5 perguntas para Mariana Vasconcelos, CEO da Agrosmart

Crédito: Germano Lüders

Redação Fast Company Brasil 6 minutos de leitura

O agronegócio representa 24,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, mas também é responsável pelos dois segmentos que mais emitem gases de efeito estufa. Ou seja, o caminho para a economia de menor impacto e maior produtividade está nos campos. É onde atua Mariana Vasconcelos, CEO e cofundadora da Agrosmart.

A startup é a maior rede de dados de agricultura da América Latina e leva inteligência climática para os produtores rurais. Mariana entende que o ESG (sigla em inglês para responsabilidade social, meio ambiente e governança) nem sempre é de fácil entendimento para as famílias agricultoras brasileiras. A jovem empreendedora traduz o termo: números e eficiência.

Como líder da agrotech e filha de produtores rurais, Mariana compreende mais do que ninguém a necessidade de levar a discussão sobre transição climática e regeneração do meio ambiente para o campo. A executiva, que tem menos de 35 anos, foi nomeada Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial e faz parte do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura. 

FCBrasil – Quais são as conexões entre a agricultura regenerativa e a agricultura digital?

Mariana Vasconcelos – A agricultura regenerativa vem sendo muito falada principalmente no contexto da crise climática, o que pode intensificar uma série de problemas que já enfrentamos, como a insegurança alimentar e hídrica e a perda de biodiversidade. Ao mesmo tempo, temos uma população mundial que tende a crescer, aumentando a demanda por alimentos.

Podemos resumir em dois grandes desafios: educação e financiamento. Aí entra o papel das corporações, de colaborar com o produtor nessa jornada.

A agricultura regenerativa traz alternativas para podermos produzir mais alimentos, com impacto ambiental e social positivos. Aliás, a ideia de regeneração é um passo à frente da sustentabilidade, pois significa olhar não apenas para o impacto negativo menor da produção como também para nos impactos positivos que ela pode ter, gerando mais renda ao produtor e beneficiando comunidades, incentivando a manutenção de serviços ecossistêmicos e alavancando soluções baseadas na natureza.

A agricultura digital e todas as suas ferramentas vêm como uma forma de escalar, medir e monitorar práticas regenerativas, e claro, trazer transparência ao processo. Acredito que a tecnologia tenha o papel fundamental de alavancar a agricultura regenerativa e, com isso, transformar a produção de alimentos em uma aliada na criação de soluções climáticas.

FCBrasil – O ESG chegou ao campo. Quais são as dificuldades que os produtores rurais enfrentam para adotar o conceito?  

Mariana Vasconcelos – Apesar da ascensão do termo ESG, ainda há uma certa discrepância do que isso de fato significa, até pela falta de alguma padronização no uso do termo. Acredito que o pequeno e o médio produtores ainda não têm plena clareza ou contato com o tema em si.

Crédito: Germano Lüders

Mas, considerando que a agenda ESG está alinhada a essa ideia de uma agenda de transição para novos modelos de produção, temos alguns desafios: o produtor ainda não conhece ou entende plenamente o que isso significa; quando conhece, talvez ainda tenha dificuldades em ver benefícios ou motivos que o façam mudar suas práticas. Além disso, ele pode até querer mudar, mas faltam recursos – financeiros ou de apoio técnico –, já que toda transição tem um custo inicial.

Podemos resumir em dois grandes desafios: educação e financiamento. Aí entra o papel das corporações – como as empresas de alimentos, que compram desses produtores – de colaborar com o produtor nessa jornada, facilitando o acesso a tecnologias.

FCBrasil – A Agrosmart também oferece soluções para indústrias de alimentos, como o rastreamento da produção agrícola, por exemplo, do açaí. Por que ele é importante na agenda ESG? Você imagina esse produto sendo usado pelo consumidor?

Mariana Vasconcelos – Rastreabilidade tem muito a ver com transparência, algo essencial quando olhamos para o ‘G’ de governança na agenda ESG, mas que também se reflete em compliance e boas práticas dentro dos eixos ambiental e social.

Isso porque as empresas de alimentos têm diversos produtores ou extrativistas, como é o caso do açaí, que são fornecedores em suas cadeias. Quando pensamos em monitorar, reportar e verificar indicadores ambientais, sociais e de governança dessas companhias, essas cadeias de fornecedores têm um peso significativo.

A agricultura digital e todas as suas ferramentas vêm como uma forma de escalar, medir e monitorar práticas regenerativas e trazer transparência ao processo.

Olhando do ponto de vista ambiental, considerando emissões de carbono, pesquisas apontam que ao menos 70% das emissões dessas empresas vêm do escopo 3, que é, exatamente, a cadeia. Ainda na área ambiental, a pegada hídrica é outro fator super importante.

Olhando para o social, é preciso ter transparência na cadeia para entender quem é esse fornecedor, onde ele está, como está sua situação frente às leis trabalhistas, entre outras regulamentações. Essa transparência é importante para diagnosticar a situação da cadeia, medir e acompanhar KPIs que se refletem na agenda ESG.

Em relação ao consumidor, a tecnologia não é focada em levar diretamente a ele esses indicadores. Mas, com certeza, esse tipo de solução ajuda as companhias a trazer clareza para a comunicação com seus stakeholders.

Temos visto o consumidor mais crítico em relação à responsabilidade social e ambiental das empresas. Uma pesquisa da PwC de 2021 mostrou que  76% dos consumidores deixariam de comprar de empresas que tratam de forma inadequada o meio ambiente, os funcionários ou a comunidade.

FCBrasil – Você é filha de agricultores e cresceu no campo. Agora, traz a visão jovem e digital para o segmento. Como a modernização do olhar para o agro está impactando a indústria?

Mariana Vasconcelos – Vale a pena mencionar que não é uma modernização pela modernização, é algo que vem acontecendo por, ao menos, três motivos: mais desafios,

A agricultura regenerativa traz alternativas para podermos produzir mais alimentos, com impacto ambiental e social positivos.

como os custos em alta no campo e as mudanças climáticas; mudança geracional, ou seja, temos gerações diferentes convivendo com a tomada de decisões diárias no campo, e essas diferentes gerações também têm diferentes hábitos e adesões em relação ao uso de tecnologias; e um mercado cada vez mais exigente em termos de qualidade, origem, práticas, certificações, compliance, seja pelo lado dos investidores, seja pelo lado dos consumidores.

Todo o agro tem vivenciado um período de mudanças. A própria discussão da agenda ESG e a pauta da agricultura regenerativa são exemplos disso. Vejo com bons olhos porque tem aberto mais espaços de diálogo para a construção de soluções para essa transição na produção de alimentos.

FCBrasil – Antes da Agrosmart, você teve duas outras startups de tecnologia, uma de hospedagem em nuvem e outra de sensores para as indústrias. Como ter passado por este caminho te inspirou para a Agrosmart?

Mariana Vasconcelos – Empreender na área de tecnologia sempre foi um dos meus objetivos e, depois dessas experiências pensei, “por que não fazer isso no agro?”. Afinal, eu já tinha contato com o mercado e com os desafios do dia a dia dos produtores – muitos dos quais podem ser destravados com uso de tecnologias – e queria fazer algo com impacto.

A produção de alimentos tem, por si só, um potencial intrínseco de gerar impacto positivo. Além disso, trazer essas experiências da área de tecnologia abriu um leque de possibilidades na hora de pensar em “o que” e “como” desenvolver soluções na Agrosmart.


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