5 perguntas para Fri Forjindam e Taiye Selasi, criativas afropolitanas
A designer Fri Forjindam e a escritora Taiye Selasi se encontraram em Tânger, no Marrocos, enquanto participavam do evento Between the Two of Us, um encontro de líderes empresariais, artistas, futuristas e ativistas produzido pela House of Beautiful Business.
Selasi é uma contadora de histórias por nascimento e por profissão, que escreve livros, discursos, ensaios e roteiros. Ela vive em Lisboa. Fri Forjindam é diretora de desenvolvimento e diretora criativa da Mycotoo, uma premiada empresa de entretenimento.
Como expatriadas africanas e autodeclaradas “afropolitanas”, Forjindam e Selasi conversaram com Doreen Lorenzo para a Fast Company sobre seu trabalho na construção de uma nova economia criativa na África.
FC – Pode nos contar um pouco mais sobre o trabalho que você faz?
Fri Forjindam – Meu trabalho consiste em pegar um conteúdo, como um filme, livro, música ou até mesmo folclore, e criar um mundo real em torno dele.
Um exemplo é o Motiongate, em Dubai, um parque que apresenta propriedades intelectuais da Dreamworks, Sony Pictures e outros, onde nós (da Mycotoo) pegamos personagens de filmes como “Como Treinar o Seu Dragão” e construímos experiências em torno dessas histórias, incluindo brinquedos, atrações, shows, alimentos e bebidas, lojas etc.
A construção de mundos é essencialmente transformar uma ideia em um ecossistema completo que tenha impacto, que gere receita e que permita que as pessoas se reúnam, se divirtam e se inspirem.
Trazer esses tipos de experiências para o público em toda a África é mais como convidar o resto do mundo a entender e apreciar o que tem acontecido no continente desde o início dos tempos.
A humanidade começou na África. As histórias começaram na África – comunidade, relacionamentos, entretenimento e folclore. Todo esse alicerce de narrativa, sobre o qual o design de experiências se baseia, tem suas raízes na África. O que estamos fazendo é voltar às nossas raízes.
Empoderamos contadores de histórias que incorporam a cultura e usamos esses pontos de contato para criar espaços de entretenimento que oferecem algo diferente.
FC – Taiye, você cunhou o termo “afropolitano” há quase 20 anos. Qual é a origem da palavra e o que ela significa para você hoje?
Taiye Selasi – Em 2005, escrevi um ensaio apresentando o conceito de identidade afropolitana e a experiência afropolitana. Estava escrevendo sobre mim mesma e sobre a sensação de estar "à deriva" que eu tinha.
Nascida no Reino Unido, educada nos Estados Unidos, com pais orgulhosamente da África Ocidental, eu me sentia um pouco “entre” essas três identidades. O ensaio viralizou e ouvi de muitos africanos que se sentiam da mesma maneira.
É tão lindo e verdadeiro o que Fri apontou – que a construção de mundos, o folclore e a narrativa começaram na África. Percebo que ser africano no século 21 é um interessante exercício de autoconstrução.
Aquele poderoso começo que todos tivemos na África foi interrompido pelo processo político de colonização. Saindo disso, africanos pelo mundo afora começaram a construir novas noções de si mesmos. O conceito de experiência afropolitana é minha contribuição para o projeto de autoconstrução do século 21.
Meu primeiro romance, "Ghana Must Go" (que virou uma série de TV na Nigéria), é sobre uma família afropolitana – pai ganês, mãe nigeriana, quatro filhos criados nos Estados Unidos – lutando com sua identidade fragmentada. "Ghana Must Go" é frequentemente considerado um romance afropolitano, mas para mim, é um romance sobre família.
Esse projeto de “humanização” me levou a desenvolver a série de TV "Victoria Island", ambientada na parte mais glamourosa de Lagos, capital da Nigéria, uma das maiores cidades do continente e do mundo.
Uma garota afropolitana se muda dos Estados Unidos para Lagos por amor e começa um negócio de planejamento de eventos com suas melhores amigas do exterior. A cada episó dio é um evento, uma festa, com ótima música, moda e diversão. Mal posso esperar para que o mundo veja isso.
FC – As empresas de produção audiovisual se guiam muito por dados. Que dados existem para convencê-las de que é um bom negócio produzir conteúdo por africanos para africanos?
Taiye Selasi – Não pode haver dados até que haja um teste, até termos conteúdo sobre personagens africanos, ambientado em países africanos, feito com os mesmos valores de produção que todo o resto. E “Pantera Negra” não conta!
É preciso uma comparação justa. Você precisa de dados sobre se as pessoas gostam de "Round 6" e "Parasita", duas obras maravilhosas filmadas na Coreia e em coreano, ou se gostam de "La Casa de Papel", filmada na Espanha e em espanhol, tanto quanto gostam de "White Lotus".
Acontece que sim, eles gostam, porque todas essas obras têm a mesma qualidade – a cinematografia, a iluminação, a qualidade do som são ótimas. Isso é uma comparação justa. Mas se não houver nenhum conteúdo africano que nessa prateleira, então nunca saberemos.
Fri Forjindam – As experiências de Taiye em cinema e TV são paralelas ao que estou vivenciando no entretenimento de experiência. A construção de mundos envolve espaço, ir a um lugar físico. O conteúdo atrai tráfego para o local, mas o verdadeiro valor é a experiência enquanto você está lá, a proposta de valor que aumenta o tempo de permanência (e os gastos) e o espaço onde isso tudo acontece.
Mas eu diria que os dados de audiência existem. Netflix e Amazon abriram escritórios na África em 2016 para estudar o mercado. O que descobriram é que o mercado de conteúdo está bastante saturado. O desafio é lidar com um público sofisticado, que é móvel, que exige qualidade e que sabe quando está sendo enganado ou recebendo migalhas.
Se eles vão visitar seu parque temático, ver seu show ou assistir seu filme, é melhor que ressoe de forma autêntica. É preciso entregar as histórias que eles querem ver e representá-los com precisão.
Portanto, quando se trata de coleta de dados, a métrica real deve ser a autenticidade e se o público se sente representado ou não. Precisamos desmontar essa ideia neocolonial de que o público africano é de alguma forma “inferior”.
FC – O que você diria a outros criativos afropolitanos sobre encontrar as pessoas certas para apostar em seu conteúdo?
Taiye Selasi – Você espera que outras pessoas apostem em você e, ao mesmo tempo, você mesmo toma a iniciativa.
Eu poderia ter esperado que uma plataforma global mudasse de ideia sobre o conteúdo africano e financiasse minha série da maneira que precisava ser financiada. Em vez disso, encontrei um investidor privado visionário que colocou minha produtora em funcionamento e estamos ocupados colocando conteúdo no mundo enquanto “esperamos”.
Acho que esse sempre foi o jeito do criativo “emergente” — isto é, qualquer criativo que não seja um homem branco. Você simplesmente faz por conta própria enquanto espera pela oportunidade.
A realidade material do legado da colonização é que os africanos, na maioria das vezes, estão tentando fechar uma lacuna. Ainda estamos tentando chegar à linha de partida enquanto outros já estão correndo.
Ser um criativo nessas circunstâncias é dar um dos maiores saltos de fé. Contra todas as probabilidades, contra as preocupações da família, contra o comportamento excludente da cultura dominante e dos guardiões da cultura, muitos criativos estão dizendo “vou fazer isso de qualquer maneira”.
Isso não é o que se ensina ou encoraja o africano trabalhador ou imigrante a fazer. Todos os artistas africanos que conheço encontraram esse encorajamento em algum nível profundo dentro de si mesmos.
Eles deram o primeiro passo e depois encontraram anjos, mentores, guias, colegas uma vez que começaram a trilhar o caminho.
Fri Forjindam – Isso é absolutamente correto. Fomos sistematicamente forçados a esperar 300 anos para sermos considerados humanos ou validados — para recebermos investimentos iguais, para podermos traçar o futuro de nossos destinos.
O que eu amo na economia criativa é que somos naturalmente predispostos a construir nossa própria jornada, a ver as coisas através de nossa própria lente. E somos naturalmente impacientes. Se a cavalaria não está vindo, então fazemos nós mesmos.
O que me entusiasma é que agora há líderes governamentais na África que estão dizendo: “vamos trabalhar juntos para criar nossas próprias plataformas de financiamento, nossas próprias parcerias público-privadas e ecossistemas que têm um pipeline desde o financiamento até o dia da inauguração”.
Houve uma mudança para olhar a economia criativa como um verdadeiro fundo de investimento e encontrar maneiras de fazer isso em escala.
Veremos cada vez mais o reconhecimento de que a responsabilidade não deve recair sobre criadores individuais, que as coisas pode ser como no Reino Unido e nos Países Baixos, onde existem parcerias público-privadas para colocar a criatividade no centro.
Chamo esse período de Renascimento Afrofuturista. Está acontecendo em toda a diáspora, onde estamos olhando para dentro em vez de para fora.
Tive o privilégio de conversar com líderes na Cúpula EUA-África e alguns deles estão olhando além da tecnologia, saúde ou agricultura para um tipo diferente de gerador de receita, que é a criatividade e a narrativa integrada.
Mas, para realmente fazer negócios e viajar dentro da África, a falta de infraestrutura é uma questão que precisa ser abordada. Como facilitar as conexões para que a mulher comum possa ter um caminho tão viável para lançar sua ideia quanto um magnata da tecnologia? Como removemos as barreiras para que os criadores sejam pagos por seu trabalho no mercado digital?
Sabemos que a cultura gera receita. E a cultura não é apenas sobre raça, etnia e gênero. É estilo de vida, é identidade. É como você se vê na sua “tribo”. Pode ser explorada, pode ser muito fortalecedora e unir as pessoas.
FC – O que você e outros criativos como você precisam daqui para frente? Qual é o seu conselho para quem quer fazer parceria com criativos afropolitanos?
Taiye Selasi – Precisamos de investidores inteligentes que reconheçam o enorme potencial que está (e sempre esteve) nas fronteiras da indústria criativa.
Não executivos criativos "prestativos", não iniciativas de "empoderamento", não produtores "curiosos" que foram à Cidade do Cabo para uma excursão de vinhos ou a Botswana para um safári. Não queremos ajuda, caridade ou empoderamento. Queremos apenas investimento.
Fri Forjindam – No caso da construção de mundos, na parte imobiliária é preciso financiadores visionários, bem como desenvolvedores dispostos a serem os primeiros.
A humanidade começou na África. As histórias começaram na África. O que estamos fazendo é voltar às nossas raízes.
Do lado do conteúdo, precisamos de pessoas que entendam como construir ecossistemas para treinamento, teste e ensino. E que também estejam interessadas em histórias que explorem aspirações futuras, priorizem as histórias não contadas ou esquecidas.
Taiye Selasi – Vinte anos atrás, quando escrevi meu ensaio sobre os afropolitanos, se alguém me dissesse que eu faria uma série de TV ambientada na Nigéria, isso pareceria ridículo. Uma comédia romântica super inteligente ambientada na super rica Lagos, filmada com valores de produção de Los Angeles? Eu teria rido: simplesmente impossível.
Precisamos de investidores. Precisamos de dinheiro. Mas acho que já temos o que mais precisamos, que é visão. Toni Morrison disse que escreveu o livro que sempre quis ler. Estou fazendo a série de TV que sempre quis assistir. Estamos fazendo tudo isso porque vemos nossas futuras histórias — nós, aqui hoje, criando o mundo que está por vir.