Tecnologia e dança se unem para trazer a ancestral arte da caligrafia ao palco
Um coreógrafo e um artista audiovisual trazem à vida o trabalho da famosa calígrafa Tong Yang-Tze. No palco
Se você fosse desenhar uma linha do tempo da civilização humana, provavelmente colocaria a caligrafia no início e os robôs no final. Mas, no início deste mês, esses dois extremos convergiram no mesmo palco.
Uma performance fascinante aconteceu no Lincoln Center, em Nova York, e no Bass Concert Hall, em Austin (Texas). Intitulado Ink, o show reuniu 11 bailarinos – 13, se você contar os dois robôs no palco – para uma apresentação multimídia na qual os dançarinos balançavam os braços, lançavam as pernas e dobravam os corpos para imitar as pinceladas da renomada calígrafa taiwanesa Tong Yang-Tze.
Enquanto os dançarinos se apresentavam no palco, uma série de traços de pincel holográficos aparecia na frente deles, como um dueto mudo entre corpo e tecnologia.
Tong é famosa por suas colaborações interdisciplinares com arquitetos, estilistas e até músicos. Seus traços podem ser encontrados em estações de trem em Taipei, em livrarias e até no carimbo do seu passaporte quando você chega a Taiwan.
Para Ink, ela colaborou com o coreógrafo taiwanês Huang Yi, conhecido por trabalhar com robôs, e com o artista audiovisual japonês Ryoichi Kurokawa. Mas fez questão de se distanciar do processo e se recusou a ver o show até a estreia. “Ela nos deu muita liberdade e espaço para mostrar nosso trabalho”, diz Huang.
Ink está em desenvolvimento há cerca de três anos, mas a ideia por trás do espetáculo já existia há muito tempo. Huang diz que Tong o procurou pela primeira vez há 10 anos, depois de ver outro de seus shows, o Under the Horizon.
Ela perguntou se ele consideraria dar vida à sua caligrafia, mas o coreógrafo não se sentiu à altura. “Era muito jovem, então pedi que ela esperasse um pouco até que eu estivesse preparado”, diz ele. Só em 2020 Huang começou de fato.
A equipe decidiu focar no trabalho abstrato de Tong e se propôs a digitalizar todas as suas obras. Eles desmembraram cada traço em pixels digitais, que foram projetados de três ângulos diferentes e em três superfícies diferentes: uma tela no fundo do palco, uma tela translúcida na frente do palco e o próprio chão do palco.
Essa abordagem resultou em um espetáculo holográfico onde, além das linhas projetadas no chão e em uma tela atrás do palco, pinceladas aparentemente tridimensionais também pareciam flutuar no ar entre os dançarinos e o público.
Às vezes, as linhas se dispersavam, distorciam ou desapareciam ao ritmo da trilha sonora eletrizante da apresentação. E às vezes parecia que eram os dançarinos que as estavam desenhando apenas com o movimento de seus corpos. Na verdade, o show é todo pré-programado e o que parece uma interação em tempo real é apenas sincronização.
Huang consultou Tong uma vez, principalmente para pedir que ela desenhasse algumas linhas retas especificamente para o show. Uma dessas linhas se tornou uma característica chave durante a dança com dois robôs da empresa de robótica Kuka. O coreógrafo programou ambos e deu a cada um deles um longo bastão, inspirado em uma prática de arte marcial.
Ele então subiu ao palco e dançou com as máquinas, lentamente, suavemente, até abrir os braços e alinhá-los com os bastões horizontais dos dois robôs. Enquanto a linha horizontal de Tong aparecia na tela atrás dele, Huang e os robôs formaram sua própria linha reta.
Pode parecer estranho para uma apresentação de dança incluir robôs, mas, ao trazer tecnologia de ponta para um ofício antigo, Huang diz que queria fazer a ponte entre o passado e o presente. A esperança final, diz ele, é que o show mude a percepção das pessoas sobre a caligrafia, de uma forma de arte tradicional que pode parecer enfadonha ou chata, para algo que transcende o tempo – e talvez até a página.