5 perguntas para Luana Ozemela, vp de impacto social do iFood
Do mercado financeiro ao maior aplicativo de entregas, a carreira de Luana Ozemela tem um destino claro: a redução da desigualdade econômica no Brasil. A atual vice-presidente de impacto social do iFood já passou pelo Banco Internacional de Desenvolvimento (BID), onde liderou projetos de equidade em mais de 20 países da América Latina e do Caribe.
Com PhD em economia da discriminação, Luana é cofundadora da DIMA, consultoria de desenvolvimento econômico internacional, da GryndTech, da PreCaLab e da BlackWin. As últimas são voltadas para o incentivo ao investimento de empreendedores negros de startups.
Nesta entrevista à Fast Company Brasil, Luana fala sobre a responsabilidade que o setor privado tem em promover a mudança nas estruturas sociais e divide um pouco da sua história e das ações do iFood em favor do impacto social positivo.
FC Brasil – Você tem PhD em economia da discriminação racial, trabalhou no BID e atua em áreas ligadas a investimento em empreendedorismo negro. O que a atraiu para o iFood?
Luana Ozemela – Quando fui convidada para ser vice-presidente de impacto social no iFood, considerei que era uma ótima oportunidade para colocar em prática toda a minha experiência, tanto em tecnologia quanto em incentivo ao empreendedorismo, investimentos e redução das desigualdades.
Desde antes da minha chegada, a empresa já vinha atuando em projetos importantes com impacto real sobre a vida de entregadores, empreendedores, clientes, enfim, todo o ecossistema.
A criação da área de impacto social tem o intuito de impulsionar e escalar projetos voltados para melhorar as condições de trabalho, viabilizar mobilidade social e reduzir desigualdades, com o pilar educacional no centro dessa estratégia.
Minha trajetória contribui com esse olhar social e transformacional. Meu objetivo é potencializar nosso impacto social no ecossistema, com mais educação, segurança e ações de combate à discriminação, além do incentivo ao empreendedorismo negro e de comunidades.
Desde a criação da vice-presidência de impacto social, em abril, estamos atuando na capacitação e educação de entregadores e empreendedores negros, para impulsionar suas trajetórias fornecendo conhecimento e ferramentas que ampliem as oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional.
FC Brasil – Sete em cada 10 entregadores dos aplicativos brasileiros são pretos e pardos, de acordo com pesquisa da Amobitec. A remuneração média por hora de entrega é estimada em R$ 23. Além disso, um em cada quatro entregadores no país já sofreu acidentes de trânsito. Na cidade de São Paulo, entregadores de aplicativos são quase 70% das internações graves por acidentes de trânsito. Quais investimentos estão sendo feitos para melhorar as condições de trabalho dos entregadores e a sua renda?
Luana Ozemela – Estamos investindo em cinco verticais para melhorar as condições de trabalho e mobilidade social: educação, ganhos, valorização, proteção e segurança.
Educação, tem um impacto significativo na vida dessas pessoas. Desenvolvemos programas para a obtenção do diploma do Ensino Médio, bolsas em faculdades ou cursos de tecnologia, por exemplo.
Sobre segurança e condições de trabalho, estamos investindo em várias frentes. Temos uma iniciativa muito importante de valorização e respeito, a Central de Apoio Jurídico e Psicológico, que oferece assistência jurídica e psicológica para todos que tenham sido vítimas de discriminação e/ ou agressão durante o exercício da profissão, em parceria com a Black Sisters in Law.
Este ano, lançamos uma iniciativa chamada "iFood Chega Junto", para fornecer recursos financeiros para projetos sociais de entregadores. Vamos selecionar 25 projetos focados em melhorar a vida de outros entregadores em áreas como educação, bem-estar e segurança.
Também estamos trabalhando na prevenção de acidentes por meio de educação no trânsito, canais de atendimento ágeis, campanhas de sensibilização e para aumentar a notificação por parte dos entregadores, além de aplicar toda nossa inteligência de dados para antecipar riscos e agir o mais cedo possível nas causas.
Por fim, nossos entregadores contam com um programa chamado "Delivery de Vantagens", um pacote de benefícios que inclui descontos em combustível, farmácia, seguro pessoal, assistência saúde e 750 pontos de apoio em 14 cidades, onde eles podem fazer uma pausa, comer e utilizar os banheiros.
FC Brasil – Você é fundadora do PreCapLab, laboratório de recursos para empreendedores negros, e fundadora da BlackWin, rede de investidoras negras. A Kauffman fez um estudo que identificou que startups com pessoas negras devolvem 3,3 vezes o múltiplo do investimento feito. A exemplo desse dado, que outros resultados você tem acompanhado?
Luana Ozemela – A BlackWin é a primeira plataforma no Brasil que apoia mulheres negras a se tornarem investidoras-anjo e as conecta ao ecossistema de inovação e a oportunidades de investimento em negócios liderados por pessoas negras.
Ela nasceu como resposta ao acúmulo de desafios que testemunhei afro-empreendedores enfrentando ao longo dos anos para conseguir acessar investimentos nos primeiros estágios do negócio, mesmo estes sendo perfeitamente rentáveis.
Mas o capital, sozinho, não é suficiente. Existe também uma lacuna no apoio para que empreendedores dominem a linguagem do capital e tenham autoconfiança para negociar com atores experientes do mercado financeiro. Por isso criei o PreCapLab, que busca prepará-los para os processos de diligência, avaliação e negociação dos termos de investimento.
O ecossistema de inovação brasileiro precisa aproveitar muito mais esse pool de talentos que cresce mais rapidamente em número e tamanho, mas com capital investido muito incompatível com o capital disponível no mercado.
Até hoje ainda não temos um fundo de investimento registrado na CVM cujo regulamento fale em redução de desigualdades raciais, focado em empresas de pessoas negras ou que tenha metas de diversidade da equipe gestora do fundo. Mas observo um aumento no interesse de gestores de ativos nesse tema.
FC Brasil – Você tem se posicionado e falado mais sobre os conhecimentos que aprendeu com a ancestralidade africana, inspirada nos conhecimentos ancestrais do povo Igbo, na filosofia Igwebuike, que diz que há força na união. Como essa filosofia pode ser colocada em prática nos negócios?
Luana Ozemela – Se olharmos com cuidado para a história, o modelo de empoderamento econômico Igwebuike pensa no progresso a partir da lógica que uma comunidade precisa progredir coletivamente. A filosofia Igbo também ensina que precisamos pensar muito bem antes de tomar decisões, pois elas vão impactar direta ou indiretamente outras pessoas no futuro.
Ao olhar para os ensinamentos da filosofia Igwebuike, entendo que podemos nos inspirar, e muito, na forma como gerimos as empresas e em como tomamos decisões. Os Igbos sempre tiveram uma organização política e econômica descentralizada.
A BlackWin nasceu como resposta ao acúmulo de desafios que testemunhei afro-empreendedores enfrentando para conseguir investimentos nos primeiros estágios do negócio.
Nenhuma decisão era tomada de forma unilateral ou por um grupo exclusivo de pessoas. Além disso, a escuta sempre foi muito importante – nenhuma ação era feita antes de escutar e debater os problemas.
Esses são dois pontos que se aplicam muito no dia a dia de uma empresa, onde precisamos entender que qualquer decisão a ser tomada precisa ser debatida com cuidado e em conjunto, visando ter um impacto positivo maior e com ações que visem o coletivo.
No iFood, criamos o Laboratório de Inovação Social inspirado nessa interconexão da filosofia africana. Ouvimos centenas de clientes, restaurantes e entregadores.
Descobrimos que, para combater vieses e conflitos interpessoais, é preciso que as pessoas se conheçam, se comuniquem de forma respeitosa e sejam tratadas de maneira justa e igualitária. Estamos colocando a filosofia em prática para abordar desafios sociais complexos no nosso ecossistema.
FC Brasil – Sua carreira é extensa, multissetorial e bem-sucedida. Qual a sua principal motivação profissional?
Luana Ozemela – Nasci em Porto Alegre, na época da ditadura militar, em um contexto econômico de alta inflação, de vulnerabilidade e desigualdade social. Questões raciais e de dinheiro sempre foram desafios presentes na minha família, que era de classe média baixa e debatia esse tema com frequência.
Meus pais sempre mostraram que a educação é fundamental para a transformação que buscamos. Meu pai, por exemplo, nos incentivou, a mim e ao meu irmão, a estudarmos a internet ainda no início da sua implementação no Brasil. Esse impulso visionário contribuiu para o caminho que tracei.
Até hoje ainda não temos um fundo de investimento registrado na CVM cujo regulamento fale em redução de desigualdades raciais, focado em empresas de pessoas negras
Quando tinha 19 anos, já trabalhava com tecnologia. Estava voltando de uma passeata em prol de ações afirmativas quando vi uma argumentação macroeconômica sobre o quão prejudiciais seriam essas ações afirmativas. Pensei: "pôxa, se não conseguirmos falar essa linguagem, não chegaremos muito longe em espaços de poder e de tomada de decisões. Talvez eu precise dela para ser levada a sério".
Eu não queria apenas gritar do lado de fora das salas de reunião, mas entrar, sentar e argumentar. Sempre respirei ativismo e entendi que o empoderamento econômico seria fundamental para abrir novos espaços, ampliar as frentes de atuação e o tipo de abordagem para diminuir as desigualdades e aumentar o impacto.
Além disso, viver em outros países, como Estados Unidos, Reino Unido, Qatar e em mais de 20 países da América Latina, foi uma experiência muito transformadora. Ao longo da minha jornada encontrei a felicidade no vão dos desafios. E me energizo com cada novo desafio que encontro no caminho. A fase em que me encontro, hoje, é a de potencializar o setor privado para que se torne catalisador dos avanços sociais e ambientais que precisamos ver.