5 perguntas para Duda Franklin, CEO da Orby.co

Fundadora da deeptech feita com tecnologia 100% nacional fala sobre o diferencial da Orby, os limites éticos da neuromodulação e o futuro da neurotech

Duda Franklin, da Orby.co
Crédito: Divulgação

Redação Fast Company Brasil 7 minutos de leitura

As duas startups mais promissoras de neurotecnologia atualmente são a Neuralink, de Elon Musk, e a brasileira Orby.co, da potiguar Duda Franklin.

A deeptech feita com tecnologia 100% nacional nasceu de pesquisas da Universidade Federal de do Rio Grande do Norte (UFRN) e procura modular o sistema nervoso com um dispositivo portátil. O dispositivo criado, o Ortech, combina inteligência artificial, sensores fisiológicos e estímulos elétricos capazes de guiar movimentos e aliviar a dor.

Aos 26 anos, Duda Franklin lidera uma das fronteiras mais sensíveis da inovação: criar uma tecnologia que conversa diretamente com o sistema nervoso humano, sem promessas miraculosas e sem atalhos.

Nesta entrevista, ela fala sobre o que realmente diferencia a Orby, os limites éticos da neuromodulação e o futuro da neurotech feita no Brasil. Em um país onde deeptechs enfrentam barreiras industriais, regulatórias e científicas, Duda conduz a empresa com um mantra simples: velocidade, sim, mas com responsabilidade.

FC Brasil – Na prática, o que o dispositivo que vocês criaram, o Ortech, faz no corpo? 

Duda Franklin – Estamos desenvolvendo uma plataforma completa para a reabilitação de movimentos e o alívio da dor, combinando inteligência artificial com dispositivos inteligentes que captam dados fisiológicos e fornecem estímulos elétricos em tempo real. 

Sem necessidade de cirurgia ou implantes, reproduzimos a lógica natural do sistema nervoso humano, que envia impulsos elétricos pelos nervos até os músculos para gerar movimentos. 

Na prática, após a configuração do protocolo, a plataforma executa o controle do movimento de forma assistida por meio de estimulação elétrica. Nesse momento, a tecnologia guia o movimento, o que impulsiona a neuroplasticidade, que é a capacidade do corpo de reaprender por novas vias.

FC Brasil O aparelho ainda está em aprovação na Anvisa, mas já passou por testes. Quais foram os resultados apresentados até agora?

Duda Franklin Nossa tecnologia se fundamenta em décadas de evidências robustas que demonstram que a eletroestimulação pode gerar respostas funcionais e motoras consistentes, incluindo melhorias na velocidade de marcha, na resistência, na ativação muscular e na propulsão. 

São esses fundamentos clínicos, aliados à colaboração com especialistas, que orientam a engenharia e o desenho dos nossos protocolos. Em breve publicaremos os resultados dos nossos próprios ensaios clínicos, conduzidos em conformidade com o rigor ético e regulatório, que vão apresentar evidências formalizadas da eficácia e do impacto funcional da nossa tecnologia.

FC Brasil O produto nasceu a partir de anos de pesquisa na UFRN. Quando você e a cofundadora da Orby, Kalynda Gomes,  perceberam que a pesquisa que faziam poderia ser levada para o mercado? E como foi esse caminho da academia para o setor de startups?

Duda Franklin A UFRN foi um ponto de partida importante, onde construímos nossa formação de base e conduzimos investigações iniciais que nos permitiram compreender, com profundidade, o potencial da neuroengenharia.

Foi nesse contexto que percebemos a urgência de desenvolver tecnologias capazes de gerar impacto na vida das pessoas, indo além da produção científica. 

Duda Franklin, da Orby.co

A transição da academia para o mercado começou com uma inquietação comum a muitos pesquisadores: a percepção de que, embora a produção científica seja fundamental, algumas pesquisas acabam por não ultrapassar essa etapa.

Não por falta de relevância, mas porque transformar conhecimento em solução aplicada exige investimento e estrutura que nem sempre estão disponíveis no ecossistema acadêmico.

No nosso caso, o ponto de virada veio quando percebemos que aquilo que estávamos desenvolvendo tinha não apenas potencial para alcançar milhões de pessoas, mas também respondia a desafios clínicos concretos, especialmente à lacuna em que, mesmo após período intenso de reabilitação, muitos pacientes permanecem com déficits motores significativos que comprometem sua funcionalidade e autonomia, devido às limitações dos protocolos disponíveis, muitas vezes dispersos, repetitivos ou até mesmo invasivos.

A partir desse entendimento, continuamos trilhando o caminho científico, mas ampliamos nosso escopo, e passamos a adotar um processo de engenharia regulatória, industrial e clínica muito mais robusto.

Isso envolveu montar a equipe, estruturar a operação, firmar parcerias estratégicas e estabelecer governança para transformar o que nasceu na pesquisa em uma solução escalável e global.

FC Brasil Como você equilibra inovação rápida com o risco de um “efeito colateral invisível” em um dispositivo que está atuando no sistema nervoso? E com relação aos neurodados criados por ele?

Duda Franklin Estamos diante de uma nova era da neurotecnologia e acreditamos que inovar rápido não significa cortar caminho. No geral, as pessoas tendem a subestimar a complexidade envolvida no desenvolvimento de tecnologias, especialmente as deeptechs, o  que muitas vezes gera desconfiança ou interpretações equivocadas.

Trabalhar com essas tecnologias exige não apenas competência técnica, mas também paciência e resiliência. E isso significa sustentar decisões difíceis diante da pressão do mercado, das expectativas e das críticas externas.

Sem necessidade de cirurgia ou implantes, reproduzimos a lógica natural do sistema nervoso.

Por isso, desde o início definimos que nossa cultura é “velocidade com responsabilidade”. Cada decisão passa por avaliações sistemáticas de risco, de mitigação e de conformidade regulatória. 

No que diz respeito aos neurodados, buscamos atender a um modelo alinhado à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), aos princípios de minimização, finalidade clara e proteção ativa dos dados, sobretudo por lidarmos com dados sensíveis, o que exige governança reforçada, criptografia robusta e processos transparentes de coleta, uso e retenção.

FC Brasil Algumas pesquisas têm indicado que o uso da IA generativa está diminuindo a capacidade de atenção e de retenção de informações. Como você imagina a integração de IA e o cérebro humano daqui a 20 anos?

Duda Franklin As discussões sobre IA tendem a oscilar entre o entusiasmo e a crítica. Concordo que hoje o debate público frequentemente inflaciona expectativas e ignora as limitações desses sistemas, mas não dá para reduzir todo o potencial da IA.

A IA não é inteligência no sentido biológico da palavra, mas, na prática, quando aplicada com rigor, sob supervisão e com propósito claro – como fazemos na Orby.co – a IA não substitui a capacidade humana, ela amplia.

Nos últimos meses, multiplicaram-se afirmações de que o uso de IA generativa, como o ChatGPT e o Gemini, estaria reduzindo a capacidade de atenção e de retenção de informações do cérebro humano. Embora esse debate seja legítimo, é importante analisar o que as pesquisas científicas de fato demonstram.

Ortech, aparelho neuroestimulador da startup brasileira Orby.co
O Ortech envia impulsos elétricos pelos nervos até os músculos para gerar movimentos (Crédito: Divulgação)

Um dos estudos mais robustos sobre o tema é o conduzido por Nataliya Kosmyna, do MIT Media Lab, que sugere que o uso de IA generativa reduz o engajamento cognitivo durante a execução da tarefa.

Apesar dos achados, Kosmyna e sua equipe enfatizam que os resultados não indicam um declínio cognitivo estrutural, mas sim um padrão de uso que reduz o esforço cognitivo na tarefa específica.Trata-se de um mecanismo semelhante ao observado em outras tecnologias que automatizam parte do processamento mental, como GPS e calculadoras.

Portanto, embora o estudo ofereça evidências iniciais de que o uso de IA pode reduzir a atenção e a retenção de curto prazo em determinadas tarefas, ele não comprova que a IA esteja degradando, de forma geral, a capacidade cognitiva humana.

Os próprios autores destacam que essas conclusões são preliminares e exigem mais replicação e investigação em tarefas variadas para determinar seu impacto real no longo prazo.

desde o início definimos que nossa cultura é “velocidade com responsabilidade”.

Em síntese: a IA generativa pode, sim, alterar padrões de engajamento cerebral, mas transformar isso em uma narrativa alarmista de “redução da capacidade cognitiva humana” ainda não está cientificamente justificado.

O que a pesquisa mostra é um efeito específico, contextual, mensurável e que deve ser explorado com muito mais profundidade pela ciência.

Daqui a 20 anos, não imagino um cenário em que algoritmos tomem o lugar do cérebro humano, e sim um avanço em sistemas híbridos. Sistemas em que a IA compreende e interpreta, em tempo real, padrões com mais precisão do que conseguimos hoje e auxilia atividades diárias de forma personalizada e dinâmica. Human-AI co-adaptation, não competição.

Nessa perspectiva, a inteligência artificial não será protagonista isolada. Ela será uma camada adicional que fortalece a autonomia, potencializa o desempenho e expande a capacidade de ação, sempre ancorada no julgamento humano, na ética e na ciência.


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Conteúdo produzido pela Redação da Fast Company Brasil. saiba mais