Como a indústria de petróleo e gás busca sequestrar a discussão na COP29

Na conferência do clima da ONU, mais de 1,7 mil lobistas forçam acesso à mesa de negociações

Crédito: COP29

Kathy Mulvey e Union of Concerned Scientists 5 minutos de leitura

A presença da indústria de combustíveis fósseis nas negociações climáticas da ONU deste ano em Baku, no Azerbaijão, tem sido ao mesmo tempo disfarçada e escancarada. Mais de 1,7 mil lobistas, incluindo líderes de algumas grandes companhias de petróleo e gás, ganharam acesso às negociações, muitos como convidados do país anfitrião.

O número supera os de quase todas as delegações nacionais. A presença desses participantes ameaça sufocar as vozes das nações do Sul Global – sem mencionar os povos indígenas, jovens, mulheres e outros que sofrem de maneira desproporcional os impactos das mudanças climáticas.

O acesso da indústria aos líderes das negociações levanta questões sobre como a COP29 vai se manter no caminho rumo à meta de aumentar o financiamento climático necessário e promover uma transição rápida e justa para a energia limpa.

Ainda mais alarmante, a influência da indústria de combustíveis fósseis nas COPs está profundamente enraizada e vai além do lobby. Temos visto isso na COP29 com o greenwashing por parte das empresas e associações comerciais, com a deturpação do que a ciência considera necessário para enfrentar a crise climática e com a redução das metas por conta da influência dos defensores dos combustíveis fósseis.

Para ajudar as partes a se libertarem do domínio desses interesses, temos aqui um guia sobre como exatamente a indústria de combustíveis fósseis está tentando cooptar as negociações climáticas – e um apelo aos líderes mundiais para resistirem a esse assédio.

1. Mostrando força pela quantidade

No final da semana passada, a coalizão Kick Big Polluters Out (algo como Expulse os Grandes Poluidores, em tradução livre) revelou que pelo menos 1.773 lobistas do setor de combustíveis fósseis receberam acesso à COP29, superando quase todas as delegações nacionais presentes nas negociações.

É uma presença significativa para um setor que é o principal responsável por impulsionar as mudanças climáticas, e maior do que todos os delegados dos 10 países mais vulneráveis ao clima juntos (que somam 1.033 credenciados).

2. Ganhando acesso aos mais altos níveis

Os chefes de várias grandes corporações de petróleo e gás – Aramco, BP, ExxonMobil, TotalEnergies – estão na lista de registro provisória como convidados do país anfitrião. Darren Woods, presidente e CEO da ExxonMobil, foi convidado a falar em uma reunião de alto nível convocada pela presidência da COP29.

Crédito: COP29

Esse é o mesmo Woods que desencorajou o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, a retirar os Estados Unidos do acordo climático de Paris, dizendo: "o modo de influenciar as coisas é participar, não sair."

3. Recusando-se a contribuir com recursos

De acordo com um novo relatório encomendado pela Câmara de Comércio Internacional, os eventos climáticos extremos custaram à economia global mais de US$ 2 trilhões na última década.

Esta é a mesma Câmara de Comércio Internacional cuja delegação na COP29 inclui 33 lobistas da indústria de combustíveis fósseis, e cujo braço dos EUA promove a agenda anticlima da indústria de petróleo e gás.

As companhias de combustíveis fósseis não deveriam ter assento na mesa de negociações.

No início deste ano, o Azerbaijão, país anfitrião da COP29, anunciou um Fundo de Ação para o Financiamento Climático, a ser capitalizado com US$ 1 bilhão em contribuições voluntárias de países produtores de combustíveis fósseis e empresas de petróleo, gás e carvão. No entanto, o lançamento do fundo foi adiado discretamente.

O adiamento é uma pequena vitória para os que criticaram a iniciativa como uma forma de fugir do compromisso dos Estados Unidos e de outras nações ricas de fornecerem pelo menos US$ 1 trilhão por ano em doações ou empréstimos a juros muito baixos.

4. Manobrando para obter mais lucros

Ao mesmo tempo em que continuam seus esforços para atrasar a necessária eliminação de petróleo, gás e carvão da matriz energética, os lobistas da indústria de combustíveis fósseis tentam cooptar a transição para energia limpa ao exigir subsídios dos governos para tecnologias que, provavelmente, não terão papel relevante no cumprimento das metas climáticas de 2030.

5. Desviando a atenção e sequestrando a conversa

A presença da indústria de combustíveis fósseis pode ser percebida por todo lado:

- A presidência da COP29 contratou a Teneo, agência de relações públicas com fortes ligações com a indústria de petróleo e gás, para melhorar sua imagem antes das negociações.

- A Carta de Descarbonização do Petróleo e Gás – iniciativa voluntária lançada na COP28 por companhias de petróleo e gás e condenada por centenas de organizações da sociedade civil como uma manobra de greenwashing – ressurgiu na COP29, embora tenha conseguido pouca visibilidade ou progresso ao longo do último ano.

- Eventos no pavilhão de negócios foram patrocinados por companhias de petróleo e gás como Chevron, ExxonMobil, Socar e TotalEnergies.

Crédito: COP29

Juntei inúmeros exemplos de greenwashing corporativo. Vi outdoors alardeando o gás natural como "o mais limpo dos hidrocarbonetos", dezenas de alegações de "emissão zero" e cartazes promovendo o uso de tecnologias problemáticas em detrimento de soluções climáticas comprovadas.

COMO SUPERAR A INFLUÊNCIA DO LOBBY

As companhias de combustíveis fósseis e seus representantes não deveriam ter assento na mesa de negociações onde as políticas climáticas estão sendo discutidas.

Empresas como BP, Chevron, ExxonMobil e Shell, que têm se engajado em uma campanha de décadas para enganar o público e os formuladores de políticas e para bloquear ou atrasar as ações contra a mudança climática, têm mostrado repetidamente que não são confiáveis como participantes de boa fé.

A Union of Concerned Scientists (União dos Cientistas Preocupados) e nossos aliados continuarão a fazer pressão junto aos governos e a trabalhar com investidores conscientes para forçar as corporações a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e alinhar sua atuação com seu declarado apoio ao Acordo de Paris.

À medida que as nações enfrentam desinformação crescente e mudanças políticas drásticas em relação ao clima, a COP29 tem a oportunidade de mostrar ao mundo que a diplomacia continua sendo um meio vital para enfrentar a crise climática.


SOBRE O AUTOR

Kathy Mulvey lidera o desenvolvimento estratégico da campanha de responsabilidade corporativa climática da Union of Concerned Scientis... saiba mais