“Não gosto do conceito de startup”

A única coisa que deveríamos escalar é a capacidade de regenerar o planeta e nossa compreensão dos impactos negativos que geramos

Créditos: Tung Lam/ Pixabay/ rawpixel.com

Gustavo Borba 3 minutos de leitura

Escolhi esse título porque ele descreve literalmente uma frase que ouvi de um ex-aluno que admiro muito – vou chamá-lo aqui de Guilherme – em uma aula na qual ele participou contando sua história para meus novos estudantes.

Fiquei feliz por sua coragem em dizer isso, mesmo sendo um jovem empreendedor. Guardei essa lembrança por um tempo e ela reapareceu para mim esta semana, enquanto assistia um documentário na TV. O documentário era sobre as Haenyeo, mulheres pesqueiras que vivem em constante interação com o mar na Coréia do Sul.

O documentário faz um paralelo entre o desenvolvimento dessa profissão ao longo do tempo e a perspectiva dessas mulheres acompanhando o processo de degradação do meio ambiente, decorrente das mudanças climáticas e do impacto humano. Importante dizer que essas mudanças não são decorrentes do trabalho das Haenyeo, pois elas interagem com o meio ambiente de maneira sustentável.

Em um dado momento, uma delas diz que poderia trabalhar bem mais horas por dia, retirando mais produção, mas que não faz isso por respeitar os limites e a capacidade de regeneração do oceano. Se tirarem muito agora, não terão no futuro.

Essa deveria ser uma frase básica e inicial em qualquer livro sobre empreendedorismo, startups ou desenvolvimento organizacional.

Mas não é assim.

Em algum momento, perdemos a conexão com esse pensamento.

Um marco histórico é a década de 70. Segundo dados do Bureau de Estatísticas do Trabalho dos EUA – compartilhados por Yancey Strickler em seu livro "This could be our future" –, nesse período começamos uma intensa separação entre duas linhas que cresciam juntas: a produtividade e o ganho horário do trabalhador. O crescimento do salário dos trabalhadores de 1948 até 1973 foi de 91%, enquanto de 1973 até 2013 foi de apenas 9,2%.

Além disso, outra mudança se desenvolveu e se concretizou ao longo do tempo: passamos a olhar mais para os acionistas (shareholders) do que para os interessados (stakeholders).

Vivemos em um mundo que pede socorro e demanda relações comunitárias e desenvolvimento coletivo.

Esse movimento se ampliou nos últimos 30 anos, com mudanças tecnológicas, avanços em termos de mercados globais e, especialmente, com o surgimento de novas dinâmicas empresariais e de novos tipos de organizações, como as startups.

Livros sobre a importância da velocidade, da aceleração, de uma cultura de impacto e resultado, começaram a tomar conta das livrarias e até dos currículos de cursos. A mentalidade mudou e a ideia de ir “de zero a 1” – como preconizam  Peter Thiel e Blake Masters em seu livro de mesmo nome –, colocando na pauta novos parâmetros organizacionais.

Um deles, de grande impacto, é a ideia de escalabilidade, presente também na essência do conceito das startups. A maioria das empresas hoje busca isso: escalar, gerar mais lucratividade, dar retorno aos acionistas.

Crédito: iStock

Parece que as pessoas não conseguem perceber o quão nocivo pode ser esse pensamento. Escalar tudo, gerar mais lucro e entregar para um grupo específico não faz sentido quando pensamos nos desafios globais ou na importância das comunidades e na destruição e consumo do planeta. Precisamos de outros caminhos.

Konosuke Matsushita, fundador da Panasonic, dizia, em 1932, que a missão de uma empresa passava pela superação da pobreza. Ele considerava a pobreza um mal e que o objetivo do seu negócio era acabar com ela.

Essa missão, que deveria estar no dia a dia de todas as corporações, deu lugar a outra: "desenvolver riqueza para os acionistas”. E a mentalidade que busca escalabilidade levou essa ideia para outro patamar: "riqueza para acionistas, muitas vezes, sem preocupação com os impactos.”

Um planeta destruído não serve para ninguém.

Vivemos em um mundo que pede socorro e demanda soluções locais, dinâmicas distintas, senso de pertencimento, relações comunitárias, resultado para a sociedade e desenvolvimento coletivo.

Precisamos retomar conceitos que perdemos ao longo do tempo por uma miopia que começa nas organizações e se revela no dia a dia social.

A única coisa que deveríamos escalar é a capacidade de regenerar o planeta e nossa compreensão dos impactos negativos que geramos. Sem isso, o ciclo não se inverte e seguiremos um caminho de destruição e de ganhos individuais.

Um planeta destruído não serve para ninguém.


SOBRE O AUTOR

Gustavo Borba é palestrante e pesquisador. saiba mais