5 perguntas para Muhammad Yunus, fundador da Yunus Negócios Sociais

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Mariana Castro 10 minutos de leitura

"Nada é impossível para os seres humanos", diz Muhammad Yunus. Ele tem propriedade no assunto. Em 1976, o bengali fundou o Grameen Bank, primeiro banco a oferecer microcrédito a milhões de pessoas – principalmente mulheres. A iniciativa foi extremamente bem-sucedida.

Sua importante contribuição na luta pela erradicação da pobreza rendeu a ele o Nobel da Paz, em 2006. O entendimento foi de que, ao oferecer oportunidade de desenvolvimento econômico para população sem renda, é possível fortalecer a democracia e os direitos humanos. 

O professor Yunus, como é conhecido, também inventou o conceito de negócio social. Ele inverteu a lógica predominante de que negócios são feitos apenas para dar dinheiro. Negócios podem, e devem, dar dinheiro resolvendo problemas socioambientais.

Desse pensamento surgiu a Yunus Social Business (YSB), organização de investimento de impacto sem fins lucrativos. A Yunus Negócios Sociais está completando 10 anos no Brasil.

Para celebrar a data, Yunus está no país até o dia 21 de outubro. Durante a visita, ele também lança seu livro em português, "Um Mundo de Três Zeros", pela editora Voo. Entre um evento e outro, Yunus respondeu as cinco perguntas da Fast Company Brasil que você acompanha agora. 

FC BrasilQuais as lições mais importantes aprendidas nesses 10 anos de YSB no Brasil?

Muhammad Yunus – A experiência conjunta foi muito importante. Os primeiros anos são bem difíceis porque as pessoas não estão familiarizadas com o que você está falando. Elas olham com desconfiança, porque você está transgredindo as regras.

Fazer negócios significa ganhar dinheiro, mas você chega com uma mensagem diferente: negócios para mudar o mundo, para superar problemas. As pessoas têm muita dificuldade em acreditar nisso. "Talvez você esteja tentando ganhar dinheiro dizendo essas coisas, talvez tenha uma intenção oculta por trás disso" [pensam]. Então, você fica sob suspeita.

O sistema educacional precisa ser reorganizado. Os problemas dos quais falamos, do meio ambiente, do desemprego, da pobreza, todos são criados pelo que aprendemos nas escolas.

Por isso, os 10 anos em que estivemos aqui foram muito significativos. Mas foi preciso superar as velhas ideias e estabelecer nossa identidade e a legitimidade do que estamos fazendo por meio da demonstração prática, da realização do trabalho.

No início, o trabalho é muito modesto e leva tempo para crescer. É quase como uma semente – nós a plantamos no solo, mas leva tempo para que as primeiras folhas surjam. Ou seja, você ainda não tem sua árvore.

É preciso criar um ambiente para ela, para que possa crescer. Se o ambiente não for adequado, ela vai nascer e depois desaparecer. Levamos 10 anos para criar esse ambiente, para que ela pudesse crescer. Agora estamos prontos.

Nós brotamos; estabelecemos as bases. As pessoas estão se familiarizando. Algumas estão bem próximas, outras estão familiarizadas com uma certa distância. Mas estão tendo a chance de explorar o que propomos.

Estamos nesse processo e temos uma jornada de milhares de quilômetros à frente, mas demos alguns passos e, para nós, os primeiros passos de bebê são muito importantes. Depois de ter dado esses passos, podemos andar mais rápido. Agora é hora de correr.

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FC BrasilUniversidades de todo o mundo já oferecem cursos regulares de negócios sociais, além de programas de mestrado e doutorado. O que está faltando para popularizar de fato o conceito de social business?

Muhammad Yunus – O elemento-chave para a popularização do conceito é penetrar na mente e no coração dos jovens, porque são eles que constroem o futuro. Desde crianças, somos orientados para as ideias antigas. É muito difícil absorver novas ideias.

Mas, para os jovens, é mais fácil.  Eles estão analisando essas questões pela primeira vez. E esse conceito faz sentido, é bom. Nós enxergamos as coisas de acordo com o que aprendemos na escola. Portanto, nosso horizonte, nossas mentes, são treinados para perceber as coisas da maneira que nosso sistema educacional nos pede.

Já estamos nos preparando para essa tarefa, para estar nas escolas. É por isso que oferecer cursos sobre negócios sociais é muito importante. Porque estamos criando uma nova geração de jovens olhando para essa realidade. Dar a eles experiências tangíveis é muito importante, porque agora eles têm a possibilidade de comparar lado a lado duas coisas diferentes.

Eles estão dizendo que não estão procurando emprego, e sim que são criadores de empregos, são empreendedores. Essa é uma ideia completamente revolucionária. Porque tudo o que estamos dizendo aos jovens nas universidades, faculdades e escolas é "prepare-se, prepare-se. Este é o momento de se preparar para conseguir um emprego", porque "o emprego é o objetivo da sua vida".

Eles estão dizendo “besteira, o emprego não pode ser o ponto central da minha vida. O sentido da minha vida é explorar quem eu sou, o que tenho dentro de mim. Quero saber quem sou e o que fazer quando souber quem sou”.

Esse seria de fato o processo acadêmico, a educação. Isso é muito diferente de preparar as pessoas para o mercado de trabalho. Mas o sistema acadêmico convencional está preparando os jovens para obter empregos. Os jovens dizem que não estão procurando um emprego.

O elemento-chave para a popularização do conceito é penetrar na mente e no coração dos jovens, porque são eles que constroem o futuro.

“Estou procurando por mim. Quem sou, o que faço? Qual é o meu papel neste planeta? Estarei nesta vida por um período muito curto. Nesse meio tempo, tenho que me descobrir e dar minha contribuição para este planeta. E que contribuição posso dar?”

Essa é a nova educação e esses cursos são o começo. Todo o sistema educacional precisa ser reorganizado. O projeto precisa ser completamente diferente, porque todos os problemas dos quais falamos, do meio ambiente, do desemprego, da pobreza...

Todos são criados pelo que aprendemos nas escolas – fazer coisas erradas e sonhar com coisas erradas. Portanto, agora temos de aprender a desfazer as coisas que fizemos para que tenhamos um novo mundo pela frente.

FC Brasil Apesar da urgência da mudança climática, o setor de combustíveis fósseis continua a crescer. Ao mesmo tempo, o ESG está cada vez mais presente na agenda das grandes corporações. Como evitar o greenwashing e aplicar os conceitos de ESG na prática no mundo corporativo?

Muhammad YunusO problema é que projetamos nossos negócios da maneira como fomos ensinados nas escolas de administração, "como ganhar mais dinheiro", "como gerar fundos de investimento para nós mesmos". Sonhamos com isso porque não nos foi ensinado nada além disso.

"Não faça nada que prejudique as pessoas" – não é isso que aprendemos na escola, muito menos na faculdade de administração. É como se disséssemos "ganhe dinheiro. Esse é o seu objetivo, essa é a sua tarefa.” Se eu destruir as pessoas, não importa, porque minha tarefa é ganhar dinheiro.

Por que os combustíveis fósseis ainda estão se expandindo? Para ganhar dinheiro, mesmo que isso signifique destruir o planeta, destruir as pessoas da própria família. Porque quando digo "destruir a vida das pessoas", isso inclui minha própria família, pois ela não está mais protegida do que a de qualquer outra pessoa. Não é assim que funciona.

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Estamos tão cegos que não vemos o mal que causamos às pessoas. Mas é preciso estar ciente e se tornar consciente. Por isso, falamos sobre ESG como uma espécie de desculpa. "Nós fizemos coisas boas, somos boas pessoas.”

Na maioria das vezes, podemos dizer que o ESG é uma espécie de greenwashing. É deixar que as pessoas vejam que está fazendo algo bom em nome do ESG para que não fiquem com raiva de você.

Na verdade, o que importa é fazer negócios de forma diferente. Não dá para ter ESG e proporcionar ação disruptiva na empresa ao mesmo tempo. Então, você retira algum dinheiro da empresa e faz o ESG separadamente, faz algo mais ou menos " louvável", dando a impressão de que é um cara legal, que tem uma família e cuida dela.

Mas, na verdade, você está prejudicando as pessoas. Está vendendo combustível fóssil, expandindo a capacidade de combustível fóssil, vendendo plástico, vendendo todos os tipos de coisas que são prejudiciais. Enquanto não pararem com isso, nenhuma medida de ESG vai mudar o mundo.

FC Brasil O senhor escreveu um livro defendendo os três zeros: uma economia zero carbono, zero pobreza e zero desemprego. Como podemos chegar a uma sociedade com esses três zeros?

Muhammad Yunus Não temos outra saída, porque estamos nos destruindo. Para sobreviver e continuar neste planeta, temos de fazer as coisas de forma diferente. Sabemos que este mundo vai acabar em algum momento, mas estamos tão ocupados ganhando dinheiro que pensamos "ok, isso vai acontecer, mas, enquanto isso, estou ganhando algum dinheiro".

A sobrevivência vem em primeiro lugar. Não queremos ver a próxima geração desaparecer. É uma questão de saber se será nessa geração ou na geração seguinte. Esse é o tempo de sobrevivência que temos. Portanto, temos que redesenhar tudo para criar uma nova civilização.

o que importa é fazer negócios de forma diferente. Não dá para ter ESG e proporcionar ação disruptiva na empresa ao mesmo tempo.

Esta civilização está baseada na ganância. Queremos nos afastar da ganância; ela é uma forma de intoxicação. Não conseguimos ver as coisas da forma correta, não sentimos o cheiro das coisas da forma correta porque estamos muito ocupados em ganhar dinheiro.

Precisamos construir uma civilização alternativa em que não sejamos viciados em dinheiro, em lucro. Em que possamos nos redescobrir como seres humanos reais, não como robôs que fazem dinheiro.

E como seria essa civilização? Eu diria que seria uma civilização dos três zeros. Zero emissão de carbono, zero concentração de riqueza e zero desemprego.  Assim, não haverá pobreza, não haverá inteligências artificiais tirando nossas chances de sobrevivência. Isso é uma espécie de resumo do que seria a nova civilização.

FC BrasilNatura, Itaú e Ambev são algumas das empresas que estão fazendo parceria com o YSB no Brasil em projetos de impacto e inovação social. Acredita que é possível mudar o foco da maximização do lucro para que prevaleça uma lógica altruísta?

Muhammad YunusA Natura criou seu próprio ponto de partida. Eles estão muito preocupados com a sociedade, em como levar coisas boas para as pessoas, portanto, não é preciso muito tempo para trabalhar com eles. Mas outras empresas não são assim.

Para elas, dizemos "ok, vocês estão interessados nisso, então criem um negócio separado, um negócio social. Não dá para ter negócios lucrativos e negócios sociais na mesma empresa. Portanto, é preciso fazer uma separação. Crie um pequeno negócio para começar, para experimentar, para sentir como isso pode ser feito, como o negócio social pode mudar a mente das pessoas.”

Precisamos construir uma civilização alternativa em que não sejamos viciados em dinheiro, em lucro.

Quando alguém sente isso, quer fazer mais. E eu tento explicar que ganhar dinheiro pode trazer felicidade, mas fazer outras pessoas felizes traz uma superfelicidade. É uma experiência muito inebriante, tocar a vida das pessoas. Quando isso acontecer, as pessoas se sentirão cada vez mais motivadas a criar mais negócios sociais.

Estamos simplesmente pedindo que as empresas tentem fazer isso. Não estamos dizendo que sempre vão gostar, que tudo vai correr sempre bem. Mas a experiência é de cada um, e cabe a cada um decidir o que quer fazer.

Nós experimentamos e gostamos. Quando as pessoas conhecerem a superfelicidade, não vou precisar explicar mais nada, porque elas vão poder contar a todos o que sentiram.


SOBRE A AUTORA

Mariana Castro é editora executiva da Fast Company Brasil. saiba mais