O futuro da saúde promete ser preventivo, acessível e menos invasivo

Dados biométricos, edição genética por pílulas e vacinas inaláveis: tecnologias mais precisas podem revolucionar a saúde

Credito: nevodka/ iStock

Camila de Lira 5 minutos de leitura

O futuro da saúde não é curar doenças, mas manter as pessoas saudáveis. Essa mudança de foco promete medicamentos não invasivos, tratamentos de via única e médicos hiper-conectados pela inteligência artificial. Uma combinação de tecnologias que funcionará para detectar riscos, antecipar diagnósticos, alterar comportamentos e personalizar cuidados – até chegar ao gene.

Essas previsões foram feitas durante a décima edição do Innovation Festival, evento promovido pela Fast Company em Nova York, que tratou, entre outros temas, das tecnologias que irão definir os próximos anos. 

Até 2030, por exemplo, será possível “retirar” doenças genéticas raras do DNA, como se estivéssemos “cortando” um arquivo de texto. A previsão é da ganhadora do Nobel de Química, Jennifer Doudna. A bioquímica foi uma das responsáveis por descobrir o CRISPR, uma ferramenta de edição genética. E, agora, segue com pesquisas para levar a tecnologia para uso prático.

Atualmente, o CRISPR é testado para curar doenças como anemia falciforme e transtornos raros do fígado. Em alguns países, como no Reino Unido, já há aprovação do governo para uso da tecnologia como tratamento de anemias. Além de complexa, a ferramenta ainda é muito cara: US$ 2 milhões por paciente para completar um único teste de edição gênica.

Doudna explica que são necessárias diversas internações e transplantes de medula óssea para realizar o tratamento genético. A fundadora do Innovative Genomics Institute, da Universidade da Califórnia, se esforça para tirar as agulhas da equação.

“Imaginamos um dia em que você receberá uma única dose, ou até mesmo uma pílula ou algo feito no consultório médico, sem precisar passar por internação”, aposta a ganhadora do Nobel de Química de 2020 (que dividiu com a francesa Emanuelle Charpentier).

a humanidade longeva precisará de uma forma personalizada e proativa para analisar a saúde. O que passa pelos dados.

Quem também quer tirar o incômodo das agulhas são os desenvolvedores de vacinas. Kayvon Modjarrad, diretor executivo de pesquisa e desenvolvimento de vacinas da Pfizer, diz que o setor quer acabar com as seringas. 

Especialista em doenças infecciosas, o cientista prevê que, na próxima década, os medicamentos não serão mais injetados, mas inalados ou ingeridos. 

A agulha e a seringa são dificultadores para a entrega ampla das medicações, o que é um grande problema. “Não importa quantas vacinas temos a oferecer, o importante é a vacinação e o quanto ela chega nas pessoas”, afirma o cientista.

Jennifer Doudna participa da décima edição do Innovation Festival

O CORPO EM PRIMEIRO LUGAR

Para chegar além das agulhas, o esforço dos pesquisadores e desenvolvedores de vacinas não é diferente daquele feito pela equipe de Doudna com a edição gênica. Ambos precisam entender mais o corpo do que a doença.

O líder da área de pesquisas da Pfizer explica que houve avanços significativos no sentido de entender como vírus e bactérias se comportam. No entanto, ainda há muito a se descobrir sobre como o nosso sistema imunológico funciona. “Duas das maiores partes do nosso sistema imunológico são a pele e o intestino. Duas áreas que estamos começando a entender”, explica.

A partir desse conhecimento, vem a descoberta de moléculas e partículas que podem ser absorvidas pelo corpo de maneira mais eficiente. Nesse ponto, o desafio do CRISPR é bem maior, já que é um tratamento que chega no ponto mais básico do ser humano: o DNA. 

“A parte mais difícil de todo o setor de saúde não é o tratamento, mas mudar o comportamento das pessoas”

Nos próximos anos, a tecnologia deve ser usada para tratamento de doenças raríssimas e raras. E, em um futuro nada distante, poderá tratar e prevenir aflições genéticas menos graves e que atingem mais gente, como a calvície. “É uma área que tende a crescer mais nos próximos 10 anos.”

Esse pensamento de colocar o corpo em primeiro lugar também está na cabeça de outros pesquisadores da saúde, como os desenvolvedores de tecnologia vestível (os “wearables“) e de inteligência artificial médica. 

Para Tom Hale, CEO e criador do Oura Ring – um anel inteligente usado para monitorar o sono e atividade física –, a humanidade longeva precisará de uma forma personalizada e proativa para analisar a saúde. O que passa pelos dados.

VOCÊ DORMIU BEM HOJE?

Dotado de sensores e de um design “leve”, o Oura Ring monitora indicadores como pressão arterial, nível de atividade do corpo e oxigenação. As informações são levadas para o usuário, que consegue entender padrões do próprio dia a dia. “A parte mais difícil de todo o setor de saúde não é o tratamento, mas mudar o comportamento das pessoas”, diz Hale. 

Crédito: Camila de Lira

Foi vendo os dados de outro vestível, o Apple Watch, que John Mackey parou de beber. Cofundador da Whole Foods e um dos criadores do movimento Capitalismo Consciente, ele pesquisa longevidade e alimentação orgânica há décadas. Mas foi só quando viu as informações sobre seu sono depois que bebia que teve o insight.

Não foi só uma mudança de vida, mas de negócio. Mackey fundou a healthtech Love.Life, com o objetivo de unir informações personalizadas e assistência médica. Com uma equipe de experts olhando para as informações que a pessoa gera no dia a dia, a companhia cria planos de ação que podem aumentar a longevidade.

“Existe muita desinformação sobre saúde por aí. Se você pesquisar no Google se o café faz bem ou mal, terá resultado sobre as duas respostas. Por isso é preciso um especialista para indicar o caminho”, diz Mackey.

Oura Ring

A inteligência artificial promete ser um divisor de águas nesse sentido, já que permite a análise rápida de dados e uma interface de resposta direta para cada pessoa, na linguagem que ela entende. 

Para Jennifer Doudna, a ciência deve ter um propósito social. “O foco é em como a tecnologia e a ciência podem beneficiar o maior número de pessoas, de maneira acessível e barata.”


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais