Por que o negacionismo continua firme mesmo após catástrofes climáticas
Negar a crise climática não é apenas conveniente, é um mecanismo de defesa para muitas pessoas
Há cerca de um mês, enquanto os noticiários locais transmitiam imagens de um poderoso furacão que se aproximava da costa da Flórida, moradores que tiveram suas casas atingidas pelo furacão Helene apenas duas semanas antes acompanhavam aflitos. Com as temperaturas recordes no Golfo do México, o furacão Milton estava se intensificando e se tornando uma tempestade perigosa.
Em meio à tensão, várias pessoas tentavam deixar a região, causando congestionamentos nas estradas. As autoridades orientaram quem estava próximo à costa e ignorou os alertas de evacuação a escrever seus nomes no braço com tinta permanente, para facilitar a identificação caso o pior acontecesse.
Esses dois furacões foram os mais devastadores dos últimos anos e servem como lembretes claros dos eventos extremos que os cientistas há tempos alertam ser consequência das mudanças climáticas causadas pelo homem.
Ainda assim, muita gente continua negando o fato de que a crise climática é uma ameaça – ou que sequer exista. Com impactos tão visíveis e devastadores, como isso é possível?
A resposta pode estar em um aspecto peculiar da psicologia humana, especialmente na forma como lidamos com o medo gerado por ameaças existenciais. Para muitos, negar a crise climática não é apenas conveniente, é uma necessidade psicológica.
O antropólogo Ernest Becker, vencedor do Prêmio Pulitzer, descreve esse comportamento da seguinte maneira: “a ideia da morte, o medo dela, assombra o ser humano como nada mais... superá-la, negando-a de alguma forma, é o destino final do homem”.
Em outras palavras, Becker sugeria que a maioria das pessoas tem dificuldade em aceitar sua própria finitude e faz de tudo para negar a realidade como uma forma de evitá-la.
Nos anos 1980, psicólogos sociais desenvolveram a “teoria do gerenciamento do terror”, que explora as estratégias usadas para evitar entrar em contato com a ideia da morte. Centenas de experimentos testaram suas implicações.
Para algumas pessoas, reconhecer a crise climática implicaria abandonar suas crenças e ideologias.
Usando um método comum, participantes foram convidados a refletir sobre a própria finitude, enquanto grupos de controle pensavam em questões menos ameaçadoras, como dor de dente. A pergunta-chave: como a consciência da morte impacta as pessoas?
Quando confrontadas com a ideia da própria mortalidade, elas tendem a mudar de assunto rapidamente, afastando esse pensamento com distrações, racionalizações e outras táticas. Muitas evitam, por exemplo, exames médicos que poderiam revelar doenças graves, como o câncer, por medo dos resultados.
Mas a teoria do gerenciamento do terror sugere que, ainda que as pessoas não estejam conscientemente pensando na morte, ela ainda exerce influência. O inconsciente continua focado no problema, mesmo com as tentativas de suprimir o medo.
NEGACIONISMO CLIMÁTICO COMO MECANISMO DE DEFESA
Não é de se estranhar que, depois que a sensação de perigo iminente passa, os desastres climáticos logo desapareçam das discussões. Dados do Google Trends exemplificam isso: a previsão de tempestades na Flórida provocou um aumento nas buscas por “mudança climática” e “aquecimento global” dias antes dos furacões Helene e Milton.
Contudo, essas buscas caíram rapidamente conforme as pessoas desviaram sua atenção da ameaça. Infelizmente, por mais que tentemos ignorá-la, a crise climática não vai desaparecer.
Embora o negacionismo ajude a evitar sentimentos de angústia, a teoria do gerenciamento do terror sugere que negar a morte é só a ponta do iceberg. Para algumas pessoas, reconhecer a crise climática implicaria abandonar suas crenças e ideologias.
No entanto, ao serem confrontadas com a realidade, algumas tendem a se apegar ainda mais a essas crenças, como um mecanismo de defesa para lidar com a ameaça existencial.
Uma análise baseada nessa teoria indica que, para combater o negacionismo, é necessário desmontar as falsas narrativas que sustentam as ideologias que as pessoas consideram reconfortantes.
muita gente continua negando o fato de que a crise climática é uma ameaça – ou que ela sequer exista.
Como psicólogos, acreditamos que a luta contra a mudança climática deve ser vista não como uma batalha apocalíptica fadada ao fracasso, mas sim como um desafio moral e prático que podemos superar juntos.
O meteorologista Denis Phillips usou essa abordagem ao alertar sua comunidade sobre os furacões: suas atualizações nas redes sociais focavam em fatos, evitavam críticas políticas, incentivavam a solidariedade entre vizinhos e reforçavam a importância da preparação e resiliência.
Mudar a narrativa de impotência para o empoderamento e a ação coletiva pode ajudar as pessoas a encarar a mudança climática de uma forma que não gere as ansiedades existenciais que levam ao negacionismo – ajudando-as a enxergar um futuro possível, mesmo diante da crise.
Este artigo foi publicado no "The Conversation" e reproduzido sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.