5 perguntas para Matthew Prince, CEO da Cloudflare

O cofundador e CEO da empresa que dá suporte a mais de 20% do tráfego da internet defende a adoção de um novo modelo de remuneração para os produtores de conteúdo

5 perguntas para Matthew Prince, CEO da Cloudflare
Crédito: Fast Company Brasil

Robert Safian 5 minutos de leitura

A Cloudflare dá suporte a mais de 20% do tráfego mundial da internet. Recentemente, a empresa ganhou as manchetes ao lançar uma ferramenta que impede a coleta não autorizada de conteúdo por robôs de IA – e que promete transformar a dinâmica entre criadores e big techs.

Em entrevista ao podcast Rapid Response, apresentado por Robert Safian (ex-editor-chefe da Fast Company), o cofundador e CEO da Cloudflare Matthew Prince, falou sobre como novas ferramentas vão impactar empresas de inteligência artificial, publishers e o próprio futuro da internet.

Rapid Response – Você lançou uma nova ferramenta que está dando o que falar: um bloqueador de rastreadores de IA – os bots que coletam conteúdo de sites sem consentimento. Essa ferramenta é a maior coisa que você ou a empresa já fizeram?

Matthew Prince – Sim. Há cerca de 18 meses, percebemos uma nova ameaça à internet, aos criadores de conteúdo, representada por essas empresas de IA. Quando nos demos conta de que havia algo que poderíamos fazer a respeito, passamos cerca de um ano conversando com todo mundo no setor de criação de conteúdo e também com todos no setor da IA.

Vamos mudar as regras do jogo e dizer: se você, como empresa de IA, não está pagando pelo conteúdo, então não tem direito a esse conteúdo. Hoje, é quase 10 vezes mais difícil gerar tráfego real vindo do Google com a mesma quantidade de conteúdo produzido.

No momento em que o Google exibe um resumo gerado por IA, as pessoas têm menos probabilidade de clicar nos links. Isso pode até ser melhor para o usuário do Google, mas é pior para o criador de conteúdo, porque significa que ele não pode vender assinatura, nem anúncios, nem mesmo ter o prazer de saber que alguém está lendo o que ele escreveu.

Hoje, conseguir tráfego da OpenAI é 750 vezes mais difícil do que era com o Google antigo. Da Anthropic, 30 mil vezes mais difícil. Então, se a criação de conteúdo já está em crise com um fator 10 de dificuldade, imagine quando essa dificuldade for 750 ou 30 mil vezes maior.

Se as pessoas não tiverem incentivo para criar, simplesmente não vão criar. Por isso, o futuro da web precisa de um novo modelo de negócios – e não vai girar mais em torno de tráfego, porque uma web movida por IA não gera tráfego.

Rapid Response – A ironia é que a própria IA precisa desse conteúdo para gerar as respostas. De onde ela vai tirar essas informações?

Matthew Prince – Essa é a chave: 80% das grandes empresas de IA usam a infraestrutura da Cloudflare. E o que todas elas disseram – com algumas poucas exceções – foi: “concordamos que os criadores de conteúdo precisam ser pagos, mas é preciso um campo de jogo equilibrado.”

Matthew Prince, CEO da Cloudflare

Ninguém quer pagar por conteúdo enquanto seus concorrentes o obtêm de graça. Criar esse equilíbrio é fundamental. Só a Anthropic chega a rastrear um site 60 mil vezes para cada visitante humano que ele recebe.

Alguém precisa pagar por esse tráfego. Do ponto de vista da justiça mais básica, essas empresas deveriam compensar os criadores de quem estão retirando esse conteúdo.

Rapid Response – A Cloudflare começou como uma empresa de cibersegurança. Você vê isso como uma continuação dessa missão?

Matthew Prince – Sim. Todos os dias, entramos em guerra com hackers russos, iranianos, norte-coreanos, chineses – todos tentando invadir nossos sistemas.

Quando começamos a conversar com os editores sobre isso, a reação inicial era quase desesperada: “meu Deus, o que podemos fazer? Não há como impedir. Esses caras são muito espertos, estão lá no Vale do Silício... Não temos como bloqueá-los.” E eu pensava: nós bloqueamos norte-coreanos todos os dias. Bloquear empresas de IA é fichinha.

Rapid Response – Entendi que vocês estão explorando um modelo de pagamento por rastreamento com alguns editores – algo como um pedágio digital: se quiser passar, tem que pagar. É isso?

Matthew Prince – Se você está gerando um custo enorme ao rastrear o conteúdo de alguém, mas não está oferecendo nenhum benefício, o primeiro passo é bloquear. Depois que você cria escassez, aí sim pode surgir um mercado. Precisa haver alguma compensação pelo uso de conteúdo, e essa compensação não será mais tráfego. Será outra coisa.

Acho que as grandes empresas de IA e os grandes editores vão negociar diretamente entre si. A Condé Nast, por exemplo, pode fechar um acordo com a OpenAI, com o Google ou com outra empresa. E você negocia isso diretamente. Nós não participamos dessas negociações.

Se as pessoas não tiverem incentivo para criar, elas não vão criar. O futuro da web precisa de um novo modelo de negócios.

Mas, para empresas de IA menores, ou para os editores menores e independentes, a Cloudflare pode, com sorte, atuar como intermediária e ajudar a negociar o melhor acordo possível.

Ainda não sabemos exatamente como isso vai funcionar. Pode ser um micropagamento por página acessada. Pode ser algo mais parecido com o modelo do Spotify, em que há um fundo comum e ele é redistribuído entre todos os provedores de conteúdo.
Isso vai evoluir. Mas o primeiro passo para qualquer mercado é a escassez. Sem escassez, não existe mercado.

Rapid Response – Você está otimista com o futuro da criação de conteúdo?

Matthew Prince – Imagine que a Taylor Swift vai lançar um novo álbum e concede uma entrevista a alguns jornalistas – e eles decidem conceder acesso exclusivo a essa entrevista para uma única empresa de IA por uma semana. Quanto isso valeria? Provavelmente muito. Muitas pessoas iriam se inscrever para ter acesso.

Por isso, estou otimista de que talvez estejamos à beira de uma nova era de ouro da criação de conteúdo. Se fizermos isso da maneira certa e acertarmos nos incentivos, podemos abandonar essa adoração ao deus que o Google nos ensinou a cultuar – o tráfego –, que sempre foi uma métrica ruim de valor.

No lugar disso, podemos encontrar uma forma de compensar os criadores com base no que eles realmente produzem de relevante e que contribui para o conhecimento humano. Assim, conseguimos gerar um impacto real no mundo, ao mesmo tempo em que ajudamos os criadores a ganharem mais por aquilo que fazem.


SOBRE O AUTOR

Robert Safian é diretor e editor do The Flux Group. De 2007 a 2017, dirigiu as operações da Fast Company em mídia impressa, digital e ... saiba mais