A liderança é viva e precisa se reinventar

Eventos mostram a urgência de cultivarmos uma liderança mais conectada – com a natureza, com a humanidade e com a sabedoria ancestral

Créditos: Google DeepMind/ Unsplash

Silvana Bahia 5 minutos de leitura

Nas últimas semanas, tive o privilégio de participar de dois eventos que me inspiraram a (re)pensar as formas de experimentar o mundo e fortaleceram minha crença no poder das conexões e das novas formas de liderança.

Ambos aconteceram na Bahia e, de Trancoso a Salvador, reforçaram minha certeza de que as maiores revoluções nasceram e seguem nascendo em solo baiano.

O KES Summit 2024 e o B-WEL’s Global Women’s Leadership Summit proporcionaram novas perspectivas e reafirmaram a importância de redes colaborativas para moldar os futuros.

O KES Summit aconteceu no fim de agosto, em Trancoso. Ao longo de quatro dias, reuniu líderes e especialistas para debater conteúdos, ideias e tendências para realidades ainda tão desafiadoras.

Este ano, o tema "Simbioses Possíveis" levantou questionamentos importantíssimos: quais as possíveis simbioses entre economia e natureza, entre diferentes gerações e entre tecnologia e inovação? E como podemos promover a cooperação, tanto organizacional quanto social, para criar um futuro mais colaborativo e sustentável?

São perguntas que nos convidam a explorar conexões profundas e transformadoras, nas quais a integração entre esses elementos beneficia a todas as pessoas e abre caminhos para novas formas de inovação e crescimento coletivo.

Palestras como as de Ailton Krenak e do filósofo nigeriano Bayo Akomolafe me fizeram pensar em algumas possíveis respostas para essas perguntas – e seguem na minha cabeça.

Depois, no início de setembro, foi a vez de aterrissar em Salvador para o B-WEL’s Global Women's Leadership Summit,  iniciativa global que conecta a liderança feminina e negra na promoção de soluções inovadoras.

Ailton Krenak (Crédito: Reprodução/ Vozes da Terra)

Nesta edição, sob o tema "Mulheres negras na liderança executiva: conexões da diáspora transformando o poder global", o objetivo foi compartilhar as estratégias, ferramentas e táticas que mulheres negras em diferentes setores e geografias têm utilizado com sucesso.

Foi uma oportunidade incrível de reencontrar parceiras de vida e de luta, além de me conectar a tantas outras mulheres negras líderes na diáspora.

Para muitas das mulheres negras líderesa conexão com o passado é uma fonte prática de força e sabedoria.

Ouvir a mestra Cida Bento analisar os resultados da pesquisa que o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) realizou com o Pacto Global da ONU, com uma análise da interseccionalidade de gênero e raça no mercado de trabalho, reforçou os muitos desafios que ainda temos pela frente na busca por equidade.

Participei do painel “Estratégias em curso para promover equidade por meio da tecnologia e inteligência artificial”. Debati com Sabrina Nazario, Andreza Alves Rocha, Fernanda Ribeiro e Brenda Darden Wilkerson sobre caminhos que possam garantir que as tecnologias emergentes em IA sejam desenvolvidas de maneira a promover a equidade racial e de gênero – criando possibilidades, em vez de pasteurizar conhecimentos e reduzir pessoas.

BEM-ESTAR, NECESSIDADE ESTRATÉGICA

Em tempos de mudanças rápidas e crises múltiplas, os dois encontros mostraram a urgência de cultivarmos uma liderança mais conectada – com a natureza, com a humanidade e com a sabedoria ancestral. Ailton Krenak nos lembrou de algo essencial: somos parte da Terra. E, enquanto não nos dermos conta disso, estaremos apenas adiando o fim do mundo.

Essa mensagem ressoou profundamente com o que se viu no B-Well Summit, onde mulheres negras de todo o mundo falaram sobre a urgência de uma liderança que, mais do que responder às demandas do mercado, reconheça sua interdependência com o mundo ao redor. Todas as conversas foram perpassadas pela ideia de uma liderança regenerativa – que devolva, cure e reconstrua em vez de simplesmente extrair valor.

Crédito: Freepik

Se Krenak nos alertou sobre a desconexão entre humanos e natureza, o B-Well Summit ressaltou a importância de escutarmos nossas histórias ancestrais. Para muitas das mulheres negras líderes reunidas em Salvador, essa conexão com o passado é, para além de uma questão teórica, uma fonte prática de força e sabedoria.

O B-Well Summit também destacou a importância do bem-estar – físico, mental e espiritual – dessas mulheres, questão que não pode ser dissociada do poder da nossa liderança. Não basta apenas ocupar espaços; precisamos também ter saúde e força para liderar de maneira sustentável.

O autocuidado, nesse sentido, não é um luxo, mas uma necessidade estratégica. A simbiose, tão presente nas conversas, ganhou ali um novo significado: equilibrar o impacto social com o cuidado pessoal, entendendo que uma liderança saudável é essencial para sustentar mudanças de longo prazo.

ERROS E ACERTOS

No KES Summit, Akomolafe nos convidou a refletir sobre o valor do erro e do caos, lembrando que, muitas vezes, a inovação surge do inesperado, enquanto no B-Well Summit, a ideia de abraçar o imprevisível e usar isso como uma ferramenta de transformação foi um tema central.

Mulheres negras líderes estão, constantemente, desafiando narrativas, rompendo barreiras e se reinventando. Nós sabemos que a inovação não segue uma linha reta. Ela é curvilínea, espiralada, assim como nossas trajetórias.

somos parte da Terra. E, enquanto não nos dermos conta disso, estaremos apenas adiando o fim do mundo.

Em ambos os eventos, ficou nítido que os múltiplos futuros serão construídos a partir da colaboração, da escuta e da aceitação das diferentes vozes. Liderar não será mais sobre estar no topo, mas sobre estar conectada às pessoas ao redor.

Ao unirmos o poder da sabedoria ancestral às tecnologias e inovações modernas, podemos construir um futuro em que todas e todos tenham espaço para prosperar.

“Para encontrar seu caminho, você deve ficar perdido”, disse Akomolafe, citando um provérbio iorubá. Talvez seja exatamente isso o que precisamos neste momento.

Em vez de seguir cegamente a ditadura dos algoritmos e da eficiência produtiva, devemos nos permitir errar, perder o rumo e reaprender a imaginar futuros mais inclusivos e sustentáveis, assim como trazer para a pauta outras formas de liderança.

O futuro é agora – e ele é colaborativo!


SOBRE A AUTORA

Silvana Bahia é codiretora executiva no Olabi – organização dedicada a diversificar a cena de tecnologia e inovação no Brasil. Fellow ... saiba mais