As big techs e o topa tudo por dinheiro

Precisamos assumir que o crime online via publicidade se tornou uma indústria lucrativa, da qual são sócias as maiores empresas de tecnologia do mundo

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Rose Marie Santini 2 minutos de leitura

Golpes e fraudes por meio de anúncios online é um problema grave e crescente. Em 2023, de acordo com relatório do FBI, os consumidores norte-americanos perderam US$ 12,5 bilhões devido a crimes cibernéticos, um aumento de 22% em relação ao ano anterior.

O relatório mostra que as táticas estão cada vez mais sofisticadas por meio de anúncios falsos em plataformas de redes sociais.

Apesar de os números demonstrarem o tamanho dessa indústria baseada em desinformação, eles não são precisos. Há pouca denúncia de fraudes online devido ao constrangimento de se assumir enganado e perder dinheiro.

Porém, qualquer um pode cair em um golpe. A vulnerabilidade para anúncios fraudulentos independe de inteligência, classe social, informação ou grau de escolaridade.

Qual é a responsabilidade das empresas de redes sociais em filtrar anúncios falsos e anunciantes maliciosos? Ora, seria fundamental que Facebook, Instagram, Youtube, Twitter (atual X), Tik Tok e todas as outras plataformas bloqueassem anunciantes fraudulentos.

Mas anúncios falsos geram a mesma receita que os anúncios legítimos. Por que iriam filtrar, se é lucrativo?

Quando falamos sobre a responsabilidade das big techs, precisamos entender que, para essas empresas, seus clientes são os anunciantes. Nós, as pessoas que usam as redes sociais, somos apenas o produto.

Nessa lógica, as plataformas online consideram que têm responsabilidade frente aos serviços que prestam na medida em que entregam aos seus clientes o que compraram: audiência baseada em dados pessoais. E por que não cuidam do usuário, ou seja, do produto? Porque há pouco incentivo econômico para isso.

Créditos: Armand Khoury/ Markus Spiske/ Unsplash

Vigilância é o modelo de negócios da internet. Por exemplo: Facebook e Google ganham dinheiro espionando seus usuários e usam informações pessoais para manipular o que cada um irá ver em suas plataformas. Em seguida, vendem o conhecimento que têm sobre nós para os anunciantes.

Esse modelo de negócios é bastante tóxico e tem impactos sociais negativos, como demonstra o relatório da Comissão Europeia sobre microssegmentação de publicidade online. Logo, torna-lo ilegal seria benéfico para a sociedade.

Porém, isso envolveria uma reformulação de como as empresas de tecnologia ganham dinheiro atualmente, o que é absolutamente improvável. Mas há muitas alternativas para solucionar esse problema.

Para as big techs, nós, as pessoas que usam as redes sociais, somos apenas o produto.

Por exemplo, podemos imaginar exigir que as big techs sejam transparentes em relação aos anúncios, anunciantes e algoritmos de recomendação, como ocorre atualmente na Europa. A partir da transparência, é possível criar mecanismos de fiscalização para proteção da privacidade e dos dados dos usuários, com penalidades para empresas que não cumprem.

Pode-se pensar também em redes sociais que se financiam com assinaturas e exigir que a publicidade possa existir desde que não seja personalizada, tal como acontece na mídia tradicional, que também vive de anúncios. Ou seja, muitos caminhos são possíveis para proteger o consumidor.

Mas, para avançarmos na solução desse problema é preciso consciência da sociedade e compromisso dos políticos e formuladores de políticas públicas em resistir ao lobby das big techs. Precisamos assumir que o crime online via publicidade se tornou uma indústria lucrativa, da qual são sócias as maiores empresas de tecnologia do mundo que topam tudo por dinheiro.


SOBRE A AUTORA

Rose Marie Santini é fundadora e diretora do Laboratório de Estudos da Internet e Redes Sociais da UFRJ (NetLab). saiba mais