Novo método mede a quantidade de fumaça de incêndios que respiramos

Cientistas desenvolvem métricas para mensurar a exposição de longo prazo ao material particulado fino produzido pelos incêndios florestais

Crédito: Fast Company Brasil

Joan Casey e Rachel Morello-Frosch 5 minutos de leitura

No mundo todo, as crianças nascidas a partir de 2020 estão fadadas a enfrentar o dobro do número de incêndios florestais ao longo da vida, em comparação às nascidas em 1960.

Na Califórnia e em outros estados do oeste dos EUA, os incêndios florestais frequentes se tornaram parte integrante do verão e do outono. No Brasil, o calor e o ar seco tornam ainda mais grave a já tradicional temporada de incêndios.

Os incêndios florestais produzem um material particulado fino, conhecido como PM2,5, que impregna o ar e penetra profundamente nos pulmões. Os pesquisadores sabem que a exposição de curto prazo ao PM2.5 proveniente de incêndios florestais aumenta os atendimentos de emergência devido a problemas cardiorrespiratórios, como a asma.

Entretanto, os efeitos de longo prazo da exposição repetida ao material particulado fino de incêndios florestais sobre as doenças crônicas ainda não foram esclarecidos.

Um dos motivos é que os cientistas ainda não determinaram qual é o melhor método para medir esse tipo de exposição intermitente, porém contínua. Os epidemiologistas ambientais e os cientistas da saúde geralmente resumem a exposição de longo prazo ao total de PM2,5 – proveniente de usinas de energia, indústria e transporte – como a exposição média ao longo de um ano. 

Mas esse método pode não fazer sentido para medirmos a exposição a incêndios florestais. Diferentemente da poluição do ar relacionada ao tráfego, por exemplo, os níveis de PM2,5 de incêndios florestais variam muito ao longo do ano.

Para aprimorar a pesquisa sobre saúde e equidade, nossa equipe desenvolveu cinco novas métricas que representam melhor a exposição de longo prazo ao PM2,5 de incêndios florestais.

POR QUE NOVOS CRITÉRIOS SÃO NECESSÁRIOS

Estudos anteriores sobre a exposição de longo prazo a PM2,5 de incêndios florestais se concentraram principalmente em pessoas que viviam perto de um grande incêndio, fazendo um acompanhamento anos depois para verificar seu estado de saúde.

Só que isso deixava de fora quaisquer novas exposições que tivessem ocorrido entre a data do primeiro episódio e o momento da avaliação posterior.

Incêndio no Pantanal (Crédito: Marcelo Camargo/ Agência Brasil)

Estudos mais recentes rastrearam a exposição de longo prazo ao PM2,5 de incêndios florestais, que muda com o tempo. Por exemplo, os pesquisadores relataram associações entre a exposição ao PM2,5 de incêndios florestais durante dois anos e o risco de morte por câncer ou por qualquer outra causa no Brasil. 

Esse trabalho se baseou na exposição média de longo prazo e não capturou diretamente as exposições extremas de eventos intermitentes de incêndios florestais. Como o estudo não avaliou essa exposição, não sabemos se um padrão específico de exposição de longo prazo a PM2,5 por incêndios florestais foi pior para a saúde.

Na maior parte dos dias, as pessoas não são expostas a PM2,5 de incêndios florestais. Mas em alguns dias específicos, a exposição é intensa. Não sabemos se apenas alguns dias extremamente ruins ou se vários dias ligeiramente ruins são mais prejudiciais à saúde.

UM NOVO MÉTODO

Ao pensar sobre a PM2,5 de incêndios florestais a que as pessoas estão expostas, os cientistas da exposição – pesquisadores que estudam o contato entre humanos e agentes nocivos no ambiente – consideram a frequência, a duração e a intensidade. Esse conjunto de fatores ajuda a descrever a verdadeira exposição do corpo humano durante um incêndio florestal.

Em estudo recente, nossa equipe propôs uma estrutura para medir a exposição de longo prazo ao PM2.5 de incêndios florestais que incorpora a frequência, a duração e a intensidade desses eventos. Aplicamos modelos de qualidade do ar aos dados de incêndios florestais na Califórnia de 2006 a 2020, derivando novas métricas que capturam uma variedade de tipos de exposição.

Diferentemente da poluição do ar relacionada ao tráfego, por exemplo, os níveis de PM2,5 de incêndios florestais variam muito ao longo do ano.

Uma das métricas que criamos é em relação ao número de dias de exposição ao PM2.5 de incêndios florestais em um período de longo prazo, o que pode permitir a identificação até mesmo de exposições bem pequenas.

Outra métrica é a concentração média de PM2,5 de incêndios florestais durante a semana de pico dos níveis de fumaça em um longo período, o que destaca os locais que sofrem as exposições mais extremas. Também desenvolvemos várias outras métricas que podem ser mais úteis, dependendo dos efeitos que estão sendo estudados.

É interessante notar que essas métricas foram bastante correlacionadas entre si, sugerindo que os locais que apresentaram muitos dias de pelo menos algum PM2,5 de incêndio florestal também apresentaram os níveis mais altos no geral.

Embora isso possa dificultar a decisão entre diferentes padrões de exposição, a adequação de cada métrica depende, em parte, dos efeitos sobre a saúde que estivermos investigando.

INJUSTIÇA AMBIENTAL

Também avaliamos se determinados grupos raciais e étnicos sofreram uma exposição maior do que a média ao PM2,5 causado por incêndios florestais e descobrimos que diferentes grupos sofreram maior exposição dependendo do ano.

Descobrimos que as comunidades indígenas sofrem a exposição mais desproporcional. As terras indígenas rurais tiveram a maior média de concentrações de PM2,5 em incêndios florestais dentre todos os grupos censitários em nosso estudo. E uma grande parte dos povos indígenas americanos da Califórnia vive em áreas rurais, geralmente sujeitas a um risco maior de incêndios florestais.

Com informações da redação da Fast Company Brasil

Este artigo foi publicado no "The Conversation" e reproduzido sob licença Creative Commons license. Leia o texto original.


SOBRE A AUTORA

Joan Casey é professora associada de saúde ocupacional e meio ambiente na Universidade de Washington. Rachel Morello-Frosch é profess... saiba mais