5 perguntas para João Paulo Pacífico, CEO do Grupo Gaia

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Redação Fast Company Brasil 5 minutos de leitura

João Paulo Pacífico, CEO da Gaia Investimentos de Impacto, é uma das vozes mais instigantes no debate sobre economia e propósito. Com ideias que questionam o status quo do sistema financeiro, ele defende medidas como a taxação de grandes fortunas e propõe uma cultura em que lucro e impacto social não sejam forças opostas, mas aliadas na construção de um futuro mais justo e sustentável. 

À frente da Gaia, Pacífico desenvolveu estruturas de financiamento inovadoras, como a viabilização de crédito para cooperativas ligadas ao Movimento dos Sem Terra (MST), mostrando que o dinheiro deve ser um agente de transformação social.

Nesta conversa com a Fast Company Brasil, ele compartilha sua visão sobre como o modelo econômico precisa evoluir, sobre a importância de o "mercado” mudar de mentalidade, o desejo de inspirar outras pessoas e sobre o que o motivou, depois de ter trabalhado em indústrias como a de soja e agrotóxico, a fazer diferente.

FC Brasil – Transformar uma empresa em ONG, aproximar o MST do mercado financeiro e propor que o acúmulo de patrimônio tenha limites são ações que questionam o status quo. O que mais o incomoda no modelo econômico atual e por que você acredita que mudanças radicais são necessárias?

João Paulo Pacífico – O modelo econômico atual trouxe grandes evoluções nas tecnologias, na medicina… Mas ele é social e ambientalmente insustentável. É um modelo baseado na ganância e no individualismo.

Estamos caminhando a passos largos para o caos climático e para níveis de desigualdade que estão jogando a maior parte da população na pobreza. Isso é fato e, sem mudanças radicais e estruturais, nosso futuro como humanidade será desesperador.

Procuro ter coerência nas minhas atitudes. Se me incomodo com a desigualdade, o que posso fazer de prático para combatê-la?  Se entendo que a crise climática pode destruir vidas e cidades, como aconteceu no Rio Grande do Sul e em tantos outros lugares, como vou agir para evitar e mitigar eventos assim?

FC Brasil – Você foi o único brasileiro no grupo de bilionários e milionários que assinou uma carta em favor de aumentar impostos para super-ricos em Davos. A taxação de grandes fortunas voltou ao centro do debate, inclusive com o Brasil defendendo sua criação no G-20. Na sua opinião, o que explica tanta resistência do "mercado” e quais os maiores desafios para implementá-la?

João Paulo Pacífico – Alguns pontos importantes para esclarecer: fui o único a assinar, mas há mais gente que pensa como eu, só que essas pessoas não ficaram sabendo do movimento. Também quero ressaltar a diferença de patrimônio entre milionários e bilionários. Não sou bilionário.

toda organização deveria compreender os impactos positivos e negativos de sua atuação.

As pessoas do “mercado” têm um único interesse: ganhar o máximo possível no curto prazo. Isso, independentemente de quanto a pessoa tenha. Tem gente que tem recursos para sustentar muitas gerações e, mesmo assim, quer mais e mais, a qualquer custo.

A ganância dessas pessoas acontece como um vício por dinheiro.  Elas fazem de tudo para pagar o mínimo possível de impostos, não pensam no coletivo. Chantageiam o Estado, dizendo que se forem tributadas vão tirar os recursos do Brasil (elas só esquecem que os juros dos outros países são muitos menores e que a tributação sobre herança é muito maior).

São pessoas que não se importam com a fome, com a miséria, com a destruição ambiental. Vivem dentro de sua alienada bolha.

FC Brasil – Desde de 2020, a Gaia estrutura operações de crédito e de financiamento para cooperativas ligadas ao Movimento Sem Terra (MST), que enfrenta um estigma histórico. Que posições e reações teve que enfrentar ao aproximar o mercado financeiro do movimento? Como responde a quem ainda vê a parceria com desconfiança?

João Paulo Pacífico – Há uma enorme falta de conhecimento de parte da população a respeito do MST, da reforma agrária e, aliado a isso, um preconceito. A nossa resposta vem por meio de operações muito bem estruturadas, todas com diligência jurídica, com transparência e governança.

Nesses quase cinco anos, já financiamos mais de uma dezena de cooperativas ligadas ao MST (algumas mais de uma vez) e todos os investidores receberam todos os pagamentos conforme o combinado. Conseguimos rastrear a destinação dos recursos e o impacto social e ambiental que estamos gerando.

Por outro lado, nesses últimos anos, vários Fiagros (fundos que investem no agronegócio tradicional), tiveram muitos problemas. Vale lembrar também que a Gaia tem uma história de 15 anos no mercado de capitais, temos larga experiência com investidores.  Jamais iria me envolver com cooperativas que eu soubesse que não são sérias. 

FC Brasil – Como podemos construir uma cultura na qual o lucro e o impacto positivo não sejam tratados como opostos? 

João Paulo Pacífico – Toda organização precisa de lucro para sobreviver. Mas também acho que toda organização deveria compreender os impactos positivos e negativos de sua atuação.

Se uma organização tem impacto negativo (e, infelizmente muitas têm), alguém vai pagar esse “custo”.  É o típico privatiza o lucro e socializa o prejuízo. Isso, para mim, é inaceitável. 

FC Brasil – Você já trabalhou com milho, soja, agrotóxico. Hoje, fala com naturalidade sobre já ter acumulado o suficiente. Isso é raro no mercado financeiro. O que foi determinante para você parar de querer ganhar mais e como trazer mais adeptos para esse pensamento?

João Paulo Pacífico – Alguns princípios:

•⁠  ⁠O dinheiro é importante, mas jamais a razão de vida;

•⁠  ⁠Os recursos são limitados;

•⁠  ⁠A desigualdade que temos é desumana.

•⁠  ⁠Por tudo isso, só há duas formas de reduzir a desigualdade: quem tem mais doar e pagar mais impostos (eles são necessários para boas políticas públicas).

Ao entender que o “suficiente é abundante”, você tira o apego financeiro e vive de forma mais leve. Infelizmente, a maior parte da população jamais terá condições de tomar as decisões que tomei. Mas espero que as minhas atitudes inspirem outras pessoas que são mais privilegiadas.

Este ano, uma pessoa muito especial, chamada Gislaine Rosa, de Minas Gerais, me procurou dizendo que gostaria de doar para a Gaia sua fazenda e o fez, com o objetivo de gerar renda para famílias sem acesso à terra. Não foi doar por doar, tinha um propósito. Esse é um caso super emblemático, que nos traz esperança que mais gente possa seguir.


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