Fim de carreira? Maturidade é boa hora para recomeço

Pesquisa mostra que 67,8% dos brasileiros com mais de 45 anos planejam transição de carreira

Crédito: Charday Penn/ iStock

Camila de Lira 10 minutos de leitura

Após décadas de experiência, uma carreira longa e de sucesso, muitos profissionais se deparam com uma pergunta inevitável: o que eu vou ser quando crescer?

Em um cenário no qual longevidade e flexibilidade estão redesenhando o conceito de carreira, profissionais experientes encontram-se em um momento de reavaliação, onde a maturidade se transforma em combustível para novas realizações e aventuras profissionais.

No Brasil, 80% dos profissionais com mais de 55 anos querem ter uma carreira mais longeva. Pesquisa feita pela consultoria Maturi mostra que quase 70% dos brasileiros com mais de 55 anos estão planejando ou passando por uma transição de carreira.

"Hoje, ninguém quer se recolher aos aposentos, quer ficar na sala", diz Morris Litvak, fundador e CEO da Maturi, plataforma líder no país para profissionais 50+ e colunista da Fast Company Brasil.

Até 2040, seis em cada 10 trabalhadores terão mais de 45 anos. Além disso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) projeta que, em 2040, a expectativa de vida média do brasileiro será de 81,5 anos. O que demanda mudanças na visão do momento de parar a carreira.

De acordo com Márcia Monteiro, fundadora da Geração Ilimitada, empresa especializada em estudos e pesquisa sobre longevidade, a "revolução 50+" transformará a sociedade e, por consequência, o mercado de trabalho.

"Se o `aposentar-se` não significa necessariamente parar de trabalhar, então estamos falando de novas formas de trabalho, novas formas de emprego, cargos diferentes, horários diferentes, modelos diferentes",  analisa.

Os brasileiros já estão se movimentando. De 2012 até 2023, o número de trabalhadores com mais de 60 anos passou de 4,9 milhões para 8,1 milhões. Também aumentou o número de pessoas maduras entrando cursos de graduação e prestando o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Segundo o Inep, 10 mil brasileiros 60+ se candidataram para o teste em 2023 – mais que o dobro do ano anterior.

a transição não é fácil, pois exige que a pessoa reavalie os marcos de carreira.

Em 2024, a Universidade Nacional de Brasília ofereceu 136 vagas de graduação voltadas para pessoas com mais de 60 anos: três mil candidatos apareceram.

As estruturas externas para essa transformação já estão na pauta do mercado, ainda que no início: horários flexíveis, ambientes diversos, modelos diferentes de liderança e ênfase em soft skills. O idadismo, ou etarismo, não é mais um assunto ignorado. Mas, e as estruturas internas? O que uma pessoa precisa desconstruir para se reconstruir?

UMA NOVA AGENDA

Acostumado com a agenda lotada de um CEO, Eduardo Gouveia foi pego de surpresa pelos horários "livres" em 2018. Um ano depois de deixar a presidência da Cielo, o executivo não sabia o que fazer com os slots sem reuniões, palestras, apresentações e almoços. 

Por 19 anos, Gouveia vivia a rotina de um C-level. Foi presidente da Cielo, da Alelo, da Multiplus. Com seus privilégios e dores. De um lado, o reconhecimento, o salário e os carros blindados. Do outro, as pressões constantes, o comprometimento total do tempo e a falta de controle da sua agenda.

Hoje, aos 60 anos, é investidor de uma dezena de startups. Não tem um escritório fixo, nem assistentes. "Estou na melhor fase da minha carreira", diz.

O salto não foi fácil. Em 2017, ele tinha 54 anos e a Cielo, companhia que ajudou a construir do zero, valia R$ 56 bilhões. Com o estresse em alta, o pai de duas filhas não tinha tempo para a família, nem para cuidar da saúde.

Eduardo Gouveia (Crédito: Divulgação)

Em um check-up, levou uma chamada do seu médico. Em casa, escutou das filhas e da esposa que precisava descansar. Bom na matemática, o executivo fez as contas e priorizou a longevidade.

A história de Gouveia se cruza com a de muitos brasileiros. Quase 50% dos profissionais maduros que estão reformulando a carreira procuram mais equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Já 57,8% dos trabalhadores maduros querem melhorar a saúde física e mental com a transição de carreira. 

A escolha de Gouveia de mudar de vida veio apesar dos temores. Um deles era, exatamente, a agenda "vazia", sem reuniões, sem interesse, sem propósito. Criado em um mercado no qual o nome da empresa e do cargo vinham primeiro que o seu, o executivo temia perder a relevância.  "Tinha muito medo de perder o sobrenome corporativo. Meu fantasma era o medo de ser esquecido completamente", confessa.

Depois de um ano de descanso, o agora ex-CEO encarou a agenda vazia com um objetivo: se aproximar do mercado de inovação. Com a carreira fundada em um setor tradicional e em hierarquias clássicas, o executivo não conhecia pessoas mais jovens do ecossistema de inovação.

Se a lógica do mercado ainda é o idadismo, procurar formatos diferentes de trabalho é uma forma de o profissional maduro se empoderar.

Com os dias livres, Gouveia passou a ir para o café do Cubo, o hub de inovação do Itaú Unibanco. Por ali ficava, das oito e meia da manhã ao meio dia. A presença diária e a personalidade expansiva de Gouveia ajudaram. Em pouco tempo, conheceu alguns dos frequentadores – basicamente, fundadores e funcionários de empresas iniciantes.

Os fundadores de startups que circulavam ali antes passaram a reconhecer o executivo da Cielo. Logo, começaram a puxar a cadeira para conversar. Em pouco tempo, a agenda de Gouveia encheu de jovens executivos pedindo conselhos, ajuda e sua visão sobre o mercado.

Um deles foi o fundador da PIN People, primeira startup na qual Gouveia investiu. Assim, o executivo foi promovido da mesa do café para o "mesão coletivo" do Cubo.

Naquele ambiente, entrou em contato com outras startups e ganhou algo de ouro para qualquer profissional em transição de carreira: a chance de fazer networking. Conhecer pessoas de "bolhas diferentes" amplia as chances de a pessoa se re-encaixar no mercado.

Crédito: Freepik

A especialista Márcia Monteiro lembra que a habilidade de fazer contatos e manter a rede de contatos é importante também para a pessoa continuar ativa e atualizada.

O networking intergeracional que Gouveia fez, é um esforço que traz benefícios para os profissionais com mais de 50 anos. O executivo conta que sentiu seu pensamento rejuvenescido. Para Márcia, a explicação é mais simples: "sem ampliar a minha rede de contatos, eu esgoto meu universo. O networking intergeracional fortalece habilidades".

Em seis meses, o executivo tinha portfólio de aportes em startups com uma condição inabalável: precisava mentorear o fundador também e participar do dia a dia da operação. Ou, como define, "sujar a mão de graxa". "Isso já faz seis anos. Estou investindo em 14 startups. E, olha, não fui esquecido, não. Estou me sentindo mais prestigiado", garante.

SEM JAULA E SEM CRACHÁ

Quando Eduardo Gouveia já tinha anunciado a saída do mundo corporativo, Denise Millan estava preparando a sua. No final de 2017, a executiva bateu o martelo e deixou de lado o cargo de vice-presidente de atendimento da agência Leo Burnett.

Há mais de 30 anos no mercado de comunicação, ela optou por sair em um momento surpreendente: tinha acabado de ganhar o prêmio Caboré, um dos mais prestigiados do mercado publicitário brasileiro.

Enquanto recebia o prêmio, Denise, que agora é mentora e escritora, entendia que o seu ciclo na publicidade tinha se encerrado. O que ela queria fazer? Não tinha ideia. Só tinha a certeza de que a área em que atuava não era mais a que queria. 

No Brasil, 80% dos profissionais com mais de 55 anos querem ter uma carreira mais longeva.

Levou alguns meses até anunciar a saída, já que ela estava estruturando uma reserva financeira para apoiar sua decisão. O planejamento financeiro é o primeiro passo da transição de carreira. E o mais complexo, considerando o cenário brasileiro.

De acordo com a pesquisa da Maturi, apenas 15% dos profissionais com mais de 45 anos têm um colchão financeiro adequado, que lhes proporcione tranquilidade para a transição.

De 2018 a 2020, Denise se dedicou aos estudos de neurociência. Fez mestrado sobre o assunto por puro interesse, não por objetivos profissionais. No final do mestrado, passou a dar sessões de mentoria.

No cruzamento da experiência que tinha como executiva com tudo que aprendeu de neurociência foi que encontrou o seu propósito. "A palavra está vulgarizada, mas não tem outra – é propósito, mesmo", brinca.

Denise Millan (Crédito: Divulgação)

Nesse processo, teve que passar por algumas desconstruções. Por dois anos, a escritora buscou quem era a Denise sem crachá. Se, por um lado, o fato de não representar mais um CNPJ deu liberdade a ela, por outro, a transição não foi simples. "A gente se define pela nossa profissão, pelo nosso cargo. Mas a gente é mais do que isso. Tive que repensar quem eu era além de publicitária", diz.

Uma quebra que, para muitos, pode ser cruel. A maturidade ajudou a executiva a não sair dos eixos. O constante aprendizado também. Se manter estudando e indo a eventos de mercados diferentes do seu, bem como viajar e passar um tempo no exterior, ampliaram os horizontes de Denise. Sem saber, a executiva praticava o "aprendizado contínuo", tão indicado para aqueles que querem mudar a vida profissional.

Agora com 60 anos, ela parte para novos redescobrimentos. Este ano, criou o projeto Eu Conto Com Elas, no qual mulheres compartilham suas histórias e experiências de transformação. "Tem que ir pensando que, em algum momento, você vai exercer a profissão de maneira diferente. E tudo bem. Envelheçam. Não tenho medo de envelhecer", diz.

MAS, E AGORA?

Do outro lado, o mercado de trabalho segue lento para responder à ânsia dos profissionais com mais de 50 anos. Estudo feito pela Labora, em conjunto com a consultoria Robert Half, mostra que 60% das empresas não tomaram medidas para reter profissionais com mais de 50 anos. No ano passado, esse indicador era de 71%.

Subiu de 30% para 40% o número de empresas que afirmaram que mais de 5% das suas contratações no último ano foram de talentos de 50+. Se a lógica do mercado ainda é o idadismo, procurar por formatos diferentes de trabalho é uma forma de o profissional maduro se empoderar.

Formatos como trabalho por projeto, com carga horária reduzida ou por cliente entram no horizonte. De acordo com Márcia Monteiro, da Geração Ilimitada, são novas formas de pensar o trabalho e de, ao mesmo tempo, valorizar a experiência.

a habilidade de fazer contatos e manter a rede de contatos é importante para a pessoa continuar ativa e atualizada.

Das companhias que implementaram esses modelos para contratar profissionais com mais de 50 anos, 88% relataram estar satisfeitas. Segundo Márcia, as empresas precisam aproveitar a experiência e as "cabeças pensantes" dos profissionais maduros.

"Com 60 anos, muitos executivos estão no auge. Pensa por quanto essa pessoa já passou, os problemas que resolveu, tombos que levou e levantou", aponta a especialista.

Um dos modelos que ela destaca é o do "talent as a service", ou seja, quando um executivo oferece seu serviço sob demanda para diferentes empresas. Alguns chamam o modelo de "executivo fracionado".

Crédito: Freepik

Nessa modalidade, startups e pequenas companhias conseguem ter, por algumas horas semanais, a experiência de um grande executivo. Em troca, o profissional tem a chance de oferecer o conhecimento para vários contratantes.

Ela ressalta que todos esses formatos são diferentes do que o que esta geração acreditava ser o modelo de sucesso. Por isso, a transição não é fácil, já que exige que a pessoa reavalie os marcos de carreira.

Denise faz mentorias para executivos que estão nesse momento de questionamento. Para ela, o que o profissional precisa encarar é mesmo olhar para dentro. "As pessoas precisam estar preparadas para entender a si mesmas, não o cargo, a empresa, o setor ou o chefe. Mas quem elas são", diz.

Para continuar se movimentando mesmo depois da sua transição de carreira, Eduardo Gouveia criou 10 mandamentos para guiar os seus próximos 30 anos de trabalho. São eles:

1. Aprender continuamente 

2. Estar cercado de gente que você admira

3. Reconhecer a importância dos erros e fracassos

4. Pode haver vida produtiva empreendendo

5. Sempre sentir que a utilidade é máxima

6. Gerar impacto e transformação no mundo

7. Conviver com os mais jovens rejuvenesce

8. Buscar diversidade de áreas e projetos

9. Cuidar das pessoas e das suas ideias

10. Precisa ser divertido

"Na minha lógica, quero continuar produtivo até, no mínimo, 85 anos", diz Gouveia.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais