Mercado voluntário de compensação de CO2 está cheio de créditos sem valor
Indústrias de alta emissão, como petróleo, gás e transporte, utilizam uma quantidade mínima de créditos em comparação com suas pegadas de carbono
A venda de créditos de carbono se tornou um grande negócio à medida que mais empresas assumem compromissos climáticos que não conseguem cumprir por conta própria.
Ao comprar créditos de carbono, elas pagam para que um projeto reduza emissões de gases de efeito estufa em seu nome – por exemplo, através do plantio de árvores ou geração de energia renovável.
A ideia é que a redução das emissões, independentemente de onde ocorra, beneficie o clima global. Mas a qualidade dos créditos varia muito, e isso tem colocado em xeque a credibilidade de muitas dessas transações.
Diferentemente dos mercados regulamentados, nos quais empresas compram e vendem um número limitado de permissões emitidas por órgãos reguladores, os mercados voluntários de carbono têm poucas regras que podem ser aplicadas de forma consistente.
Investigações indicam que muitos projetos de créditos voluntários, especialmente os de gestão florestal, oferecem poucos benefícios reais ao clima, apesar de suas promessas.
Recentemente, meus colegas e eu realizamos a primeira análise sistemática e baseada em evidências do panorama global dos créditos voluntários usados por centenas de empresas de capital em todo o mundo.
Os resultados trazem à tona questões sobre a forma como algumas empresas utilizam esses créditos e colocam em dúvida a eficácia dos mercados voluntários de carbono – pelo menos em seu estado atual – para ajudar na transição global para emissões líquidas zero.
Nossa análise mostra que o mercado global de créditos de carbono expandiu e passou a incluir uma grande variedade de projetos. Alguns geram energia renovável, contribuem para a construção de residências e aparelhos eficientes em termos de energia ou capturam e armazenam carbono. Outros preservam florestas e áreas de pastagem. A maioria está localizada na Ásia, África e nas Américas, mas também existem iniciativas em outras regiões.
As empresas utilizam esses projetos para reforçar suas declarações ambientais e atrair investidores, clientes e apoio de diferentes grupos. Esse uso disparou, passando de quase zero em 2005 para cerca de 30 milhões de toneladas de compensação de carbono por ano em 2022.
Em 2023, o banco de investimentos Morgan Stanley previu que o mercado voluntário de créditos de carbono chegaria a aproximadamente US$ 100 bilhões até 2030 e a cerca de US$ 250 bilhões até 2050. Em nossa análise, examinamos 866 empresas de capital aberto que usaram créditos de carbono entre 2005 e 2021.
a qualidade dos créditos varia muito, o que tem colocado em xeque a credibilidade de muitas transações.
Os resultados revelam um padrão peculiar: setores de baixa emissão, como serviços e finanças, usam créditos de forma muito mais intensiva. Algumas empresas utilizaram créditos para praticamente todas as reduções de emissões que declararam. Por outro lado, indústrias de alta emissão, como petróleo, gás e transporte, utilizam quantidades mínimas de créditos em relação às suas pegadas de carbono.
Esses dados lançam dúvidas sobre a real capacidade dos mercados voluntários de reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa e levantam questões sobre as motivações das empresas ao usar esses créditos.
CORRIGINDO O MERCADO VOLUNTÁRIO PARA O FUTURO
Nossas descobertas têm implicações importantes, considerando que legisladores e reguladores estão discutindo regras para os mercados voluntários de carbono.
Os dados sugerem que esses mercados estão inundados com créditos baratos e de baixa qualidade, provavelmente devido à falta de diretrizes e regulamentações que garantam a transparência e a autenticidade dos projetos. Essa ausência de regras pode também incentivar o uso de créditos de baixa qualidade.
Desde que o Artigo 6 do Acordo de Paris definiu princípios para os mercados de carbono e formas de cooperação entre países para atingir metas climáticas, chegar a um consenso sobre a implementação desses princípios tem sido um desafio.
Para que esses mercados sejam bem-sucedidos, os negociadores precisam estabelecer critérios claros sobre a elegibilidade dos projetos, padrões de divulgação de informações, entre outras questões.
Em abril de 2024, a SBTi, principal órgão global para metas climáticas corporativas baseadas na ciência, deu um novo impulso a essa discussão ao anunciar que permitirá que empresas utilizem créditos de carbono para compensar emissões nas suas cadeias de suprimentos.
O Artigo 6 e os padrões para créditos de carbono estão entre os temas da conferência do clima da ONU deste ano, a COP29. Com diversos segmentos dos mercados voluntários enfrentando dificuldades, este evento pode ser decisivo para que os créditos voluntários se tornem uma solução viável para a descarbonização no futuro.
Este artigo foi publicado no “The Conversation” e reproduzido sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.