5 perguntas para Sonia Guimarães, cientista e professora do ITA

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Redação Fast Company Brasil 8 minutos de leitura

Doutora em física, professora do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e ganhadora da medalha Santos Dumont de honra ao mérito, Sonia Guimarães coleciona pioneirismo em sua carreira.

Foi a primeira da sua família a se formar na faculdade, a primeira mulher negra a se tornar doutora em física no Brasil, a primeira professora negra do ITA. A cientista não se fecha ao papel de pioneira. Ela quer que mais e mais mulheres negras sigam seus passos, em nome da inovação tecnológica brasileira. 

Quando começou a lecionar no prestigiado ITA, no início dos anos 1990, o instituto ainda não aceitava a entrada de mulheres na graduação, situação que só mudou em 1996. A cientista, no entanto, não desanima. Para ela, existe luz no fim do túnel. 

Sonia lidera alguns grupos de mentoria com alunas e pesquisadoras negras nos âmbitos das ciências exatas, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês).

Na graduação, existe a discriminação de gênero e por cor de pele, o que vai desincentivando as mulheres.

O nome carinhoso que dá para quem pede por seus conselhos? “Minhas meninas”. Um grupo de mentoradas que inclui desde alunas da graduação até do doutorado, criado para ampliar discussões sobre o que significa ser mulher negra no ambiente tão predominantemente masculino e branco da academia.

O caminho ainda é duro e longo: de acordo com dados do IBGE, apenas 10,4% de mulheres negras concluem o ensino superior. Já dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) indicam que apenas 7% das pesquisadoras que recebem bolsa de pesquisa do órgão são negras.

Mudar esse cenário exige transformações estruturais. Ninguém melhor do que uma engenheira para essa conversa.

FC Brasil – Você foi a primeira professora mulher e negra no ITA e a primeira mulher negra doutora em física no Brasil. No próprio ITA, mulheres só puderam ingressar via vestibular em 1996. A participação feminina em postos de pós-graduação e doutorado nas ciências segue baixa. Quais os caminhos para garantir maior participação de mulheres em todas as áreas da academia?

Sonia Guimarães – A participação feminina em postos de pós-graduação e doutorado é baixa, mas, se você analisar essa participação na graduação, vai perceber que elas começam e não terminam a graduação.

Na graduação, existe a discriminação de gênero e por cor de pele, o que vai desincentivando as mulheres. Além do que, na graduação existe uma matéria chamada Cálculo, que muitas não tinham visto no Ensino Médio, a menos que tenham feito uma escola particular cara.

Como é que você vai denunciar um professor que, no final do semestre, será o responsável por te dar a nota?

As alunas que vêm do ensino público não têm cálculo na escola. No primeiro semestre de graduação de cursos como engenharia e matemática, a matéria Cálculo 1 é obrigatória e muitas levam bomba. Se Cálculo 1 já não passa, imagina em Cálculo 2, Cálculo 3… Muitas desistem da ciência.

Mas se, com a ajuda de Deus, essa menina conseguiu chegar na pós-graduação, pesa a questão financeira. Como seguir a pós-graduação de pesquisa sem bolsa de estudo para se manter?

Costumo dizer que o buraco é mais embaixo. Se a gente quiser fazer algo para mudar esse cenário, precisamos aumentar o número de bolsas. Recentemente, aumentaram o valor das bolsas de pós-graduação, mas é necessário ter mais bolsas. Todas elas precisam ter a mesma oportunidade, se não, não chegam na pós, nem no doutorado. 

FC Brasil – Um dos pontos que você sempre levanta é sobre a entrada de mulheres negras na ciência. O que é preciso para chegar na equidade racial nas ciências no Brasil?

Sonia Guimarães – Precisamos parar de desencorajar meninas negras desde pequenas. Se uma menininha negra chega para o pai, a mãe, os avós ou outros familiares e diz que quer ser cientista, o que essas pessoas vão falar? Antes, diriam que não tinha cientista negra. Mas, hoje em dia, eles já mostram exemplos das cientistas da NASA e, às vezes, até o meu exemplo.

Dentro da escola, é crucial o incentivo para meninas negras. Existem professores e professoras que falam para essas meninas que elas nunca vão conseguir aprender física ou matemática. Isso sem contar aqueles que tiram a nota da menina porque assumem que ela colou na prova, só por ser negra. Em outras palavras, professores e professoras racistas estão impedindo essa equidade.

Aí a menina conseguiu entrar na faculdade, a duras penas. E o que ela encontra lá? Quantas são as professoras e professores negros lecionando em faculdades e universidades brasileiras?

"Precisamos parar de desencorajar meninas negras" (Crédito: Divulgação)

Recentemente, uma menina negra, que era representante de lideranças jovens da ONU, entrou no curso de engenharia elétrica da Universidade Federal da Bahia. A primeira coisa que escutou foi um questionamento do professor, que quis saber se ela estava na sala certa, porque ali se lecionava engenharia eletrônica.

Bem na hora em que ela entrou na sala, o professor falou em voz alta para a sala: “algumas pessoas não serão aprovadas nesse curso”. Esse tipo de coisa precisa acabar.

Falo sempre para as alunas denunciarem, mas entendo que é complicado. Como é que você vai denunciar um professor que, no final do semestre, será o responsável por te dar a nota? Uma das minhas mentoradas, por exemplo, denunciou casos de racismo que sofreu e o professor continua dando aula.

A inovação virá das diferentes visões que homens negros e mulheres pretas têm do mundo e da tecnologia.

Eu peço muito para que as “minhas meninas” não desistam, que tentem passar por isso com classe, mas entendo que é uma briga. Uma briga de foice, e você é quem está com a foice na sua cabeça. É bem complicado.

Mas as coisas estão mudando. As meninas negras estão vindo, estão estudando, estão fazendo pós-graduação, doutorado, indo para o exterior, ganhando bolsas para pesquisar lá fora. Uma menina negra brasileira ainda pode ganhar o prêmio Nobel. 

Existe luz no fim do túnel. É um túnel longuíssimo, mas a luz existe.  

FC Brasil – Quando iniciou os estudos de física, nos anos 1970, você focou em uma área específica, na qual se tornou PhD: semicondutores aplicados a dispositivos eletrônicos. Esse segmento tem um papel essencial para a virada sustentável. Quais são as inovações que acompanha nessa área?

Sonia Guimarães – Os semicondutores são fundamentais nem mais apenas para a microeletrônica, mas para a nanoeletrônica, que são todas as eletrônicas usadas para dar “superpoderes” para os dispositivos que vemos – dos menores, como smartwatches, a maiores, como o carro voador.

O desenvolvimento obtido para os semicondutores criou outros materiais, muito melhores. O grafeno, por exemplo, é 400 vezes mais condutor que os semicondutores. Começaram a aparecer limites nos semicondutores que precisam ser superados, por isso a procura por novos materiais. Outros materiais são os orgânicos que emitem luz.

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O carro voador não é mais um sonho. A Embraer já está produzindo os carros que voam em São José dos Campos [cidade onde também fica o ITA]. Quer dizer, o céu que antes era o limite agora está pertinho, pertinho. 

FC Brasil – Mesmo se toda a inovação tecnológica acontecer em tempo recorde e, de fato, chegarmos na transição energética, nos carros elétricos, no transporte eletrificado, nas baterias solares… De que forma poderemos fazer essas transformações chegarem a todos?

Sonia Guimarães – Definitivamente, um dos desafios da popularização de tecnologias é o preço. Na China, por exemplo, a partir deste ano, eles não podem mais produzir veículos a combustão. Agora, com a produção enorme, não tem como o preço não cair.

Quando o preço baixar, outra coisa que tem no Brasil é redução de imposto. Quando virem que vale a pena subsidiar carros elétricos, o preço tende a baixar e mais gente vai querer comprar.

É muito caro um carro elétrico, precisa baixar o preço. Por que não fazem carros populares elétricos? Menores, mais práticos? É uma ideia. 

FC Brasil – Uma das suas pesquisas é sobre os Ifás e a ancestralidade africana. Como estes temas se conectam com o futuro da ciência?

Sonia Guimarães – A minha pesquisa sobre os Ifás e a ancestralidade africana era para provar que a computação é coisa de preto, é coisa de preta. O fato de que somos a minoria na área de tecnologia da informação não tem nada a ver com a inteligência do povo negro.

As pessoas com ancestralidade africana já tem o código dentro do DNA. Os Ifás têm mais de seis mil anos e são indícios de que já se fazia código na África nessa época. Os código dos computadores de hoje vieram desses códigos africanos.

Portanto, isso vai se conectar com o futuro da ciência para acabar com o preconceito de que negro não entende de computação, de que negra não consegue fazer código. Ou de pessoas que não querem contratar negros para essas áreas. Porque a inovação virá das diferentes visões que homens negros e mulheres pretas têm do mundo e da tecnologia. 


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