O homem que criou a world wide web quer que você seja dono dos seus dados

Imagine um mundo em que você tem total controle sobre seus dados online. Tim Berners-Lee está buscando tornar isso realidade

Crédito: Steve Johnson/ Unsplash

Harry McCracken 3 minutos de leitura

De certa forma, o atual projeto de Tim Berners-Lee é ainda mais ousado que o primeiro – mesmo que este tenha mudado a história.

Quando ele criou a world wide web, em 1989, não havia um sistema consolidado de compartilhamento de informações para competir com a sua ideia. Na época, a internet era usada apenas por governos e instituições acadêmicas. Sem a web, é provável que ela jamais tivesse atingido a popularidade e a importância global que tem hoje.

Agora, o Solid, o principal foco de Berners-Lee nos últimos anos, propõe reverter décadas de práticas consolidadas de armazenamento de dados online.

Desde os anos 1990, ao acessar um site, aceitamos que nossos dados sejam espalhados por diferentes plataformas. Muitas empresas, no entanto, não têm sido responsáveis o suficiente com essas informações, expondo-as a ataques hackers e usando-as para fins questionáveis.

O Solid vem para mudar isso. Trata-se de uma tecnologia que permite armazenar diferentes tipos de informações – desde registros financeiros até e-mails e fotos – em um repositório privado na nuvem, chamado pod (abreviação de “personal online data store”, ou “repositório pessoal de dados online”).

Empresas que quiserem acessar seus dados precisarão pedir permissão. Você decide o que será compartilhado e ninguém poderá usar suas informações livremente – como, por exemplo, para treinar algoritmos de inteligência artificial.

Em 2018, Berners-Lee e John Bruce fundaram a startup Inrupt para comercializar a plataforma. A ideia é brilhante, mas exige a adesão de muitas partes, incluindo empresas de tecnologia que lucram com a coleta de dados e não têm interesse em abrir mão desse controle.

Embora o Solid ainda não tenha causado uma transformação global, Berners-Lee e Bruce continuam buscando formas de acelerar seu desenvolvimento. Um grande passo foi dado em outubro, quando a Inrupt transferiu a coordenação geral do projeto para o Open Data Institute (ODI), uma organização sem fins lucrativos cofundada por Berners-Lee em 2012.

Tim Berners-Lee (Crédito: Wikimedia Commons)

Segundo ele, o Solid chegou a um ponto em que a estrutura e as conexões do ODI podem acelerar o avanço do projeto. “Era basicamente um grupo de pessoas colaborando no GitHub, mas agora precisa de uma coordenação centralizada”, ele explica.

“O Open Data Institute, que já trabalha com dados públicos, corporativos e compartilhados, reconhece que o espectro de dados inclui dados pessoais e, agora, está liderando o movimento Solid.”

Em julho, a Inrupt lançou uma plataforma de carteira digital baseada no software. A escolha do termo foi estratégica: todos já conhecem carteiras digitais como Apple Wallet e Google Wallet, que facilitam o gerenciamento de cartões, passagens e ingressos.

O Solid é uma tecnologia que permite armazenar informações em um repositório privado na nuvem, chamado pod.

“Costumávamos dizer às pessoas: ‘você terá um pod Solid’, e elas ficavam confusas”, conta Bruce. “Agora dizemos que terão uma carteira digital e elas respondem: ‘legal! E por que ela é diferente da Apple?’”

Mas a ambição da Inrupt vai muito além de ser apenas uma versão “aberta” das carteiras digitais existentes. Hoje, os usuários dependem da Apple e do Google para obter novos recursos. Com o Solid, ninguém ficaria preso a uma única empresa. Qualquer pessoa poderia desenvolver aplicativos sobre a plataforma, criando inovações que nem imaginamos.

Para que essa tecnologia tenha um impacto real, será necessário integrá-la aos sistemas operacionais. E as chances de a Apple e o Google abrirem mão de suas carteiras parecem remotas, mas Berners-Lee está otimista.

Ele lembra que sua visão para a web em 1989 prevaleceu porque os navegadores acabaram adotando os mesmos padrões. “Com o HTML, houve muita disputa, mas no final todos chegaram a um consenso”, ele observa. “Hoje, tanto o Safari quanto o Chrome utilizam o mesmo HTML.”

Mas não se trata apenas de conseguir a adesão de alguns gigantes da tecnologia. A Inrupt quer permitir que muitas organizações hospedem dados de carteiras digitais, promovendo a competição por políticas que agradem aos usuários: “Você pode escolher um provedor para garantir que seus dados não sejam usados para treinamento de IA”, diz Berners-Lee.

Mesmo que o Solid não resolva todos os problemas, ele tem o potencial de trazer mudanças significativas. E essa iniciativa não é apenas um sonho distante: ela vem do próprio criador da web, tentando resgatar o idealismo original da internet, centrado no usuário. Como não torcer para que isso aconteça?


SOBRE O AUTOR

Harry McCracken é editor de tecnologia da Fast Company baseado em San Francisco. Em vidas passadas, foi editor da Time, fundador e edi... saiba mais