5 perguntas para Valmir Ortega, fundador da Belterra
O Brasil ganhou espaço de destaque na discussão sobre o futuro do planeta no Fórum Econômico Mundial em Davos. Valmir Ortega ganhou prêmio como o Empreendedor Social do Ano pela Fundação Schwab.
O prêmio, um dos mais prestigiados no campo do impacto socioambiental, o coloca entre as principais lideranças globais dedicadas a criar soluções ousadas e inovadoras para os desafios contemporâneos.
Ortega é fundador da Belterra Agroflorestal, uma startup brasileira que vem transformando biomas ameaçados como Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica. Por meio de sistemas agroflorestais, a empresa restaura terras degradadas, promovendo a recuperação ambiental enquanto gera renda para agricultores.
Desde 2020, a Belterra já implantou projetos em sete estados brasileiros, com os maiores esforços concentrados na região de Carajás, no Pará.
O modelo de negócio criado por Ortega combina assistência técnica, acesso a capital e mercado, propondo uma alternativa econômica ao agronegócio tradicional. Segundo ele, “é preciso competir com a monocultura e a pecuária, oferecendo modelos capazes de restaurar milhões de hectares e gerar até 10 vezes mais renda por hectare do que a soja”.
Com vasta experiência na gestão pública – tendo atuado em instituições como Ministério do Meio Ambiente, Ibama e Secretaria de Meio Ambiente do Pará –, Ortega traz uma visão abrangente que une conhecimento técnico, inovação e parcerias estratégicas.
Sob sua liderança, a Belterra captou R$ 27 milhões em investimentos e projeta uma nova rodada de R$ 50 milhões para ampliar seu impacto.
Além disso, Ortega vem promovendo projetos ambiciosos, como uma parceria com a Natura para criar 20 mil hectares de sistemas agroflorestais no Pará, com investimento total de R$ 800 milhões até 2030. Ele também é sócio da Rio Capim Agrosilvipastoril, que trabalha para tornar a pecuária mais sustentável na Amazônia.
FC Brasil – Em Davos, você foi eleito o Empreendedor Social do Ano pela Fundação Schwab. Estamos no ano da COP30. O que esta premiação simboliza sobre o papel do Brasil no combate à crise climática?
Valmir Ortega – Essa premiação reforça a importância do Brasil como um país estratégico na luta contra as mudanças climáticas, especialmente por abrigar a maior parte da Amazônia.
Sermos reconhecidos pela Fundação Schwab como Empreendedor Social do Ano não é apenas um tributo ao trabalho da Belterra, mas também um sinal de que soluções brasileiras baseadas em restauração de paisagens e uso sustentável do solo podem ter impacto global.
Significa dizer que o mundo está atento às iniciativas que conciliam conservação ambiental e desenvolvimento socioeconômico, e que o Brasil tem um papel de liderança fundamental nesse cenário.
FC Brasil – A Belterra é uma greentech que faz a implantação de sistemas agroflorestais em pequenos e médios produtores. O objetivo é incentivar a restauração de biomas brasileiros. Quais os maiores desafios que enfrentam para aplicar a regeneração florestal no Brasil?
Valmir Ortega – O Brasil tem uma diversidade enorme de biomas e realidades socioeconômicas, o que, por um lado, é uma riqueza, mas, por outro, traz desafios para a implementação em larga escala de sistemas agroflorestais. Entre os principais desafios estão:
- Financiamento: muitos produtores não têm acesso a crédito adequado para investir em sistemas agroflorestais, que podem demorar alguns anos para gerar retorno.
- Assistência técnica e capacitação: há necessidade de treinamento contínuo em práticas agroflorestais e de apoio técnico para que os produtores possam manejar suas áreas de forma eficiente e sustentável.
- Políticas públicas: a legislação e as políticas de incentivo à restauração ainda precisam ser mais claras e acessíveis para pequenos e médios produtores, garantindo segurança jurídica e apoio financeiro.
- Escala e logística: levar assistência e suporte técnico a regiões remotas, assim como escoar a produção agroflorestal, é um desafio em um país de dimensões continentais.
O modelo de negócio da Belterra busca, justamente, endereçar esses desafios e prover uma solução para agricultores que busquem modelos mais rentáveis e regenerativos.
FC Brasil – Como a tecnologia e a inovação podem impedir que a Amazônia atinja o ponto de não retorno?
Valmir Ortega – A tecnologia tem um papel fundamental na prevenção do desmatamento e na recuperação das áreas degradadas. Ferramentas de monitoramento via satélite, drones e sistemas de inteligência artificial permitem identificar áreas críticas e acompanhar o crescimento das florestas em tempo real.
Além disso, plataformas de gestão e análise de dados ajudam a planejar de forma mais eficiente os sistemas agroflorestais, otimizando a escolha de espécies e o calendário de plantio.
Cada hectare restaurado e cada comunidade mobilizada são passos concretos rumo a um futuro mais equilibrado.
Essa combinação de inovação tecnológica com o conhecimento tradicional dos agricultores e das comunidades locais cria soluções mais robustas, que podem tanto evitar o desmatamento quanto acelerar a restauração, mantendo a floresta em pé e produtiva.
Além disso, há soluções já disponíveis que podem potencializar a remoção de carbono da atmosfera, ao mesmo tempo em que melhoram a vida no solo e aumentam a produtividade, como o uso de biochar (material sólido rico em carbono) e de pó de rocha, que já estamos testando e desenvolvendo na Belterra.
FC Brasil – Neste ano, a primeira ação do governo Trump foi retirar os EUA do acordo de Paris. Há muitos que negam as mudanças climáticas. De que forma você cria diálogos com diferentes visões políticas para apoiar a regeneração?
Valmir Ortega – Nosso foco é construir pontes com todos os atores interessados em soluções sustentáveis. Falamos sobre os benefícios econômicos e sociais da restauração, mostrando como sistemas agroflorestais geram renda, empregos e estabilidade para produtores rurais, ao mesmo tempo em que conservam o ambiente.
Essa abordagem pragmática – unindo evidências de mercado, dados científicos e resultados concretos – ajuda a manter o diálogo aberto, mesmo com visões políticas diferentes. Além disso, valorizamos a participação de comunidades e lideranças locais, mostrando que a regeneração é benéfica a todos, independentemente de tendências partidárias.
FC Brasil – Passamos por uma série de ondas de calor, queimadas e enchentes. Em 2024 a temperatura global ultrapassou a marca de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais Como se mantém esperançoso?
Valmir Ortega – A esperança vem dos resultados que vemos todos os dias em campo: áreas antes degradadas que se transformam em agroflorestas produtivas, gerando renda para as famílias e protegendo a biodiversidade. O crescente engajamento de jovens, pesquisadores, empreendedores e governantes em torno de soluções baseadas na natureza também é inspirador.
Cada hectare restaurado e cada comunidade mobilizada são passos concretos rumo a um futuro mais equilibrado. Acreditamos que, ao unir esforços de governos, empresas, sociedade civil e comunidades locais, podemos enfrentar os desafios climáticos e construir um caminho de desenvolvimento sustentável e inclusivo.