5 perguntas para Itala Herta, fundadora da DIVER.SSA

Crédito: Anne Karr

Camila de Lira 7 minutos de leitura

O empreendedorismo de Itala Herta é feito a várias mãos. Como fundadora da DIVER.SSA e consultora do Comitê de Diversidade & Inclusão da Ambev, a executiva apoia empreendedoras do Norte e Nordeste do país.

A DIVER.SSA é uma plataforma de aprendizagem, conexão e investimento para mulheres empreendedoras. É com essa experiência que ela conversa com a Fast Company Brasil e fala sobre suas decepções, inspirações e aspirações.

FC Brasil – Qual é a maior dificuldade para levar investimento para apoiar projetos de mulheres empreendedoras do Norte e Nordeste? Como mudar esse cenário?

Itala Herta – Sinto constantemente essa dificuldade. E não sou eu, várias organizações, players, startups e lideranças executivas que estão à frente desse ecossistema sabem que falta uma relação de confiança com a inteligência que é construída no Norte e Nordeste do país. Sinto que o grande ralo econômico, que é o Sudeste, além de lugar de concentração do dinheiro, tende a não confiar. A alta concentração de renda e de oportunidades em uma região só ainda é uma ferida que não é tocada.

falta uma relação de confiança com a inteligência que é construída no Norte e Nordeste do país.

Temos inúmeras iniciativas locais mapeadas, com escalas exponenciais – iniciativas maduras. Mas, quando as marcas querem se conectar com as pessoas do Nordeste, ainda contra- tam pessoas do Sudeste. Sendo que tem uma inteli- gência, tem um saber aqui.

Existem muitos intermediários para os criativos e fazedores do Norte e Nordeste que estão no Sudeste, e eles nos encaram como "pessoas descobertas". Essa é uma perspectiva colonialista e uma ferida que precisa ser curada, ter mais proteção corporativa e política para ser resolvida. Precisa de vontade corporativa para as pessoas entenderem que tem muita gente fazendo coisas aqui, tem muita metodologia, empresas prontas para o investimento. Há empresas fazendo o que algumas do Sudeste ainda estão pensando em fazer.

Porque, infelizmente, esses territórios foram empobrecidos. Isso não significa que sejam pobres. A lógica da escassez é muito cruel, porque quando a oportunidade chega aqui, ela chega por muitos intermediários e num valor que a gente não merece, tanto financeiro quanto de reconhecimento. Precisamos repensar o Norte e o Nordeste na perspectiva do legado.

FC Brasil – O que as empresas devem fazer para que o S do ESG consiga trazer soluções verdadeiras para problemas estruturais do país?

Itala Herta – Quando ouço essas siglas, penso: "caramba, finalmente vamos trazer uma visão sistêmica desses três pilares e de como eles se complementam, não se excluem". Vejo que as pessoas seguem separando as letras, separando os pilares. Continuam tratando como algo que não tem uma posição transversal e de contexto.

Não existe mudança estrutural se não pensarmos essas siglas – o ambiental, o social e a governança – de maneira sistêmica, racializada, que considere os territórios. Quando falo de crise climática e potencializar a geração de renda para a comunidade, falo de algo que atravessa. Se não racializarmos o debate da crise climática, não tem como entender que as pessoas mais afetadas são as populações negras e pobres, mulheres em sua maioria.

Não existe mudança estrutural se não pensarmos o ESG de maneira sistêmica, racializada, que considere os territórios.

Não dá para pensar no "'S" como caridade se for para mexer em questões estruturais. Sinto que muitas empresas ainda não entenderam que fazem parte da sociedade. Elas tratam esse pilar como se fosse ação de marketing. Não entenderam o movimento que podem fazer em prol de mudanças, de legados. Que vai ser bom para todo mundo, não só na perspectiva da reparação histórica, mas na da produção de conhecimento.

Há muito que se aprender sobre o Brasil que extrapola essas siglas. É um Brasil profundo que precisa ser conhecido e reconhecido para que esses temas conversem entre si.

FC Brasil – Quem são as mulheres empreendedoras que te inspiram e que estão fazendo a diferença no ecossistema de empreendedorismo no Brasil?

Itala Herta – Minha grande inspiração é minha mãe. Ela me ensinou tudo e um pouco mais do que sei sobre o empreendedorismo da vida real. Meu contexto de vida é esse: ter sido criada por uma mulher e um homem que empreendiam por necessidade, não por opção.

Foram eles, sobretudo a minha mãe, que me ensinaram desde aspectos de resiliência até precificar meu trabalho. Tem muitas mães como a minha que inspiram empreendedoras exponenciais.

Fora de casa tem muitas empreendedoras que me inspiram: Adriana Barbosa (CEO da Feira Preta),  Fernanda Ribeiro (cofundadora da Conta Black), Priscila Gama (CEO da Das Pretas) , Patricia Santos (CEO e fundadora da EmpregueAfro), Tainá Marajoara (chef e criadora do Instituto Iacitatá), Jaqueline Fernandes (presidenta do Instituto Afrolatinas), Amanda Dias (CEO do Grana Preta), Camila Farani (fundadora do ElaVence).

Essas são só algumas. Existem muitas mulheres de negócios, sobretudo fora do eixo do Sudeste, que estão fazendo acontecer.

FC Brasil – O que vê quando olha para o futuro dos negócios? Tendências, comportamentos, práticas?

Itala Herta – Estamos vivendo uma geração de empreendedores muito intuitivos. Isso é algo que não está sendo mais desconsiderado, nem deslegitimado. São pessoas muito atentas ao contexto, ao que está acontecendo à sua volta, pessoas que não enxergam o futuro a partir de uma tendência de consumo, mas sim a partir de uma cosmovisão, de um olhar de reconhecimento, de realidade. Que fazem intersecções necessárias pensando em como replicar a tecnologia para além de seus territórios.

Existem muitas mulheres de negócios, sobretudo fora do eixo do Sudeste, que estão fazendo acontecer.

São empreendedores, empresários, fazedores e criativos pensando a longo prazo. E repensando não só o fazer, como também o próprio lugar do humano. Inclusive, aposto que a profissão do futuro será a de filósofo. Precisamos refletir sobre nossa condição de maneira mais cuidadosa em comparação ao que construímos até aqui e o que estamos nos tornando.

Chegar em diferentes cosmovisões do mundo, visões indígenas, afro-brasileiras, africanas, de outros contextos interculturais, vai fazer com que a gente consiga diminuir o lugar do debate e entrar no lugar do conflito, mas um conflito que abre oportunidade para o diálogo.

A grande tendência, para mim, é o diálogo. Diálogo como a parte dura que precisamos atravessar para construir coisas significativas, respeitosas e cuidadosas.

FC Brasil – Quais perguntas você gostaria de estar respondendo com mais frequência?

Itala Herta – Estou cansada de responder sobre os desafios que a mulher empreendedora negra enfrenta para empreender. Precisamos mudar essa lente. Quero que me procurem para falar de oportunidades. Investir em mulher negra é uma oportunidade.

Estamos vivendo uma geração de empreendedores muito intuitivos, pessoas que enxergam o futuro a partir de uma cosmovisão, de um olhar de reconhecimento, de realidade.

Enxergo oportunidade todos os dias no negócio das mulheres, não só as que a gente acelera, mas as que fazem parte da comunidade do empreendedorismo brasileiro. São fundadoras que estão destravando soluções com pouquíssimo dinheiro, criando coisas relevantes, produtos com inteligência, tecnologia e impacto local. Estão gerando renda e trazendo mudanças significativas para o país.

Temos que tirar os desafios da frente dessa mulher. Isso tem a ver com colocar grana na mão dela de maneira mais personalizada, contextualizada e específica aos territórios. E não cair nessa perspectiva colonizadora de achar que uma mulher só vai ter sucesso se o produto dela for escalado exponencialmente, com uma solução com estrutura tecnológica.

Às vezes acho que o ecossistema de empreendedorismo no Brasil, além de ser muito excludente, quer transformar todo mundo em uma coisa só. Esse país é diverso demais para achar que tem que seguir a mesma receita de bolo, ou responder sempre a mesma pergunta. No caso das mulheres, essa pergunta é sempre sobre "os desafios de empreender". Ficar na mesma é subestimar a inteligência das mulheres empreendedoras.

A pergunta que eu gostaria de responder é a seguinte: qual foi a última rodada de investimento do seu negócio? Quantos milhões você recebeu esse ano de investidores? Isso é tão distante, gostaria que fosse menos. Quando entram outras camadas como maternidade,  raça, região, realmente você tem que ter muita automotivação para continuar.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais