5 perguntas para José Andrés, chef e fundador da World Central Kitchen

Crédito: Bryan Bedder/ Getty Images

Robert Safian 6 minutos de leitura

Como fundador da organização não-governamental World Central Kitchen, o renomado chef José Andrés domina a arte de liderar pessoas em meio a crises. 

Fundada em 2010, a WCK fornece refeições a vítimas de desastres, como no caso do grande terremoto de 2021 no Haiti e do furacão Helene, nos EUA, em 2024. Na semana passada, a entidade teve que suspender o atendimento na Faixa de Gaza por falta de suprimentos para produzir pães e refeições.

Adepto da inovação na culinária, o chef espanhol ganhou fama ao introduzir as “tapas” nos Estados Unidos, para onde se mudou em 1991, tornando-se um grande divulgador da cultura espanhola no país. 

Ao longo de mais de 30 anos de carreira, expandiu seu império culinário com uma série de restaurantes de sucesso e vários prêmios internacionais. É conhecido também por seu talento para a improvisação, com a capacidade de transformar até os ingredientes mais simples em um prato refinado. 

Nesta entrevista ao programa Rapid Response, apresentado pelo ex-editor-chefe da Fast Company Robert Safian, ele fala sobre seu trabalho humanitário e sobre seu novo livro, “Change the Recipe” (Mude a Receita, em tradução livre), que trata de temas como liderança, incerteza e quebra de regras, a partir de suas histórias pessoais.

Fast Company – Você fala no livro sobre quebrar regras e diz que é preciso quebrar regras para poder seguir adiante. Você é a favor de quebrar regras às vezes para fazer certas coisas acontecerem, não é?

José Andrés – Deixa eu te dizer, é como quando você chega a algum lugar e alguém aparece e diz que você não é necessário ali, e você olha ao redor e só vê fome, destruição. Quero ser respeitoso, mas, se vejo que tem gente necessitada, vamos ficar, porque nossa missão não é seguir regras, é seguir o que as pessoas estão nos dizendo. E isso é uma forma de quebrar regras.

Às vezes, as regras estão na sua própria cabeça.

Às vezes, quando íamos atender vítimas de furacões nos EUA, nos diziam que não podíamos usar as cozinhas das escolas. Só que a cozinha da escola era a melhor num raio de muitos quilômetros, e era complicado navegar pelas estradas destruídas. E mesmo assim nos diziam que não podíamos usar aquela cozinha.

Pois nós usamos a cozinha. E tivemos problemas. Tivemos problemas até que disseram: “ah, vocês estão alimentando duas mil pessoas por dia?”. Acho que essa é uma regra pela qual eu não me importaria de pagar uma multa ou até ser preso.

Fast Company – Então você está tranquilo em pagar uma penalidade por quebrar essas regras porque o objetivo é importante o suficiente, certo?

José Andrés – É isso que significa quebrar regras. Às vezes, as regras estão na sua própria cabeça. É quebrar as correntes das próprias regras que você mesmo impôs e que não te deixam dar o passo extra para fazer algo acontecer.

Fast Company – Você também fala no livro sobre a diferença entre pensar como software e pensar como hardware. O que isso significa?

José Andrés – Essa eu aprendi há muito tempo. Muitas vezes, em emergências, você ouve presidentes dizendo “estamos enviando militares, ou helicópteros, ou barcos, ou comida, ou ambulâncias”. Ok. Tudo isso é hardware. O hardware são ferramentas, coisas que vão te permitir dar uma boa resposta. Todo mundo vai estar trabalhando para levar o hardware até o ponto zero.

Uma semana depois, duas semanas depois, você ainda está agindo como uma empresa de transporte, tentando mover hardware do ponto A ao ponto zero. De repente, você esqueceu quem era. Quem você era: uma organização de alimentação.

O software é o que vai te permitir responder à sua missão principal, que é alimentar pessoas desde o primeiro dia. O que é o software? É o que você tem ao seu redor para alimentar as pessoas. O que está ao alcance das suas mãos hoje? 

Crédito: World Central Kitchen

Não vai ser perfeito. Não vai ser bonito. Não vai ter logotipo. Não vai ser ideal. Talvez sejam só tamales [prato tradicional da cultura mexixana, à base de milho] em uma folha de bananeira, porque é a única coisa que há. 

Não tem nem garfos e facas, mas isso permite dar a alguém um pouco de comida que a pessoa pode segurar com as mãos, e você está alimentando esse alguém no primeiro dia mesmo sem praticamente nada.

Essa é a diferença entre hardware e software. Nunca esqueça sua missão, nunca esqueça por que você está ali. 

Toda organização precisa ter muita clareza sobre qual é sua missão, na frase mais simples e curta possível, e nunca deixar ninguém esquecer isso. Caso contrário, sua missão vira outra coisa. Focar no software sempre vai permitir que você seja mais rápido e ágil.

Fast Company Recentemente fiz um episódio com Marc Lore, fundador do Wonder, o app de entrega de comida. Sei que você colaborou com o Wonder, e Marc falou sobre como usa IA para escolher todas as refeições. Ele acha que um dia todo mundo vai fazer isso, até em restaurantes. Você já tentou? Acha que é uma boa ideia?

José Andrés – Conheço muito bem o Wonder. Faço parte do conselho deles. O grande lance para mim com a IA é quando pergunto: “quais são os problemas e soluções de alimentação nos EUA e no planeta Terra?” E o melhor que a IA pode fazer é dar uma visão muito boa de todas as diferentes situações onde a comida é um problema e pode ser uma solução… Coisas que as pessoas nem imaginam. 

Mas comida é tudo. Comida é segurança nacional, comida é defesa, comida é imigração, comida é ciência, comida é saúde, comida é economia. Comida está presente em tudo, e nem nos damos conta. 

Crédito: World Central Kitchen

Só temos comida no planeta Terra para cerca de seis, sete semanas, no máximo. Noventa dias é o total de comida que temos armazenada para alimentar os oito bilhões de pessoas no planeta.

Se algo grande acontecer de repente – e já tivemos sinais no passado, como furacões em sequência em áreas altamente produtivas dos EUA, da América Central, tornados, secas, pragas destruindo plantações, gado, ovos, galinhas – imagine se acontecer a tempestade perfeita.

Toda organização precisa ter muita clareza sobre qual é sua missão e nunca deixar ninguém esquecer isso.

Temos comida suficiente na Terra. Por que não encontramos uma forma de garantir que as pessoas realmente pobres recebam esse excesso de comida por meio de uma distribuição melhor? Esse é o problema agora. Temos o suficiente, mas nem todos estão recebendo, e deveríamos estar resolvendo esse problema. Acredito que ele é altamente solucionável.

Se o Marc está dizendo “é por aqui o caminho”, eu vou ouvi-lo, porque precisamos de mais cérebros como o dele resolvendo problemas, e parece que não temos pessoas ou especialistas concentrados em algo que pode se tornar um problema muito sério num futuro próximo.

Fast Company – Um dos temas centrais do livro é a adaptabilidade. Para muita gente, o momento atual parece muito volátil. Quanto você acha que a adaptabilidade depende de temperamento e quanto pode ser aprendida?

José Andrés – Acho que o DNA humano, quem nós somos, somos uma espécie altamente adaptável. Não somos adaptáveis com nossos corpos – isso leva centenas de milhares, milhões de anos. Mas nosso cérebro pode ser, e nosso coração também. Uma vez que você entende o que está acontecendo, seu coração se adapta e a gente muda.


SOBRE O AUTOR

Robert Safian é diretor e editor do The Flux Group. De 2007 a 2017, dirigiu as operações da Fast Company em mídia impressa, digital e ... saiba mais