5 perguntas para Mariana Uchoa, cofundadora do Movimento Desconecta
O ano de 2025 será o primeiro em que boa parte das escolas do Brasil seguirá uma nova regra: a proibição do uso de telas. Um dos responsáveis por trazer a pauta para discussão pública foi o Movimento Desconecta, grupo de mães e pais preocupados com os impactos do smartphone na vida de crianças e adolescentes. A designer Mariana Uchoa é uma das cofundadoras do movimento.
Mãe de três filhos, ela é designer, tem mestrado em design e empreendedorismo, já atuou em companhias como Gran Hanson Design e BCA Marketing. Parte da sua preocupação está nos impactos negativos do smartphone na saúde mental daqueles que estão crescendo.
Principalmente agora, depois da nova postura de Mark Zuckerberg com relação à moderação de conteúdo, a conversa sobre crianças e uso de rede sociais ganha ainda mais peso. Confira as opiniões de Mariana Uchoa e do Movimento Desconecta.
FC Brasil – O Movimento Desconecta surgiu no ano passado e foi bastante a favor das regras sobre proibição de celulares nas escolas. O governo federal e o do estado de São Paulo aprovaram leis desse tipo. Quais serão as pautas de vocês em 2025?
Mariana Uchoa – Na verdade, o que o Movimento Desconecta propõe é um grande acordo entre as famílias para adiarmos a entrega de smartphones aos nossos filhos até pelo menos 14 anos e o acesso a redes sociais até os 16.
O banimento nas escolas é uma pauta que está muito alinhada com nossos princípios, pois vai proteger as crianças e adolescentes que já possuem um celular, garantido que, pelo menos no período escolar, estejam livres dos riscos trazidos por plataformas digitais, amenizando questões como ansiedade, distração e, principalmente, aumentando a socialização real com seus colegas.
Além disso, o fato desses jovens não poderem utilizar seus aparelhos na escola, diminui a pressão social sobre os que não os possuem ainda. Serão menos excluídos socialmente por não serem os únicos a não estar com celulares nos intervalos e recreios.
Consideramos essas leis importantíssimas e somos grandes apoiadores de todas as regulamentações públicas e regras institucionais que surgem nessa direção. No entanto, elas não garantem a segurança das crianças e adolescentes fora do período escolar.
O adiamento coletivo da entrega do celular e acesso às redes até que nossos filhos tenham maturidade neurológica suficiente para lidar com os riscos e armadilhas do mundo digital segue sendo o caminho mais seguro e nós também seguiremos com foco nessa conscientização das famílias e no acordo coletivo.
FC Brasil – Quais as expectativas para os efeitos do primeiro ano letivo em que as escolas brasileiras vão adotar a política de proibição de celulares?
Mariana Uchoa – As escolas que não esperaram pela regulamentação pública e já baniram celulares nos guiam para o que esperar em relação a esses efeitos. O que elas relatam é que, passado um breve período de descontentamento dos alunos, eles voltam a socializar nos intervalos das aulas, brincando, brigando, se frustrando, fazendo as pazes, conversando e desenvolvendo habilidades sócioemocionais tão importantes para sua vida adulta.
Além disso, perceberam que os efeitos viciantes das plataformas também foram diminuídos: não usar o celular no período escolar fez com que os alunos o usem menos fora da escola também. Efeitos extremamente positivos, sem sombra de dúvidas.
FC Brasil – Mark Zuckerberg anunciou mudanças nas políticas de conteúdo da Meta. Como vocês preveem que tais alterações afetem as crianças e os adolescentes?
Mariana Uchoa – A diminuição da moderação dos conteúdos da Meta é muito preocupante. Em outras plataformas que não possuem moderação, a exemplo do Discord, usuários são expostos a conteúdos criminosos e muito inapropriados para qualquer idade.
Abusos de bebês e animais, assassinatos, automutilações dentre outras atrocidades são transmitidas ao vivo sem qualquer tipo de punição para os criminosos, ou interrupção de transmissão por meio da plataforma.
Não sabemos ao certo como ficará a moderação da Meta, mas a redução faz com que nossos filhos fiquem mais expostos a conteúdos e predadores. Nosso cuidado e orientação vão precisar ser redobrados.
FC Brasil – Depois deste ano trabalhando em escolas, direto com os pequenos, quais foram os desafios que notaram quando o assunto é uso de telas?
Mariana Uchoa – O Movimento Desconecta não é radical, nem contra a tecnologia, e sim a favor do equilíbrio. Reconhecemos seus benefícios quando o uso é apropriado à maturidade de cada faixa etária. Um grande desafio é conversar sobre educação digital com nossos filhos, ensinar como se portar nas redes, o que fazer quando expostos a certas situações.
As leis são importantíssimas, mas não garantem a segurança das crianças e adolescentes fora do período escolar.
Todo esse letramento é importantíssimo e deve ocorrer cedo e muito antes de eles possuírem um aparelho. A partir do momento que fazemos a entrega de um dispositivo próprio – que eles levam para o quarto, para festas, para a casa de amigos –, essa educação, monitoramento e orientação se tornam infinitamente mais difíceis.
Cada família tem seus desafios com o uso de telas em geral, mas entendemos que o aparelho celular próprio da criança, antes de ela ter maturidade para saber lidar com seus riscos, é uma tela muito mais prejudicial.
FC Brasil – Talvez a pergunta mais complexa: vocês focam em adiar o uso do celular por parte das crianças, mas e a vida adulta sem telas? Quais são as saídas para os adultos também se desconectarem dos smartphones?
Mariana Uchoa – Entendemos os efeitos viciantes que os algoritmos têm, inclusive sobre nós, adultos. Sugerimos algumas boas práticas para toda a família, como, por exemplo, silenciar as notificações, deixando apenas as de ligações e mensagens de texto importantes; ativar o modo “não perturbe” durante reuniões e momentos de lazer para evitar distrações; fazer as refeições sem celulares por perto e colocar o celular para carregar fora do quarto, à noite.
São medidas simples e factíveis, que aumentam os momentos de conexão real e ensinam pelo exemplo.