5 perguntas para Sérgio All, cofundador da Conta Black
Sérgio All transformou um "não" que recebeu do banco em um grande negócio. Fundador da Conta Black, fintech que democratiza acesso a serviços financeiros para pessoas negras e periféricas, ele enfrentou o problema que quer solucionar para empreendedoras e empreendedores.
Depois de mais de duas décadas trabalhando no mercado digital, All teve um pedido de crédito negado por uma grande instituição financeira. Na época, ele liderava a iBeats e a Afrobusiness e percebeu que não era um caso isolado, mas uma regra quando se tratava da maneira como os bancos lidavam com pessoas pretas. No Brasil, black founders têm quatro vezes menos chance de receber financiamento do que brancos.
Foi daí que surgiu a fagulha para criar a Conta Black. Fundada em 2017, a startup já tem 49 mil clientes. Nesta entrevista à Fast Company Brasil, All fala sobre o futuro e sobre sua jornada até aqui.
FC Brasil – Antes de começar a Conta Black, você fundou a agência iBeats e a SOS Games. Em 2009, fundou a ONG Afrobusiness Brasil, para se conectar com afroempreendedores brasileiros. Já com a iBeats consolidada, teve crédito negado algumas vezes no banco. Qual foi o estopim, de fato, para você criar a Conta Black?
Sérgio All – Sempre ouvi da minha mãe que o meu “nome” era a coisa mais importante que eu tinha. Ao abrir minhas empresas, o raciocínio era o mesmo. Acho que o estopim foi o fato de descobrir uma relação de mão única, junto à instituição financeira em que eu tinha conta.
Consumia os produtos, muitas vezes para “ajudar” o meu gerente e, quando precisei, levei um sonoro “não”. Saí daquele banco prometendo que faria o máximo para que outras pessoas como eu não passassem por isso. Entre esse fatídico dia e o lançamento da Conta Black, alguns longos anos se passaram.
FC Brasil – Um dos objetivos da Conta Black é não só liberar o crédito, mas promover a educação financeira da população negra. Como vocês medem o sucesso disso? O que mudou de 2018 para cá?
Sérgio All – Sim, queremos que a informação seja democratizada. Nossa grande meta é que as pessoas tenham uma boa relação com a instituição, com muita transparência e proximidade.
Em uma pesquisa com um grupo de clientes, para o desenvolvimento de um produto de crédito, a palavra que mais ouvimos foi “medo”. É muito triste ver que alguns negócios não vão para outros patamares porque os donos têm medo de solicitar crédito.
Isso só acontece porque não há transparência e há pouca informação. Nós mensuramos a partir do alcance da informação que passamos.
FC Brasil – De acordo com o Banco Internacional de Desenvolvimento, o empreendedor negro tem crédito quatro vezes mais negado do que para pessoas brancas. Pesquisa do Instituto Locomotiva mostra que 82% dos empreendedores negros brasileiros não têm CNPJ e, embora movimentem bilhões em renda, estão excluídos de espaços formais de crédito. De quais formas a Conta Black usa tecnologia para reverter esse cenário?
Sérgio All – Como Conta Black, diversificamos as formas de análise. A maioria das instituições utiliza os mesmos critérios de análise, em um formato que dá preferência ao passado e não à capacidade futura de pagamento. Nós olhamos para o futuro.
FC Brasil – Até hoje, os e-mails do “fale conosco” da Conta Black são endereçados ao fundador do banco. Você ainda lê essas mensagens? O que aprendeu sobre o seu negócio a partir dessa conexão direta com os clientes?
Sérgio All – Sim, ainda leio, separo um tempo semanalmente na minha rotina para fazer isso. E acredito que lá temos muita informação. Gosto de pensar que uma pessoa que usa seu tempo para escrever é porque realmente está preocupada com a empresa. Valorizo muito cada um dos feedbacks. Tanto que de lá saíram várias ideias de produtos e melhorias na jornada.
FC Brasil – Como o lugar de onde você veio impacta na construção do negócio?
Sergio All – Nasci e cresci na periferia de São Paulo. Lá as pessoas estão “acostumadas” a não serem ouvidas e serem negligenciadas. Quando crio um negócio que tem como objetivo olhar para lá, acabo trazendo várias experiências que vivenciei para essa construção.
O mais triste é que, apesar do advento da tecnologia, muitos dos desafios que passei há 10, 15 anos, ainda são os mesmos.