Por dentro da “conspiração” que nos incentiva a consumir cada vez mais

O documentário “A Conspiração Consumista”, da Netflix, defende que as empresas deveriam se responsabilizar pelo descarte de seus produtos

Crédito: Netflix

Joseph Bartlett 6 minutos de leitura

As últimas semanas do ano são sempre um período especial – para fazer compras. Mas será que todas essas compras deixarão as pessoas mais felizes? Provavelmente não. Pesquisas sugerem que a euforia que sentimos ao comprar coisas é efêmera; desaparece rapidamente e serve apenas para alimentar o desejo de comprar mais.

Talvez o maior perdedor no ciclo de consumismo, no entanto, seja o planeta. Escondidos nos preços baixos das ofertas relâmpago estão os custos para clima e o o meio ambiente, na forma de extração de matérias-primas, poluição e desperdício (quando os produtos são, eventualmente, descartados). Segundo algumas estimativas, a indústria varejista é responsável por um quarto das emissões globais de gases de efeito estufa.

A internet está repleta de blogs e artigos de opinião que afirmam que os consumidores são os culpados – que “nossa necessidade de comprar está arruinando o planeta.” Mas Flora Bagenal, produtora de um novo documentário da Netflix chamado "A Conspiração Consumista", acha que essa é uma acusação injusta.

Por que as pessoas comuns deveriam se sentir culpadas quando fabricantes e varejistas fazem tudo ao seu alcance para aumentar o ritmo de consumo? Essas empresas fazem produtos para se desgastarem rapidamente, prometendo que a reciclagem vai manter o planeta limpo. Seus anúncios são engenhosamente criados para tornar o impulso de compra quase irresistível – tudo isso enquanto repassam o custo ambiental para o consumidor.

Sem usar explicitamente o termo "compre agora" (nome original do documentário em inglês, "Buy Now!"), a obre defende um paradigma alternativo chamado “princípio do poluidor pagador,” que sustenta que as empresas – e não os consumidores – devem ser responsabilizadas financeiramente por lidar com o lixo que geram.

A Grist, organização de mídia sem fins lucrativos, conversou com Flora Bagenal sobre o documentário e sobre como ela e sua equipe de produtores executivos transmitiram o princípio do poluidor pagador para o público em geral.

Grist – Qual foi sua motivação para produzir um documentário sobre o consumo excessivo e o papel das grandes empresas em transformar isso em uma crise?

Flora Bagenal – Sabíamos que o problema do desperdício era um grande problema, mas estávamos preocupados em acabar fazendo algo deprimente, que as pessoas rejeitassem. Assim, aos poucos, nossa visão evoluiu para deixar de lado as pilhas de lixo e os aterros sanitários. Pensamos: de onde vem tudo isso?

Ao começar a refazer o caminho contrário, percebemos que qualquer filme sobre desperdício realmente precisa ser sobre quem está fazendo as coisas que são desperdiçadas. Isso foi uma revelação para nós. Percebemos que poderíamos contar a história de forma um pouco diferente e endereçar as empresas que não estavam sendo responsabilizadas.

Grist – Por que você acha que as estratégias das empresas merecem ser chamadas de conspiração?

Flora Bagenal – Bem, não existe uma mesa onde esses executivos imaginários se sentaram, decidiram fazer isso e depois impuseram isso ao mundo.

Mas a conspiração vem do fato de que não há como você trabalhar para uma dessas empresas e não saber a verdade: que, enquanto estamos aqui tentando fazer o nosso melhor, nos sentindo culpados e nos perguntando o que podemos fazer, essas grandes empresas estão bem cientes do impacto que têm no planeta e ainda não estão fazendo o suficiente.

Se eu for à loja e decidir não comprar um pote de iogurte porque ele pode não ser reciclado, nada vai mudar. Mas, se uma empresa como Adidas, Amazon ou Apple realmente decidisse vender menos produtos ou fazer um produto que durasse três vezes mais, então alguma coisa mudaria.

Grist – A proposta que você descreve – de que os poluidores devem pagar por sua poluição – tem sido popularizada entre os especialistas em políticas como “responsabilidade estendida do produtor” (REP). Quais estratégias vocês usaram para tornar essa ideia mais acessível?

Flora Bagenal – A REP é realmente popular em círculos de organizações não governamentais e negócios, mas sentimos que seria muito difícil de comunicar esse conceito em um filme e fazer as pessoas se importarem. Passamos muito tempo tentando formatar isso em algo que parecesse tão óbvio, que fosse difícil de contestar.

Na verdade, foi Erik Liedtke, ex-executivo da Adidas, que acertou em cheio no final. Ele disse: “pare de colocar isso nas nossas costas [dos consumidores], pare de nos dizer que é nossa responsabilidade. Você produz essas coisas, você precisa se responsabilizar por elas após serem descartadas.”

Também chamamos o documentário de "Compre Agora!" [título em inglês] para abordar aquele momento em que você aperta o botão e decide dar seu dinheiro a uma empresa. Essa transação é a parte que gera dinheiro, é a parte que interessa à indústria.

Mas, uma vez que você pressiona “compre agora”, sem saber está fazendo um contrato você agora é o responsável por essa coisa, e ela é sua responsabilidade até você descartá-la. Aí ela se torna responsabilidade de todo o mundo. O único que não é mais responsável é a empresa.

Grist – Vários países e estados dos EUA aprovaram leis de REP, e grupos ambientais apresentaram algumas propostas ambiciosas para novas leis. Mas qual é a solução mais ampla que essas políticas deveriam abordar?

Flora Bagenal – Há muitas coisas boas que as empresas estão fazendo. A indústria da moda, em particular, adotou a ideia de REP, e algumas empresas de bens de consumo, como a Coca-Cola, falam sobre isso. Acho que isso é muito importante como uma ferramenta para os governos responsabilizarem as empresas e fazê-las compartilhar os custos dos impactos ambientais.

essas grandes empresas estão bem cientes do impacto que têm no planeta e ainda não estão fazendo o suficiente.

Mas isso não resolve o problema por completo. Acho que todos ainda precisamos comprar menos coisas e as empresas precisam produzir menos coisas. É bom taxá-las pelo fim da vida útil dos produtos, mas isso não elimina o fato de que a redução é o objetivo final.

Grist – Apesar de tudo que você descreve sobre a responsabilidade corporativa pelo clima e pela poluição ambiental, ainda pode ser difícil para as pessoas imaginarem como resistir além das ações individuais – por exemplo, comprar menos. Como você espera que os espectadores ajam?

Flora Bagenal – Não comprar não precisa ser apenas renunciar a algo. É bastante satisfatório como um ato de resistência pensar: “sabe de uma coisa? Não vou gastar meu precioso tempo e dinheiro nesta empresa. Não preciso de outro casaco.”

Mas as pessoas em quem realmente penso são aquelas que estão trabalhando dentro das empresas e se sentem culpadas há muito tempo. As pessoas que sentem que há algo errado e tentaram mudar, mas ninguém ouviu, ou que não estão no emprego certo e poderiam usar seu tempo e energia para fazer algo mais construtivo. São essas pessoas que eu adoraria que assistissem ao filme e mudassem de ideia.

Já vimos algumas reações de pessoas que trabalham em publicidade que basicamente disseram: “vendemos essas porcarias para você, é isso que fazemos o dia todo. E todos nos sentimos muito mal com isso.”

Eu adoraria se algumas pessoas vissem isso e aproveitassem a oportunidade para dizer: “eu posso fazer melhor do que isso.”

Este artigo foi originalmente publicado pela Grist, uma organização de mídia independente e sem fins lucrativos dedicada a contar histórias de soluções climáticas.


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