IA e o futuro da publicidade: velha miopia com nova roupagem

Precisamos entender como a IA pode melhorar os fluxos de trabalho, mas também como ela impacta o comportamento e as preferências dos consumidores

Crédito: Rawpixel

Alexandre Kavinski 4 minutos de leitura

Transformações tecnológicas muitas vezes são imprevisíveis e não lineares, evoluindo de maneiras que refletem avanços cumulativos ao longo do tempo. As tecnologias se constroem continuamente umas sobre as outras, e seu impacto em disciplinas como marketing e publicidade é significativo.

Desde a introdução dos computadores nos anos 1980, passando pelo advento da internet, o surgimento do software como serviço (SaaS, na sigla em inglês), a nuvem, a internet móvel, as redes sociais e agora a IA — cada onda de inovação moldou profundamente a indústria. A interação dessas tecnologias demonstra que a mudança não é isolada, mas cumulativa, com cada etapa preparando o terreno para o próximo salto.

Nos primórdios da internet, a maioria das agências não conseguiu se adaptar adequadamente. Elas a enxergaram apenas como uma ferramenta no lugar de reconhecer a profunda transformação cultural que estava transformando a sociedade e o comportamento do consumidor.

As agências, em grande parte, ignoraram como a internet estava fragmentando audiências, reformulando dinâmicas sociais e mudando fundamentalmente como as pessoas interagiam com marcas e produtos.

Esta falta de visão levou a uma resposta mais lenta à disrupção digital, deixando espaço para novos players, focados no digital, aproveitarem a oportunidade e redefinirem as regras de engajamento.

Hoje, a IA está no centro de quase todas as conversas sobre o futuro da publicidade e do marketing. O discurso é polarizado: um lado alerta que a IA marcará o fim da criatividade e a extinção de cargos, enquanto o outro defende a IA como uma solução milagrosa que resolverá todos os problemas do setor.

Ambas as perspectivas, em seus extremos, falham em compreender a realidade. Posições reducionistas como essas podem nos aprisionar em uma visão limitada, desviando a atenção do que é realmente importante: como se adaptar de maneira eficaz e onde estão as reais oportunidades de aproveitar a IA no estágio atual de sua evolução?

O verdadeiro desafio do marketing e da publicidade hoje é navegar pela complexidade de uma fragmentação cultural e de audiências cada vez maior, acelerada por antigas e novas tecnologias.

As agências ignoraram como a internet estava mudando como as pessoas interagiam com marcas e produtos.

O ritmo acelerado do avanço tecnológico diversificou as audiências, antes monolíticas, em um mosaico de micro comunidades, cada uma com seus próprios valores, interesses e comportamentos.

A IA não deve ser vista como uma solução definitiva, mas sim como mais uma camada na contínua transformação tecnológica da indústria. Ela representa uma tecnologia que pode aumentar capacidades e eficiências, mas também uma mudança cultural que impacta como os consumidores se comportam, interagem e se envolvem com marcas e conteúdos.

O verdadeiro paradoxo reside em reconhecer que a IA é tanto uma solução para muitos desafios quanto um catalisador de novas complexidades.

Agências que entendem e aproveitam essa natureza dual – utilizando a IA tanto como ferramenta tecnológica quanto como uma força cultural transformadora que afeta os consumidores – estarão mais bem preparadas para prosperar em um cenário em constante evolução.

Crédito: maginima/ iStock

Essa dinâmica traz à mente a mudança sísmica provocada pela internet, que remodelou a indústria de maneiras diversas e inesperadas. Algumas das inovações da internet tiveram impactos imediatos, enquanto outras encontraram seu espaço gradualmente, por meio de experimentação e desenvolvimento incremental.

Com a IA não será diferente. Sua trajetória envolverá mudanças disruptivas ao lado de pequenas e silenciosas revoluções em áreas específicas, que ganharão força aos poucos.

Outras mudanças tecnológicas – como computação em nuvem, internet móvel, SaaS e redes sociais – convergem com a IA para criar o potencial de novos paradigmas. O fundamental é reconhecer que transformações significativas raramente vêm de uma tecnologia isolada.

O ritmo acelerado do avanço tecnológico diversificou as audiências em um mosaico de micro comunidades.

Em vez disso, é a convergência dessas tecnologias e a criatividade em combiná-las que, em última análise, impulsiona a verdadeira transformação. No marketing, isso significa não apenas explorar como a IA pode melhorar os fluxos de trabalho, mas também compreender como essas tecnologias impactam diretamente os comportamentos e preferências dos consumidores.

A IA transformará o cenário da publicidade. Algumas dessas mudanças virão rapidamente, impulsionadas por oportunidades imediatas, como automação de processos e ganhos de eficiência.

Outras levarão anos para amadurecer, à medida que avanços em modelos de IA, comportamento dos consumidores e novas aplicações criativas se desenvolvam e refinem. Como em mudanças anteriores, um mix de descobertas, tentativas, erros e histórias de sucesso traçará o caminho adiante.

As agências que desejam prosperar nesta nova era devem investir na aquisição da combinação certa de habilidades, conhecimentos e uma abordagem estratégica. As agências que desejam liderar devem lembrar que a inovação não é um destino, é um processo constante de adaptação, ousadia e reinvenção.

O futuro pertence àqueles que entendem isso e estão prontos para navegar não apenas o que está por vir, mas também o que já está aqui. A inteligência artificial, sozinha, não vai resolver isso por nós.


SOBRE O AUTOR

Alexandre Kavinski é líder de IA na WPP Brasil. saiba mais