5 perguntas para Pyr Marcondes, autor do livro Desafios e Soluções para o Jornalismo 4.0
A inteligência artificial desafia a indústria de comunicação. Mas não deve assustar os jornalistas. Com uma carreira de quatro décadas que passa por veículos como Meio & Mensagem, IstoÉ e Valor Econômico, Pyr Marcondes sabe bem o que é estar à frente das transformações no setor.
Ele é sócio sênior da Pipeline Capital e fundador da Macuco Tech Ventures, investindo em startups que exploram o potencial da tecnologia na comunicação.
Em seu novo livro, "Desafios e Soluções para o Jornalismo 4.0", ele analisa como a inteligência artificial está impactando o mercado de comunicação, especialmente o jornalismo.
Marcondes explora temas como a criação de conteúdo automatizado, o desafio de manter a credibilidade e a necessidade de adaptar o modelo editorial sem perder a essência informativa. Para ele, o "jornalismo 4.0" não é apenas uma tendência – é o novo normal, que chega para desafiar e enriquecer o setor.
Nesta entrevista à Fast Company Brasil, o autor compartilha alguns dos insights de sua obra. Segundo ele, a chave para o sucesso no novo cenário está em combinar inovação e transparência, sempre com o compromisso de oferecer informações confiáveis.
FC Brasil – No livro "Desafios e Soluções para o Jornalismo 4.0" você trata sobre as transformações que a IA está trazendo para o mercado. Quais são os maiores desafios éticos que os jornalistas enfrentam com a ascensão de conteúdos gerados por IA? E as maiores oportunidades para o jornalismo?
Pyr Marcondes – São vários desafios éticos. A primeira ética é o compromisso com a verdade e a realidade dos fatos. O jornalismo 4.0, feito com intermediação de máquinas para produzir conteúdo editorial, terá que ter checagem dupla, checagem tripla.
Como há muitas máquinas produzindo notícias, há risco de elas não serem 100% precisas. Não significa fake news, mas não tem a precisão completa. Não se trata de falar da veracidade do conteúdo, mas checar se o dado está correto, se o número bate com a fonte.
As máquinas tendem a homogeneizar, mas também é verdadeiro que cada vez mais elas tenham recursos de personalização.
Há ainda outro viés para se preservar algumas identidades com princípios democráticos. De que várias origens de opiniões sejam respeitadas. As máquinas não têm compromisso ético.
Aliás, as máquinas não têm a menor ideia do que seja ética. São os humanos que ditam a ética. E as regras do jornalismo tradicional seguem sendo válidas com as máquinas.
FC Brasil – Quais são as práticas de transparência que você considera essenciais para preservar a credibilidade no jornalismo automatizado?
Pyr Marcondes – A verdade é que as regras sobre transparência do jornalismo 4.0 são as mesmas do jornalismo 1.0, 2.0, 3.0. Como as máquinas vão poder distribuir conteúdos muito pertinentes para cada consumidor, em pouco tempo o jornalismo 4.0 vai poder produzir conteúdos muito segmentados, quase que um a um. Então, precisa um respeito ao leitor e à preferência dele. É um respeito ao consumidor e aos dados. Tem que cumprir as regras de compliance de privacidade de dados.
Máquinas e algoritmos são como líquido, água – vão entrando em qualquer lugar. Onde tem espaço eles entram e a máquina vai fazer a mesma coisa em termos de dados, vai invadir tudo que é privacidade, se não for controlada.
FC Brasil – Quais seriam os riscos de um ecossistema onde poucas empresas controlam tanto a tecnologia quanto o conteúdo? Como equilibrar a monetização das empresas de conteúdo nesse cenário?
Pyr Marcondes – Não vejo, em princípio e conceitualmente, nenhum problema de que empresas que tenham a tecnologia sejam também responsáveis pela difusão do conteúdo, desde que sejam respeitadas regras de mercado, como livre concorrência, compliance e respeito às ordens econômicas. Ou seja, que não se pratique dumping ou monopólio. Esses grupos têm que ter algum tipo de controle. Não pode ser irrefreável.
As emissoras de rádio e TV sempre detiveram a tecnologia e o conteúdo. Nunca houve qualquer problema. Então, é uma questão de respeito às leis de mercado.
FC Brasil – Com IA treinada em grandes volumes de conteúdo, existe o risco de uma homogeneização das narrativas. De que forma os meios podem garantir que as vozes diversas e, muitas vezes representadas por mídias independentes ou jornais locais, não sejam suprimidas por algoritmos que priorizam os grandes publishers?
Pyr Marcondes – Existe o risco de homogeneização das narrativas, sim, mas ele é contornável. Temos que controlar para que isso não aconteça. De que forma? Colocando a nossa narrativa, a nossa mão. Nós somos os editores. Nós, os humanos, é que precisamos zelar para que haja diversidade de pontos de vista.
As máquinas tendem a homogeneizar, mas também é verdadeiro que cada vez mais elas tenham recursos de personalização. Então, se a gente aliar a mão humana, a cabeça humana, o editor, a pessoa cuidando da utilização inteligente de recursos que as máquinas cada vez mais têm de personalização, segmentação, uso bem preciso e específico, acho que dá para contornar.
A priorização de conteúdos de grandes publishers também é um risco. Por outro lado, os players independentes e regionais de jornalismo nunca tiveram tanto acesso a tecnologia como hoje. A inteligência artificial pode vir para o benefício deles. Mas a defesa precisa ser feita, no papel da regulamentação.
Outro caminho é os pequenos fazerem acordos com os grandes players de distribuição. O Google, por exemplo, acaba de fazer um acordo com a Allright, que é uma intérprete desses pequenos e médios players, no qual ele vai fomentar o desenvolvimento do jornalismo local.
É o maior player do mundo, o Google, ajudando aqui no Brasil empresas de pequeno e médio porte e publishers locais.
FC Brasil – No futuro, como será a dinâmica dentro de uma redação em que IA e jornalistas trabalhem lado a lado? Quais habilidades os jornalistas precisam desenvolver para prosperar nesse novo ambiente?
Pyr Marcondes – Todos vamos ter que conviver com máquinas inteligentes do nosso lado. É inevitável. Os profissionais de qualquer área que não entenderem isso estão fadados a ter problemas em um, dois, três anos, não mais do que isso.
Em três anos eles estarão sendo ultrapassados não pelas máquinas, mas por outros profissionais que entenderam mais rápido como lidar com as máquinas. Então, a resposta aqui é: aprenda a lidar com as máquinas. Só tem essa saída.
Não significa que você terá que aprender a programar ou a montar software, mas sim a lidar com a maneira como a máquina pensa e entender quais benefícios e atributos aquele pensamento traz para o seu dia a dia.