5 perguntas para Rafaela Lotto, head da Youpix
Só em 2023, o mercado mundial de creators movimentou US$ 250 bilhões, de acordo com a Goldman Sachs. O que esperar para o setor em 2024? Rafaela Lotto, head da Youpix, principal consultoria sobre o mercado de criadores de conteúdo, fala das expectativas e tendências para o segmento neste ano que começa.
Mais do que números de audiência ou de ganhos, o grande tema que vai dominar a creators economy brasileira é a responsabilidade. A discussão aqui é sobre quais os caminhos que marcas e influenciadores podem (ou não) tomar de olho nos possíveis impactos na audiência. Isso tudo é resultado do amadurecimento do setor, que já tem mais de 20 milhões de participantes no Brasil.
Desde que o mercado de influência não era nem chamado desse jeito, Rafaela já atuava no setor. A executiva agora vê uma nova fase desta fatia da economia: o da profissionalização.
FC Brasil – O que as marcas podem esperar para o mercado de creators em 2024?
Rafaela Lotto – As marcas que vieram de anos de pandemia experimentando o marketing de influência com mais intensidade amadureceram sua relação com essa disciplina e, hoje, buscam um trabalho mais estratégico e com resultados palpáveis. Eu diria que já podem contar com creators, fornecedores e plataformas mais maduras também à disposição.
No entanto isso não é uma totalidade. Vemos uma “elite” de serviços, creators e marcas que operam em um novo patamar, criando os benchmarks e subindo a régua para o restante do mercado. Ainda temos muita oportunidade de profissionalização, regulação e evolução nesse setor, que, por ser novo, é também muito amador.
FC Brasil – No final de 2023, o caso de um jogo de apostas ilegal, divulgado por vários grandes influenciadores, trouxe à tona a discussão sobre responsabilidade e transparência dos creators para o público. Na sua visão, como o mercado tem que reagir para evitar situações como essa?
Rafaela Lotto – Estamos passando por um período importante nesse sentido, em que a regulação e as leis ainda não dão conta da complexidade desse assunto, ao mesmo tempo em que a influência se tornou uma grande esperança de ascensão social para o brasileiro.
Muitos influencers estão apenas em busca do dinheiro envolvido na atividade, sem refletir sobre sua responsabilidade e sobre os riscos envolvidos em tudo que divulga, fala e representa. O mercado precisa reagir em muitas frentes, mas eu destacaria três delas:
- Responsabilidade das marcas: as marcas são a principal fonte de receita dos creators, é onde está boa parte do dinheiro que financia esse mercado. Elas precisam estar atentas sobre quem escolhem e o que essas pessoas representam para além das curtidas que podem trazer pontualmente para suas campanhas. Quem busca números de seguidores acima de qualquer coisa está ignorando o potencial de risco que algumas escolhas podem trazer para sua marca e para o mercado.
- Profissionalização: creators que desejam ter negócios duradouros precisam entender a dinâmica dessa economia. Inclusive, compreenderem que a creator economy envolve a possibilidade de ganhar dinheiro para muito além da verba de publicidade das marcas. Tem muito mais envolvido nesse mercado do que #publi.
- Regulação: apesar de não haver um consenso sobre o que exatamente deve ser regulamentado, algumas coisas precisam caminhar para que o mercado possa evoluir de forma saudável. O efeito colateral da não-regulação já está acontecendo, que é a criminalização e a judicialização. Não nos causará estranhamento ver cada dia mais influenciadores nas páginas policiais.
FC Brasil – Uma das tendências que a Youpix aponta para 2024 é a alta concorrência. São mais de 20 milhões de creators no Brasil. Em quais indicadores de performance as marcas terão que prestar atenção para trabalhar com creators?
Rafaela Lotto – Isso é um ponto bem importante, que une duas coisas: creators mais preparados e marcas que sabem mensurar resultados. Sobre creators preparados, diria que as marcas estão atentas não só para o resultado da campanha em si, mas a todo o processo que envolve a relação com o creator.
Vemos uma “elite” de serviços, creators e marcas que operam em um novo patamar e subindo a régua para o restante do mercado.
É comum marcas deixarem de contratar quem não responde aos pedidos de orçamento, não cumpre prazos, não está comprometido com a marca, quem está toda hora envolvido em polêmicas etc. Isso é um ponto de atenção para os creators, que precisam profissionalizar todo o seu processo, se entender como empresas e prestar um bom serviço para além da criatividade.
Sobre mensurar resultados: já passou da hora de as marcas pararem de olhar só para os likes e views de uma campanha. Essa é uma mensuração bastante amadora. E não estou falando de medir resultado em venda – porque isso é o básico –, mas de compreender a contribuição da influência para os resultados do negócio, a construção de marca e o impacto de longo prazo.
Temos uma pesquisa feita em parceria com a Nielsen que prova que influência é capaz de movimentar preferência, consideração de compra e confiança na marca, coisas realmente importantes. Enquanto isso, as marcas ainda estão medindo quantos comentários com coração um post recebeu…
FC Brasil – Um dos maiores desafios da creator economy é a profissionalização desse mercado, que é tão pulverizado em diversas plataformas. Quais são as formas de se resolver esta barreira?
Rafaela Lotto – De certa forma, a grande concorrência acaba tendo o papel de “filtrar” quem não se profissionaliza. Na Youpix, temos um programa de aceleração desde 2017, por onde já passaram mais de dois mil creators. Podemos dizer que um comportamento comum é o creator se entender com um “criativo”, um “artista”, e ignorar completamente o lado do negócio.
Isso impacta na forma como ele precifica, como gerencia sua empresa, como pensa em novas fontes de receita, e, óbvio, na duração do negócio dele. Então, a primeira barreira a ser “resolvida” parte do próprio creator: se entender como negócio e buscar as ferramentas necessárias para evolução. O lado bom é que tem muitos criadores que compartilham suas jornadas e aprendizados.
Outro ponto que merece destaque é que a creator economy não é mensurada, já que as estruturas burocráticas brasileiras ainda não estão preparadas. Por exemplo, um influenciador que abre sua empresa não tem um CNAE [Classificação Nacional das Atividades Econômicas] específico para emitir uma nota fiscal.
De acordo com dados do Sebrae, muitos creators formalizados como MEI [microempresário individual] emitem notas fiscais como “promotores de vendas”. Isso dificulta a identificação e até a oferta de serviços como o do Sebrae, que ajuda o pequeno empreendedor em qualquer área no Brasil.
FC Brasil – Mais e mais pessoas se veem precisando de momentos de desconexão. Muitos apontam o “off-line” como a tendência de 2024. E já se fala bastante no termo “desinfluência”. Qual o futuro da creator economy, neste cenário?
Rafaela Lotto – Não existe “a cor do ano” na creator economy e eu diria que, nesse momento, essa expressão cabe perfeitamente. Se, por um lado, vemos movimentos nesse sentido, do outro temos as plataformas reportando aumentos expressivos no tempo conectado.
Eu diria que estar off-line, reduzir o tempo de tela, se conectar com o mundo real passa a ser para nós, humanos, uma preocupação como a de comer menos carboidrato, se hidrata, fazer exercícios. Sabemos que faz mal e vamos reduzir o uso de acordo com a nossa possibilidade e realidade.
os creators precisam profissionalizar todo o seu processo, se entender como empresas e prestar um bom serviço para além da criatividade.
Não é só uma pauta para 2024, é a pauta para a nossa vida. Coma menos carboidratos e passe menos tempo nas telas, sempre que puder.
Sobre a desinfluência, vejo como um movimento evolutivo da nossa relação com o tema. Nosso cérebro está cada vez mais treinado para entender e filtrar o que nos influencia do que nos entretém. Ostentação, gatinhos e cachorrinhos entretém, engajam, mas não necessariamente nos influenciam.
Como a influência está muito ligada com o estereótipo da “blogueira rica de jatinho e bolsa de marca”, a gente discute muito esse papel. O surgimento de perfis como o @thefakebirkinslayer, que desmascara as blogueiras que usam bolsas falsas, aceleram ainda mais esse processo.
Mas a real é que essa influência estereotipada e fake é só um pedaço da creator economy. Tem tanta coisa boa que nos influencia e nos faz refletir que estamos sendo treinados para separar as coisas.