Muito além dos carros elétricos: é preciso redesenhar as cidades
As montadoras estão finalmente se comprometendo a produzir frotas elétricas, e a passagem para esses veículos mais sustentáveis está acontecendo mais rápido do que alguns analistas haviam previsto (em cerca de quatro anos, de acordo com uma projeção recente, mais da metade de todos os veículos leves vendidos podem ser elétricos). Só que os veículos elétricos não são uma solução completa. Nas cidades, onde o transporte é uma das maiores fontes de emissões (e uma das que cresce mais rápido), um novo relatório calcula o quanto uma mudança generalizada para veículos elétricos poderia reduzir essas emissões. E a conclusão é que apenas trocar o tipo de veículo não será uma atitude forte o suficiente para conter esse aumento.
A eletrificação é “certamente grande parte da solução”, afirma Heather Thompson, CEO da organização sem fins lucrativos Institute for Transportation Development Policy, que fez parceria com a Universidade da Califórnia em Davis no relatório. “Mas esse fator sozinho não nos levará à nossa meta de 1,5 grau.” O relatório concluiu que se o mundo quiser evitar os piores impactos da mudança climática, as cidades terão que se movimentar rapidamente para adotar os veículos elétricos, mas, simultaneamente, precisarão se transformar como um todo. Elas precisam ser redesenhadas para que se torne muito mais fácil caminhar, andar de bicicleta e usar o transporte público.
As emissões de gases de efeito estufa do transporte urbano de passageiros precisam cair 53 bilhões de toneladas métricas entre 2020 e 2050 e, em contrapartida, as cidades ao redor do mundo estão crescendo rapidamente e mais pessoas estão tendo poder aquisitivo para comprar carros. Na África e no Oriente Médio, por exemplo, o número de carros particulares pode quintuplicar até 2050 para mais de 224 milhões, muito mais do que o que há nas cidades americanas hoje. Se as cidades se mobilizarem agressivamente para incentivar a transição para carros elétricos, as emissões do transporte urbano cairiam em cerca de 44 bilhões de toneladas métricas, calcula o relatório – um número enorme, mas ainda insuficiente para atender às metas climáticas. Agir rapidamente para mudar o hábito de andar de carro para o de fazer caminhadas e de utilizar transporte público também não é suficiente por si só, com o potencial de reduzir as emissões em 33 bilhões de toneladas métricas. Ou seja: de acordo com a ciência do clima, somente combinando essas duas abordagens será possível cortar as emissões.
Se um carro elétrico funciona com eletricidade limpa, dirigir pela cidade não aumentará as emissões. Mas o impacto de dirigir um carro vai além da poluição do cano de escape. “Há muita energia embutida na produção de carros”, lembra Thompson, “e na produção de estradas, na construção de rodovias e na própria rede.”
Evidentemente, os carros também apresentam outros problemas. Nos EUA, acidentes de carro matam a cada ano tantas pessoas quanto as armas de fogo. Globalmente, mais de um milhão de pessoas morrem em acidentes de carro anualmente. Além disso, estradas e estacionamentos ocupam um espaço que poderia ser usado para habitação ou para parques. Se você dirige para o trabalho, provavelmente passa dezenas de horas preso no trânsito todos os anos. E como os carros são caros, as cidades que dependem deles são menos equitativas, dificultando o acesso de pessoas de baixa renda a empregos e a outras oportunidades. Melhorar a rede de ônibus, as calçadas e as ciclovias é o caminho mais justo para todos (com a vantagem adicional de tornar as pessoas mais saudáveis). Se menos carros elétricos forem necessários, isso também ajudará a reduzir a enorme quantidade de energia limpa adicional que será necessária para carregá-los.
“Temos que continuar tentando minimizar o número de veículos nas ruas e estradas e, em seguida, eletrificar o que sobrou”, diz Thompson. “Não podemos simplesmente presumir que é viável continuar ampliando nossas cidades e aumentando o número de veículos nas estradas, e que depois basta trocar a frota por uma elétrica que tudo ficará ótimo. Ainda precisamos nos concentrar em algumas das soluções mais fundamentais.”
Os governos podem usar várias políticas para fazer as mudanças acontecerem, como criar incentivos e um novo sistema de impostos para veículos elétricos, desenvolver o transporte intermodal, construir faixas exclusivas para ônibus, ciclovias seguras e “zonas de baixa emissão”, sem carros, em bairros centrais.
Várias cidades já estão fazendo grandes mudanças. Oslo transformou as vagas de estacionamento do centro da cidade em ciclovias. Jacarta está investindo pesado em ônibus elétricos, adicionando ciclovias e melhores calçadas, e mudando as leis de habitação para distribuir melhor a densidade demográfica, a fim de que as pessoas não tenham que viajar tanto para trabalhar. A Cidade do México, outra cidade extensa, também está investindo em sua frota de ônibus e em infraestrutura para ciclistas e pedestres. “É algo que mesmo as cidades mais centradas no deslocamento feito por carro podem fazer”, conclui Thompson.