O domínio da IA é inevitável? Este especialista em ética garante que não
O argumento do determinismo tecnológico em relação à inteligência artificial é exagerado e simplista
Se você tem acompanhado os debates sobre inteligência artificial nos últimos anos, provavelmente já deve ter ouvido que a IA é inevitável. Os argumentos mais comuns são que ela já faz parte do nosso dia a dia, é uma tecnologia indispensável e que não abraçá-la é um grande erro.
No mundo dos negócios, seus defensores afirmam que empresas e profissionais que não incorporarem a IA generativa em suas operações ficarão para trás. Na ciência, há quem acredite que ela ajudará a curar doenças até agora incuráveis.
Já na educação, o discurso é que, se os alunos não aprenderem a usá-la, não vão conseguir uma boa colocação no mercado de trabalho.
A mensagem em todos esses contextos é praticamente a mesma: o tempo do ceticismo em relação à IA já passou. Ela moldará o futuro, quer gostemos ou não. Ou aprendemos a usá-la, ou ficaremos para trás. Resistir à tecnologia é tão inútil quanto os artesãos do início do século 19 tentando frear o avanço dos teares mecânicos.
Nos últimos anos, meus colegas do Centro de Ética Aplicada da Universidade de Massachusetts e eu temos estudado as questões éticas que surgem com a ampla adoção da inteligência artificial. E acredito que o argumento da inevitabilidade é enganoso.
Na verdade, essa afirmação é a versão mais recente de uma visão determinista do desenvolvimento tecnológico. É a crença de que as inovações são inevitáveis uma vez que as pessoas começam a trabalhar com elas. Em outras palavras, alguns gênios não voltam para suas garrafas. O melhor que você pode fazer é usá-los para seus bons propósitos.
Essa abordagem determinista em relação à tecnologia tem uma longa história. Ela foi aplicada à influência da prensa tipográfica, assim como ao surgimento dos automóveis e à infraestrutura que eles exigem, entre outros desenvolvimentos. Mas acredito que, quando se trata de IA, o argumento do determinismo tecnológico é tanto exagerado quanto simplista.
IA NA TEORIA E NA PRÀTICA
Considere, por exemplo, a afirmação de que as empresas não podem se dar ao luxo de ignorar a IA. A verdade é que ainda não há provas de que ela esteja realmente gerando um aumento significativo de produtividade. Um relatório da “The Economist”, de julho de 2024, aponta que, até agora, o impacto econômico da inteligência artificial tem sido quase nulo.
O papel da IA na educação também é uma questão ainda em aberto. Embora as universidades tenham investido fortemente em iniciativas de inteligência artificial, as evidências sugerem que esse movimento pode ter sido precipitado.
A tecnologia pode ser uma ferramenta pedagógica interessante. Por exemplo, criar um chatbot que simule Platão, permitindo que os alunos conversem com uma versão virtual do filósofo, é uma aplicação fascinante.
Mas a IA já está começando a substituir algumas das melhores ferramentas que existem para desenvolver o pensamento crítico, como a escrita. A produção textual está perdendo espaço, já que muitos professores estão desistindo de avaliar se os alunos escrevem seus próprios textos. Nesse caso, qual é o custo-benefício de abandonar uma habilidade tão importante como a escrita?
Na ciência e na medicina, o uso da inteligência artificial parece promissor. O papel da tecnologia na compreensão da estrutura de proteínas, por exemplo, pode ser fundamental para curar doenças. Além disso, ela também está transformando a área de imagem médica e acelerando o processo de descoberta de novos medicamentos.
Mas o entusiasmo pode ser exagerado. As previsões da IA sobre quais casos de Covid-19 se tornariam graves falharam em grande parte. Ainda assim, muitos médicos têm confiado excessivamente na capacidade diagnóstica da inteligência artificial, às vezes em detrimento de seu próprio julgamento clínico. Mesmo nessa área em que ela se mostra promissora, seu real impacto ainda é incerto.
UM PASSO DE CADA VEZ
Avaliar o potencial e os riscos da IA nessas diferentes áreas exige um olhar crítico. Acredito que a inteligência artificial deve ser adotada de forma gradual e com uma abordagem ponderada, em vez de ser considerada inevitável. Para isso, é importante ter em mente dois pontos:
Primeiro, é de total interesse das empresas e dos empreendedores que desenvolvem modelos de IA que a tecnologia seja vista como inevitável e necessária, pois eles dependem de sua adoção para sobreviver. É essencial questionar quem está promovendo essa visão e por quê.
Essa abordagem determinista em relação à tecnologia tem uma longa história.
Segundo, vale a pena aprender com a história recente. Nos últimos 15 anos, os smartphones e as redes sociais se tornaram parte da vida cotidiana – tecnologias tão transformadoras quanto aparentemente inevitáveis.
Mas então surgiram dados sobre os impactos negativos nos adolescentes, especialmente em meninas. Escolas começaram a proibir o uso de celulares para proteger a saúde mental e a concentração dos alunos.
Após esse longo experimento com a saúde mental dos jovens, as pessoas começaram a desafiar a ideia do determinismo tecnológico. O que parecia inevitável provou ser dispensável. E ainda há tempo para evitar o mesmo erro com a IA, que pode trazer consequências ainda piores para a sociedade.
Este artigo foi publicado no “The Conversation” e reproduzido sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.