasil – O aparelho ainda está em aprovação na Anvisa, mas já passou por testes. Quais foram os resultados apresentados até agora?
Duda Franklin – Nossa tecnologia se fundamenta em décadas de evidências robustas que demonstram que a eletroestimulação pode gerar respostas funcionais e motoras consistentes, incluindo melhorias na velocidade de marcha, na resistência, na ativação muscular e na propulsão.
São esses fundamentos clínicos, aliados à colaboração com especialistas, que orientam a engenharia e o desenho dos nossos protocolos. Em breve publicaremos os resultados dos nossos próprios ensaios clínicos, conduzidos em conformidade com o rigor ético e regulatório, que vão apresentar evidências formalizadas da eficácia e do impacto funcional da nossa tecnologia.
FC Brasil – O produto nasceu a partir de anos de pesquisa na UFRN. Quando você e a cofundadora da Orby, Kalynda Gomes, perceberam que a pesquisa que faziam poderia ser levada para o mercado? E como foi esse caminho da academia para o setor de startups?
Duda Franklin – A UFRN foi um ponto de partida importante, onde construímos nossa formação de base e conduzimos investigações iniciais que nos permitiram compreender, com profundidade, o potencial da neuroengenharia.
Foi nesse contexto que percebemos a urgência de desenvolver tecnologias capazes de gerar impacto na vida das pessoas, indo além da produção científica.

A transição da academia para o mercado começou com uma inquietação comum a muitos pesquisadores: a percepção de que, embora a produção científica seja fundamental, algumas pesquisas acabam por não ultrapassar essa etapa.
Não por falta de relevância, mas porque transformar conhecimento em solução aplicada exige investimento e estrutura que nem sempre estão disponíveis no ecossistema acadêmico.
No nosso caso, o ponto de virada veio quando percebemos que aquilo que estávamos desenvolvendo tinha não apenas potencial para alcançar milhões de pessoas, mas também respondia a desafios clínicos concretos, especialmente à lacuna em que, mesmo após período intenso de reabilitação, muitos pacientes permanecem com déficits motores significativos que comprometem sua funcionalidade e autonomia, devido às limitações dos protocolos disponíveis, muitas vezes dispersos, repetitivos ou até mesmo invasivos.
A partir desse entendimento, continuamos trilhando o caminho científico, mas ampliamos nosso escopo, e passamos a adotar um processo de engenharia regulatória, industrial e clínica muito mais robusto.
Isso envolveu montar a equipe, estruturar a operação, firmar parcerias estratégicas e estabelecer governança para transformar o que nasceu na pesquisa em uma solução escalável e global.
FC Brasil – Como você equilibra inovação rápida com o risco de um “efeito colateral invisível” em um dispositivo que está atuando no sistema nervoso? E com relação aos neurodados criados por ele?
Duda Franklin – Estamos diante de uma nova era da neurotecnologia e acreditamos que inovar rápido não significa cortar caminho. No geral, as pessoas tendem a subestimar a complexidade envolvida no desenvolvimento de tecnologias, especialmente as deeptechs, o que muitas vezes gera desconfiança ou interpretações equivocadas.
Trabalhar com essas tecnologias exige não apenas competência técnica, mas também paciência e resiliência. E isso significa sustentar decisões difíceis diante da pressão do mercado, das expectativas e das críticas externas.
Sem necessidade de cirurgia ou implantes, reproduzimos a lógica natural do sistema nervoso.
Por isso, desde o início definimos que nossa cultura é “velocidade com responsabilidade”. Cada decisão passa por avaliações sistemáticas de risco, de mitigação e de conformidade regulatória.
No que diz respeito aos neurodados, buscamos atender a um modelo alinhado à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), aos princípios de minimização, finalidade clara e proteção ativa dos dados, sobretudo por lidarmos com dados sensíveis, o que exige governança reforçada, criptografia robusta e processos transparentes de coleta, uso e retenção.
FC Brasil – Algumas pesquisas têm indicado que o uso da IA generativa está diminuindo a capacidade de atenção e de retenção de informações. Como você imagina a integração de IA e o cérebro humano daqui a 20 anos?
Duda Franklin – As discussões sobre IA tendem a oscilar entre o entusiasmo e a crítica. Concordo que hoje o debate público frequentemente inflaciona expectativas e ignora as limitações desses sistemas, mas não dá para reduzir todo o potencial da IA.
A IA não é inteligência no sentido biológico da palavra, mas, na prática, quando aplicada com rigor, sob supervisão e com propósito claro – como fazemos na Orby.co – a IA não substitui a capacidade humana, ela amplia.
Nos últimos meses, multiplicaram-se afirmações de que o uso de IA generativa, como o ChatGPT e o Gemini, estaria reduzindo a capacidade de atenção e de retenção de informações do cérebro humano. Embora esse debate seja legítimo, é importante analisar o que as pesquisas científicas de fato demonstram.

Um dos estudos mais robustos sobre o tema é o conduzido por Nataliya Kosmyna, do MIT Media Lab, que sugere que o uso de IA generativa reduz o engajamento cognitivo durante a execução da tarefa.
Apesar dos achados, Kosmyna e sua equipe enfatizam que os resultados não indicam um declínio cognitivo estrutural, mas sim um padrão de uso que reduz o esforço cognitivo na tarefa específica.Trata-se de um mecanismo semelhante ao observado em outras tecnologias que automatizam parte do processamento mental, como GPS e calculadoras.
Portanto, embora o estudo ofereça evidências iniciais de que o uso de IA pode reduzir a atenção e a retenção de curto prazo em determinadas tarefas, ele não comprova que a IA esteja degradando, de forma geral, a capacidade cognitiva humana.
Os próprios autores destacam que essas conclusões são preliminares e exigem mais replicação e investigação em tarefas variadas para determinar seu impacto real no longo prazo.
desde o início definimos que nossa cultura é “velocidade com responsabilidade”.
Em síntese: a IA generativa pode, sim, alterar padrões de engajamento cerebral, mas transformar isso em uma narrativa alarmista de “redução da capacidade cognitiva humana” ainda não está cientificamente justificado.
O que a pesquisa mostra é um efeito específico, contextual, mensurável e que deve ser explorado com muito mais profundidade pela ciência.
Daqui a 20 anos, não imagino um cenário em que algoritmos tomem o lugar do cérebro humano, e sim um avanço em sistemas híbridos. Sistemas em que a IA compreende e interpreta, em tempo real, padrões com mais precisão do que conseguimos hoje e auxilia atividades diárias de forma personalizada e dinâmica. Human-AI co-adaptation, não competição.
Nessa perspectiva, a inteligência artificial não será protagonista isolada. Ela será uma camada adicional que fortalece a autonomia, potencializa o desempenho e expande a capacidade de ação, sempre ancorada no julgamento humano, na ética e na ciência.