O que deu errado na comunicação da crise climática ao grande público
O foco apenas em limitar o aumento da temperatura média global a 1,5ºC não impediu a crise climática. O que fazer para comunicar melhor essa questão?
Em 2015, na COP21 em Paris, os líderes internacionais estabeleceram uma meta: limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Na década que se seguiu, essa meta se tornou um grito de guerra e um verdadeiro lema da ação climática. Em várias conferências das Nações Unidas, essa meta foi transformada em um apelo para “manter vivo o objetivo de 1,5ºC”.
Mas parece que essa mensagem não foi das mais bem-sucedidas. Já se passou quase uma década desde que a meta foi anunciada pela primeira vez e, mesmo assim, as emissões de gases de efeito estufa continuaram aumentando. 2024 está prestes a se tornar o ano mais quente já registrado.
No início de novembro, cientistas do Serviço de Mudanças Climáticas Corpenicus (C3S), que faz parte do Programa de Observação da Terra da União Europeia, anunciaram que era “praticamente certo” que 2024 seria o primeiro ano a ultrapassar 1,5ºC de aquecimento (em comparação com os níveis pré-industriais). “Isso representa um novo marco nos registros de temperatura global”, disse Samantha Burgess, vice-diretora do C3S.
Esse relatório foi divulgado antes da conferência climática COP29 no Azerbaijão e, mesmo assim, a promessa de 1,5ºC prevaleceu nas negociações. Essa incompatibilidade pode ser parte do motivo pelo qual tantas pessoas ainda não acreditam nas mudanças climáticas ou não têm um senso de urgência em relação a elas.
1,5ºC É UMA META, MAS NÃO FUNCIONA COMO MENSAGEM
Para John Marshall, da empresa de marketing sem fins lucrativos Potential Energy Coalition, essa insistência em falar sobre 1,5ºC de aquecimento é um problema claro de comunicação, que atrasa o movimento climático.
Marshall foi um executivo de marketing que trabalhou para empresas como Walmart e Bank of America. Ele fundou sua organização sem fins lucrativos para discutir as mensagens sobre as mudanças climáticas.
“Já faz algum tempo que sabemos do problema científico, mas as pessoas comuns não sabem muito bem a extensão do problema humano”, diz ele. “Há uma lacuna muito grande. Por isso, não tivemos a necessária boa vontade do público em relação a essa questão.”
É bom que os líderes tenham a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC, já que não é possível progredir sem um objetivo. O problema de se fixar uma meta é que ela cria a impressão de uma coisa binária.
“A mudança climática não é algo binário”, diz Marshall, observando que se fala em 1,5ºC como se fosse necessário evitar essa marca, caso contrário... Mas o fato é que o mundo não vai acabar imediatamente quando atingirmos 1,5ºC de aquecimento global.
“O planeta está aquecendo gradualmente. Portanto, se atingirmos 1,5ºC, é ruim. Se for 2,5ºC, é péssimo. Se for 3ºC, é horrível”, diz ele. O que essa forma de transmitir a mensagem acaba fazendo é minimizar a crise: se atingirmos 1,6ºC de aquecimento e o planeta ainda estiver de pé, isso dará combustível aos negacionistas.
“Uma das coisas que você lê em blogs conservadores sobre o movimento climático é: ' eles vêm dizendo que vamos morrer há muito tempo, mas ainda estamos bem'”, diz Marshall.
MENSAGEM TEM QUE TOCAR A VIDA DAS PESSOAS
Para fazer com que as pessoas entendam a ameaça da mudança climática e realmente ajam, o executivo diz que precisamos pensar mais sobre como motivá-las. Ele defende metas relacionadas à poluição, em vez de temperatura, que podem ser mais fáceis de compreender.
A poluição é algo com o qual as pessoas podem se conectar e se envolver diretamente. Elas podem trabalhar para implantar melhores práticas em seu trabalho ou defender algo como o controle de congestionamentos em sua comunidade. Falar somente sobre graus de temperatura não permite que a conversa sobre o clima chegue a esse nível de ação individual.
Se alguém quiser motivar a ação em relação às emissões do transporte, não deve falar sobre a proibição de carros a gás – outra visão binária que pode alienar as pessoas. Marshall defende que é possível chegar ao mesmo objetivo dizendo: “vamos reduzir as emissões de escapamento em 4% ao ano”.
A mudança climática não é algo binário. O mundo não vai acabar imediatamente quando atingirmos 1,5ºC de aquecimento global.
“Essa é uma maneira muito mais eficaz de se comunicar com o público. Ninguém discordaria de uma redução na poluição. A inclinação da curva precisa ser comunicada, mais do que o ponto final”, diz ele. O problema da mudança climática é gradual e, portanto, as soluções também devem ser.
Ouvir apenas “mantenha a meta de 1,5ºC viva” não explica as consequências de não fazer isso. Além disso, de maneira geral, as mensagens sobre o clima não falam sobre as consequências de um jeito fácil de entender. Também não enfatizam a irreversibilidade das mudanças climáticas.
Com relação à poluição física, o plástico pode ser retirado dos rios, mas a poluição por carbono permanece na atmosfera, contribuindo para o aquecimento. Mencionar o aquecimento “irreversível” poderia, então, ser uma das frases mais importantes que qualquer pessoa que esteja falando sobre mudanças climáticas utiliza para reforçar a urgência.
“Cada quantidade extra de poluição que é gerada cria um superaquecimento irreversível... que causa danos às nossas comunidades, aos nossos bolsos, às taxas de seguro residencial e a todos esses tipos de coisas. Precisamos agir agora, porque tudo o que fazemos é irreversível”, ele conclui.