5 perguntas para Priscila Siqueira, presidente do Vale PCD

Crédito: Kelvin Andrade

Redação Fast Company Brasil 4 minutos de leitura

Setembro foi importante para o debate anti-capacitista. O mês começou com os Jogos Paralímpicos e terminou com a comemoração do dia de luta das pessoas com deficiência. Mas, como ficará em outubro, novembro? Priscila Siqueira, presidente do Vale PCD, tem como objetivo tornar a acessibilidade uma conversa para o ano inteiro.

A organização é dedicada à inclusão de pessoas com deficiência que são LGBTQIA+. Um dos projetos do coletivo é o Vale Maps, primeiro mapa com informações de recursos de acessibilidade em estabelecimentos em todo o Brasil. Outra iniciativa é o atendimento de psicoterapia a baixo custo. 

Psicóloga, Priscila ajudou a fundar o Vale PCD depois de sentir na pele a falta de espaços inclusivos e representativos. A líder do coletivo é uma pessoa com nanismo. O coletivo coloca as pessoas com deficiência como protagonistas na criação de conteúdos e de políticas públicas sobre acessibilidade.

Além do Vale PCD, a executiva pernambucana atua como consultora de diversidade e inovação em conteúdo da Rede Globo onde, recentemente, apoiou a criação do especial documental "Falas de Acesso".

FC Brasil – Como surgiu a organização?

Priscila Siqueira – O Vale PCD surgiu a partir de uma necessidade muito pessoal. Quando comecei a me entender como uma pessoa LGBT, e comecei a sair de casa, procurei mais pessoas como eu. Olhava para o lado nas baladas e nas festas e não me via ali. Ouvia muitos questionando a minha presença nos lugares, como se uma pessoa com deficiência não sentisse desejo, não quisesse se divertir.

Quando conheci o Emanuel [Castro, cofundador da organização], entendemos que podíamos criar espaços para que as pessoas com deficiência pudessem se sentir acolhidas, compreendidas e representadas dentro do mundo LGBTQIA+. Um espaço seguro. E percebemos que, infelizmente, não existe outra ONG que fala disso.

FC Brasil – Uma das iniciativas do Vale PCD é promover o atendimento psicológico acessível financeiramente e em LIBRAS. Qual o papel da saúde mental quando o assunto é inclusão?

Priscila Siqueira – Sou formada em psicologia e, quando me formei, não se falava muito em atendimento remoto. Tinha poucas referências de psicólogos com deficiência na parte clínica, não tinha referência de psicólogos que estudavam com as pessoas com deficiência (e não sobre elas).

Crédito: Kelvin Andrade

Quando fiz a minha primeira sessão de terapia, sofri com violência clínica, porque a pessoa me largou no meio do contrato terapêutico, não deu conta da minha demanda e não entendia minha vivência. Com o Vale PCD e com a possibilidade de atendimento remoto, formei a equipe que estuda o recorte de pessoas com deficiência e também o recorte LGBTQIA+.

São pessoas que entendem o quanto a gente precisa ser cuidado. A psicoterapia nada mais é do que um cuidado. A gente vive em um mundo de exclusão o tempo inteiro, de ninguém percebendo as nossas demandas e de muita negligência. O projeto existe para dar conta disso – e tem dado bastante certo. 

FC Brasil – O Brasil é uma potência paralímpica. Ganhamos 89 medalhas (25 de ouro) em Paris. O que as empresas e o país podem aprender com esse evento?

Priscila Siqueira – Infelizmente, ainda atravessamos muita invisibilidade. As Paralimpíadas são um bom exemplo. Os Jogos Olímpicos passaram na televisão aberta, todo mundo torceu, fez meme, se viu de alguma forma ali naqueles jogos.

O anticapacitismo depende também de pessoas aliadas, que impulsionam essa luta.

Mas, na vez das Paralimpíadas, a gente fica escondido. Não passaram todos os esportes na televisão e os canais abertos não deram destaque. As marcas não investem tanto.

É uma pena, porque o Brasil já ultrapassou a marca das 400 medalhas paralímpicas, temos muito potencial no atletismo. Precisamos que as marcas olhem para as pessoas com deficiência, não só nas Paralimpíadas ou no setembro verde, mas o tempo inteiro. Porque somos consumidores também, temos grande potencial de compra. 

FC Brasil – Você e o Vale PCD criam conteúdos super bem-humorados. Qual a importância de trazer esse aspecto para a luta anticapacitismo?

Priscila Siqueira – Precisamos rir de nós mesmos, precisamos levar as coisas com leveza e não na porrada.

Porque o mundo já trata a gente na porrada, já bate demais. Se tratamos com leveza, aproximamos as pessoas, geramos mais identificação com nosso público. Estamos bem cansados de chorar, estamos bem cansados de ser duros o tempo todo. Fazer humor é garantir aproximação com as pessoas, não é só engajamento 

FC Brasil – Quais perguntas você gostaria de estar respondendo?

Priscila Siqueira – Temos o mês inteiro de visibilidade PcD, que não gera tanta visibilidade assim, porque as pessoas nem sabem o que é setembro verde. Gostaria que estivessem perguntando mais sobre esse tema. Tem muitos assuntos apagados, que poderiam estar em evidência, gostaria de responder perguntas sobre isso.

Gostaria de responder sobre vivências e sobre o quanto a gente pode contribuir para a inovação. E há muito a aprender. O anticapacitismo depende também de pessoas aliadas, que impulsionam essa luta.


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