5 perguntas para Marcelo Duarte, criador do Guia dos Curiosos

O guia completou 30 anos em maio, justamente na semana em que o Google lança sua nova busca, completamente integrada com IA

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Redação Fast Company Brasil 6 minutos de leitura

Antes de a busca ser digital ou por inteligência artificial, ela era de papel. E, para muitos jovens brasileiros, tinha nome e sobrenome: "O Guia dos Curiosos". Criada por Marcelo Duarte em 1995, a coleção completou 30 anos em maio, justamente na semana em que o Google lança sua nova busca, completamente integrada com inteligência artificial.

Jornalista formado pela Escola de Comunicações e Artes da USP, Duarte transformou a curiosidade em ofício. Publicou 35 livros, incluindo cinco títulos da coleção Vaga-Lume, além do livro "Esquadrão Curioso – Caçadores de Fake News", a primeira obra brasileira sobre o tema para o público infantojuvenil.

Criador da editora Panda Books e de um canal no YouTube sobre o tema, Duarte se mantém conectado com o público jovem e enfrenta os desafios das mudanças de plataformas. Nesta entrevista à Fast Companny Brasil ele fala sobre o que significa ser curioso em 2025. 

FC Brasil – O Guia dos Curiosos completa 30 anos em maio. Desde o seu lançamento, atravessou diferentes “eras” da internet brasileira, do crescimento da web à hiperconectividade, passando pelas redes sociais e pelos sistemas massificados de desinformação. Quais foram as maiores transformações que o guia precisou enfrentar ao longo desse tempo? O que você projeta para os próximos anos?

Marcelo Duarte – Trinta anos atrás, O Guia dos Curiosos era uma espécie de Google de papel. Não havia o Google ainda e o livro ganhou destaque pela quantidade de informações que trazia sobre temas que as enciclopédias tradicionais não abordavam.

Muita gente chamava isso de “cultura inútil”, mas não concordo. Era o resgate da cultura de almanaque, que andava meio esquecida. Esse sempre foi o tempero do Guia. Era o maior barato abrir aleatoriamente uma página e se deparar com um quadro com o número de “mortes” de todos os filmes de Arnold Schwarzenegger. E por aí vai.

 Foram muitas transformações ao longo do tempo. Minha eterna inquietação e a busca pelo novo traçaram essa rota. De uma coleção de livros, "O Guia dos Curiosos" virou logo um produto multimídia.

Ganhou site (com toneladas de informações), jogo de tabuleiro, produtos licenciados, programa de rádio, canal no YouTube e, mais recentemente, perfis nas redes sociais. Nunca parei de produzir conteúdo nas mais diferentes formas.

Muita gente acredita que toda a informação da humanidade já está na internet. Tenho mostrado que isso não é verdade. Há muito a ser pesquisado ainda. E, no meio de tanta gente copiando e colando, o importante é reforçar a seriedade e a profundidade das minhas pesquisas e dos meus textos. Credibilidade é o ponto-chave. É o que planejo continuar fazendo nos próximos anos.

FC Brasil – O número de leitores do país está diminuindo. De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura, 53% dos brasileiros não leram nem parte de um livro nos últimos três meses. Como você lida com esse cenário? 

Marcelo Duarte – Investir na formação de novos leitores é uma necessidade urgente para o desenvolvimento intelectual do país. Quem não lê não desenvolve o pensamento crítico. A sociedade acaba "emburrecendo".

Crédito: Reprodução/ Instagram

Tenho me dedicado muito à escrita de romances juvenis, que são a porta de entrada para a paixão pela leitura. Seis meses depois do lançamento de "O Guia dos Curiosos", publiquei meu primeiro livro juvenil, "Jogo Sujo", pela prestigiosa Coleção Vaga-Lume, da Editora Ática. Não parei mais. Hoje tenho 17 livros juvenis publicados.

É um prazer enorme trabalhar a leitura com a faixa do ensino fundamental. São eles que os livros precisam conquistar. As leituras precisam fisgá-los desde o começo, provocá-los, diverti-los. Não existe outro caminho.

FC Brasil – Pesquisas da Microsoft mostram que a dependência de IA pode reduzir o pensamento crítico. A alta confiança em ferramentas reduz o esforço cognitivo que as pessoas aplicam ao trabalho. Como estimular a curiosidade das pessoas, principalmente dos jovens?

Marcelo Duarte – A dependência de IA também é um tema do momento. Acabei de lançar, pela Panda Books, "2064 Missão Inteligência Artificial", que discute essa questão com as crianças e os jovens. É uma ficção bem divertida sobre o futuro da IA no pensamento crítico da humanidade.

existe sempre uma maneira nova de enxergar algo que, para muitos, parece comum. Isso é ser curioso.

Imagine você que, daqui a 40 anos, as pessoas ficarão proibidas de pensar. O que acontece em um mundo assim? As protagonistas são três meninas Bia, Lia e Mia , que resolvem desafiar a Grande Inteligência, a mais poderosa IA do mundo.

Tudo deve começar pela escolha de um bom tema, fator primordial para estimular a curiosidade. Sobre o que eles querem conversar? Em 2018, publiquei "Esquadrão Curioso Caçadores de Fake News" e o livro estourou nas escolas. Foi o primeiro livro brasileiro a falar de educação midiática para crianças. Hoje é o meu livro mais vendido.

FC Brasil – A queda na capacidade de atenção é uma das mudanças comportamentais mais discutidas hoje. Como isso impactou seu trabalho? O que precisou mudar na forma de apresentar ou produzir conteúdo?

Marcelo Duarte – Nunca apelei para o sensacionalismo, por manchetes caça-cliques. Se alguém disser que existe uma fórmula mágica, fuja rapidinho.

O que vem funcionando no meu caso é jamais subestimar a inteligência do leitor ou do seguidor e, sempre que possível, usar o bom humor. Mas humor inteligente, daqueles de fazer cócegas no cérebro. Faço isso desde que comecei a trabalhar como jornalista, em 1984. 

O que mudou agora é o poder de concisão. Como conseguir contar uma boa história com começo, meio e fim muitas vezes em apenas um minuto e meio? Como conseguir prender a atenção do leitor ou do seguidor nos primeiros segundos?

Apurar, checar, escrever e reescrever um roteiro para Reels, por exemplo, toma um tempo danado. Se não tomar, talvez alguma coisa esteja errada.

Todas as palavras precisam estar bem encaixadas, devem explicar de forma clara e trazer algum tipo de surpresa no encerramento. São desafios que adoro ter que enfrentar.

FC Brasil Depois de tantas décadas alimentando a curiosidade dos outros, o que te mantém curioso?

Marcelo Duarte Vou contar um segredo: não passei tantas décadas só alimentando a curiosidade dos outros, mas alimentando principalmente as minhas próprias e compartilhando as melhores delas. 

Tudo deve começar pela escolha de um bom tema, fator primordial para estimular a curiosidade.

O que me mantém curioso é meu jeito de observar as coisas. Um jeito um tanto infantil, diga-se de passagem. Todas as crianças nascem curiosas. Só que essa é uma habilidade que vamos reprimindo com o passar do tempo.

Jamais deveríamos perder a capacidade de admirar as coisas do mundo. Sobre isso, há um lindo trecho de "O mundo de Sofia", do norueguês Jostein Gaarder, que gosto de compartilhar:

"(...) Para as crianças, o mundo e tudo o que há nele é uma coisa nova; algo que desperta a admiração. Nem todos os adultos veem a coisa dessa forma. A maioria deles vivencia o mundo como uma coisa absolutamente normal."

Acredite: existe sempre uma maneira nova de enxergar algo que, para muitos, parece comum. Isso é ser curioso.


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