5 perguntas para Maitê Lourenço, CEO do BlackRocks
Mudar a cara do ecossistema de startups brasileiro é um desafio que Maitê Lourenço transformou em propósito. Criadora do BlackRocks, hub de inovação que promove o protagonismo da população negra, a executiva investe para que o empreendedorismo negro tenha lugar nos pitchs e nos aportes de venture capital.
Desde 2016, a BlackRocks não só conecta investidores e fundadores de empresas negros como também oferece programas de mentoria e de aceleração. Em 2018, a companhia se juntou ao BTG Pactual para oferecer o Grow Startups, ação para capacitar empreendimentos a crescer.
Por lá já passaram mais de 20 empresas. E o mercado está crescendo. De acordo com o último levantamento feito pelo BlackRocks, 89% das startups fundadas por negros no Brasil foram criadas de 2015 para cá.
Nesta entrevista à Fast Company Brasil, Maitê fala sobre o futuro dos negócios e sobre as barreiras para a diversidade do ecossistema brasileiro de inovação.
FC Brasil – O BlackRocks começou em 2016. De lá para cá, quais foram as principais mudanças no mercado de investimento em empreendedores brasileiros?
Maitê Lourenço – Na época em que começamos, o ecossistema de startups estava se conscientizando sobre a importância de ter maior diversidade nos eventos sobre inovação, tecnologia e startups. Mas até hoje vemos que as ações ou pararam em um número mínimo de palestrantes nos eventos ou na base operacional das atividades que se propõe a ter colaboradores.
De acordo com o último levantamento feito pelo BlackRocks, 89% das startups fundadas por negros no Brasil foram criadas de 2015 para cá.
A partir de 2020 com o movimento Black Lives Matter, o mundo tomou conhecimento de que havia a necessidade de estabelecer outra relação com o público negro e com a população que se declara antirracista. Ali vimos ações com foco em diversidade racial tomarem mais corpo nas organizações.
Nas áreas de investimento, além de os programas e projetos serem tímidos, o mundo de venture capital ainda patina nesse quesito. O estudo mencionado foi lançado em 2021. Nele, 76% dos stakeholders afirmam que nunca ou raramente viram pitchs de empreendedores negros.
A procura por negócios liderados por pessoas negras vem aumentando. Em menos de dois anos, as startups que aceleramos conseguiram receber mais de R$ 10 milhões em investimentos. Ainda é pouco, mas é significativo e tenho certeza que o trabalho do BlackRocks é essencial para esse alcance e toda essa mobilização do ecossistema.
FC Brasil – Pesquisa do BlackRocks mostra que cerca de 80% dos stakeholders de startups atuam na seleção de empresas por meio de indicação. Como tornar o ecossistema de startups brasileiras mais diverso?
Maitê Lourenço – Nesse estudo, identificamos que a forma de seleção dos negócios, além de privilegiar pessoas da rede destes stakeholders, adota critérios que minimizam o acesso de pessoas negras a esses ambientes/ investimentos.
Por exemplo, buscar sempre nas mesmas universidades (ou cursos de pós-graduação), investir apenas em empreendedores que vêm de grandes empresas e não cuidar para que haja diversidade racial entre os profissionais que fazem a seleção.
Esses são alguns dos fatores que não permitem que o Brasil tenha as características de sua população em torno de problemas escaláveis, emergentes e rentáveis. A visão de que somente um processo/ forma irá promover e identificar negócios altamente lucrativos força o ecossistema a uma miopia que impossibilita enxergar para além do que se espera.
Psicologicamente falando, o pacto narcisista da branquitude se instaura como um lugar cômodo e cheio de justificativas que não se fundamentam, por elas mesmas, para perpetuar privilégios.
FC Brasil – Como investir em startups fundadas por pessoas negras impacta o resultado do negócio?
Maitê Lourenço – Kauffman Fellows fez um estudo que identificou que startups com pessoas negras devolvem 3,3 vezes o múltiplo do investimento feito, enquanto grupos homogêneos devolvem 2,5 vezes o mesmo múltiplo. Acho que não preciso explicar para além disso.
FC Brasil – Na sua opinião, qual é ou quais são os futuros dos negócios brasileiros?
Maitê Lourenço – Há uma demanda urgente de se criar autonomia para o país. As multinacionais estão cada vez mais de olho no Brasil justamente por isso. Google, Meta, entre outras, têm o Brasil como seu maior cliente.
Diversidade racial no Brasil não é só uma ação solidária, e sim construir ações sólidas para mais de 56% da população.
Assim, cada vez mais soluções personalizadas para as necessidades exclusivas dos brasileiros se tornarão necessárias. O Brasil, por si só, tem possibilidade de escala suficiente para isso.
A construção de produtos e serviços que impulsionem o Brasil para fora, atrelando a preocupação com o meio ambiente e com o impacto social, oportunizará alcance mundial de produtos e serviços. Vejo muitas oportunidades, mas, sem diversidade racial, esse crescimento será impossível.
FC Brasil – Como as grandes empresas podem se engajar e se responsabilizar pela transformação do ecossistema de startups com mais diversidade racial?
Maitê Lourenço – Acredito que o compromisso das grandes empresas é fundamental, até mesmo para a manutenção da sua relevância, já que a população está cada vez mais buscando consumir de empresas que dedicam tempo e esforços valorizando seus consumidores e a sociedade como um todo (incluindo o meio ambiente).
O compromisso precisa ser maior que incluir ações de marketing ou criar comitês e áreas internas de diversidade sem recursos financeiros para verdadeiramente apoiar iniciativas.
Ainda se tem a ideia de que atrelar a marca da grande empresa em iniciativas do setor 2.5 ou terceiro setor é o suficiente para se gerar impacto. Mas, por incrível que pareça, as empresas se beneficiam muito mais atrelando essas ações a sua marca do que o contrário.
Está na hora de ter um posicionamento realmente intencional atrelado às estratégias de crescimento da empresa. Diversidade racial no Brasil não é só uma ação solidária, e sim construir ações sólidas para mais de 56% da população.