5 perguntas para Karen Fontana, sócia da FutureBrand São Paulo

O planeta terá uma nova consciência humana e vai gerar um futuro saudável? Para Karen Sumie Fontana, sócia da FutureBrand São Paulo, a resposta é sim. Em meio às discussões sobre inteligência artificial generativa, a especialista volta o foco para o cerne das pessoas, falando sobre os cenários futuros. Para ela, sensibilidade, empatia, design, sustentabilidade, gestão, geração e gestação farão parte do mundo em 2100.
Karen também é sócia e diretora do hub de inovação Springpoint. Um estudo da empresa projeta que, nos próximos 20 anos, 6% da população mundial vai atingir um nível de consciência sistêmica, mais preocupado com temas como sustentabilidade, bem-estar e diversidade. Essa transformação coletiva trará novos hábitos de consumo e prioridades no trabalho.
Na FutureBrand desde 2009, Karen já atuou com grandes clientes, como O Boticário, Nestlé, Outback e Santander. Mãe de duas crianças, também foi embaixadora global de diversidade, equidade e inclusão na Springpoint. Frequentemente, a executiva ministra palestras inspiradoras e já subiu em palcos como Hacktown e TEDx.
FC Brasil – O estudo sobre “novos humanos”, da Springpoint, cita mudanças reais na consciência das organizações. De acordo com a pesquisa, as marcas precisam gerar impacto positivo e a cobrança aumentou, com base nos valores pessoais e sociais. No entanto, estamos vendo grandes empresas acabarem com sua área de diversidade e um retrocesso em relação às medidas ligadas à sustentabilidade. O que explica esse descompasso?
Karen Sumie Fontana – Esse descompasso pode ser explicado por diversos fatores. Em primeiro lugar, os temas de DEI e sustentabilidade não devem ser vistos como tendências passageiras ou apenas uma resposta às pressões do mercado. Eles precisam estar enraizados no DNA da empresa, alinhados à cultura organizacional e à estratégia de negócio.
Mesmo diante do aparente desaquecimento das pautas de diversidade, os dados de ESG continuam sendo publicados e avaliados por investidores. Empresas que negligenciam esses aspectos correm o risco de perder credibilidade e investimentos, uma vez que são critérios presentes nas decisões de alocação de capital.
O possível desinvestimento em DE&I não se sustenta no longo prazo. Empresas que reduzirem investimentos nessa área podem enfrentar consequências negativas, como perda de talentos, menor engajamento e uma reputação fragilizada no mercado. Além disso, hoje não há uma tendência clara de cancelamento total de programas mas, sim, uma reavaliação de prioridades e metodologias.
Embora algumas organizações estejam reduzindo investimentos nessas frentes, essa abordagem tende a ser insustentável a longo prazo. Empresas que compreendem a diversidade como um diferencial competitivo e a integram de forma genuína em suas estratégias estarão mais preparadas para enfrentar os desafios do futuro e manter sua relevância no mercado.
FC Brasil – Ainda sobre o estudo, há uma ideia de vivermos na era da cointeligência, ou seja, na intersecção entre a inteligência artificial e a inteligência consciencial. Como isso é possível?
Karen Sumie Fontana – A era da cointeligência leva a uma transformação não apenas da evolução tecnológica, mas da interseção entre o que a tecnologia pode fazer e o que a consciência humana precisa despertar. A cointeligência soma a inteligência artificial (IA), sua velocidade, precisão e capacidade de processamento, com a inteligência consciencial (IC), o viés humano para criatividade, empatia, propósito e consciência crítica.
O futuro da liderança não é o que você controla, mas o impacto positivo que você gera no mundo.
O ponto chave aqui é que não basta evoluir tecnologicamente se não estivermos evoluindo como seres humanos. É fundamental garantir que a aplicação da IA seja feita de maneira responsável, regulada e sustentável. Igualmente fundamental é incentivar a imaginação de futuros mais saudáveis e o que fazer para projetá-los desde já.
O verdadeiro impacto acontece quando paramos de usar a tecnologia apenas para fazer mais rápido e começamos a usá-la para fazer melhor. É a partir daí que ampliamos nossa consciência sobre o mundo, as relações e nós mesmos.
FC Brasil – A partir do que ouviram dos entrevistados que participam do estudo (como Kamila Camilo, Marcelo Cardoso, Rodrigo Terra, Renata Rivetti) como construir o caminho que leva até os chamados “futuros saudáveis"?
Karen Sumie Fontana – A construção de caminhos para ‘futuros saudáveis’ não é esperar o futuro acontecer. É decidir o que fazemos agora, no presente, com base em uma consciência expandida sobre quem somos e o impacto que geramos no mundo.
O futuro não será saudável se continuarmos desconectados da nossa própria natureza, da coletividade e do planeta. Fomos provocados a pensar sobre nosso “déficit de natureza”. A sustentabilidade não pode ser pensada como algo externo. Somos parte da natureza, não separados dela.
Isso nos leva a repensar o consumo e como desenhamos nossas organizações. Inclusive, transitando de um modelo movido pela ambição para um modelo guiado pelo propósito.

O sucesso empresarial não pode mais ser medido apenas pelo lucro. É necessária uma visão regenerativa, que considera o impacto positivo como uma base, não como um diferencial. As organizações não podem ser apenas resilientes, precisam se responsabilizar pela regeneração social e ambiental.
Ouvimos que a integração entre tecnologia e consciência nas organizações é o caminho para facilitar conexões mais significativas e novos formatos de aprendizado. Inteligência artificial e realidades imersivas não devem ser vistas apenas como ferramentas de produtividade, mas como meios para expandir a conexão humana.
não basta evoluir tecnologicamente se não estivermos evoluindo como seres humanos.
Vivemos um momento de "ressignificação da presen- ça", no qual o corpo volta a ser protagonista e o futuro do trabalho se orienta menos pelo controle e mais pela liberdade de explorar novas formas de interação, criatividade e bem-estar.
Vale lembrar: não existe futuro saudável sem saúde mental e emocional. As organizações precisam entender que felicidade e bem-estar não são benefícios periféricos, são condições essenciais para a inovação, o engajamento e a performance sustentável.
O futuro saudável não será desenhado por uma grande revolução tecnológica, mas por micro-revoluções de consciência que acontecem nas escolhas do dia a dia – de líderes, organizações e, claro, de cada um de nós.
FC Brasil – Você trabalha com o desenvolvimento de líderes criativos. Quais são as principais habilidades de uma liderança atualmente?
Karen Sumie Fontana – A definição de liderança está sendo radicalmente ressignificada. Deixamos para trás o modelo baseado no controle para abraçar uma abordagem que valoriza a consciência, a adaptabilidade e a colaboração.
O líder do futuro navega com propósito em meio à complexidade, combina dados e intuição para decisões mais humanas e atua como um facilitador da inovação, criando ambientes seguros para o aprendizado e a experimentação.

Mais do que liderar equipes, o desafio é influenciar ecossistemas inteiros, construindo redes de colaboração que ultrapassam fronteiras organizacionais. O verdadeiro diferencial competitivo estará na capacidade de integrar tecnologia com ética, e de transformar conexões humanas em plataformas de inovação viva.
O futuro da liderança não é o que você controla, mas o impacto positivo que você gera no mundo.
FC Brasil – No ano passado, você apresentou um TEDx fazendo um paralelo sobre parentalidade e liderança. Como a maternidade (agora de duas crianças) te faz uma líder melhor?
Karen Sumie Fontana – Dois novos aprendizados me vêm à mente: um sobre se adaptar para gerar melhores conexões, o outro sobre um respeito à temporalidade das coisas.
Meus filhos nasceram e foram criados nas mesmas condições, mas têm personalidades completamente distintas. Isso me fez aprender a lidar de forma diferente com cada um, adaptar a linguagem e a maneira de cuidar e brincar. No paralelo corporativo, cada colaborador também tem expectativas e motivações próprias.
Cabe a nós, gestores, irmos além da disponibilidade e interesse pelo outro. Podemos aprender a adaptar a linguagem, equilibrar intencionalmente o jeito de lidar com cada situação. A armadilha é a tratativa padrão. Conexões mais profundas e genuínas vêm da personalização.
O outro aprendizado é um olhar mais profundo sobre temporalidade. No segundo puerpério, eu sabia o que esperar, tinha um referencial, e isso me fez ter um maternar mais leve. Com menos sentimentos de urgência e ansiedade, percebi melhor os marcos de desenvolvimento do meu filho.
Leva tempo para aprender a falar as primeiras palavras, leva tempo para engatinhar e andar, leva tempo para aprender a comer. No ambiente corporativo, percebo um padrão, uma necessidade por decisões mais rápidas, mudanças mais rápidas, ascensões de carreira mais rápidas.
A verdade é que ganhar maturidade leva tempo. Ninguém consegue acelerar a vivência de um líder. Você pode apoiar a aprendizagem com treinamentos, mentorias, imersões, facilitando ambientes mais favoráveis para trocar e testar. Mas os marcos de desenvolvimento de uma pessoa têm seu tempo.
Como gestores de pessoas, precisamos entender e respeitar as motivações dos colaboradores, bem como respeitar o tempo de cada um. Valorizar os ganhos consistentes, sem considerar apenas o curto prazo. E, com isso, ganhar mais consciência, não apenas do machine learning, mas do human learning.