Ter um hobby pode mudar sua vida

Entre expectativas e produtividade, desaprendemos a dedicar tempo ao que nos dá prazer, sem necessariamente ter utilidade prática. Mas dá para mudar

Créditos: Jan Dooley/ Unsplash/ Freepik

Ricardo Moreno 3 minutos de leitura

Pensei muitas vezes em escrever um livro. Novela, romance, poema. Na adolescência, escrevia versos inspirados em Augusto dos Anjos, Cruz e Souza, Alphonsus de Guimaraens e outros que transformavam tristeza em beleza. Escrevia sobre o que eu nem sabia sentir, mas queria expressar. Quando virei jornalista e comecei a ganhar dinheiro com as palavras, o prazer, aos poucos, foi embora.

Também já tive vontade de fazer jóias ou aprender música. Adoro anéis e sempre me imagino tocando piano ou brincando em aplicativos como GarageBand e Suno. Mas, antes mesmo de começar, surgem as perguntas: por quanto vender? Quem vai ouvir? Será que isso vai “dar em alguma coisa”? E desisto, como se o prazer por si só não bastasse.

Hoje, até correr virou competição. Criaram um verbo para isso: “stravar”, em referência ao app Strava. Você não corre mais por hobby – corre para impressionar, acumular conquistas e bater recordes. Corrida por hobby? Isso era o cooper, palavra que ninguém com menos de 40 anos sabe o que significa.

O que antes era um momento de conexão com o corpo e a mente virou mais uma métrica a ser batida. A lógica da performance tomou conta de tudo, nos fazendo desaprender a simplesmente fazer algo por prazer.

Sobretudo nós, homens. A gente se acostumou a transformar tudo em objetivo, em tarefa, em conquista. Outro dia, fiz uma pesquisa empírica com amigos e descobri que quase nenhum deles tem um hobby. O tempo livre, quando existe, é canalizado para alguma meta. Ou para nada – o nada culpado que nos paralisa.

Ter um hobby importa. Importa porque nos lembra que nem tudo precisa ser útil. Importa porque nos reconecta com o prazer simples de estar vivo.

O filósofo alemão Kant dizia que o belo não tem finalidade: ele é puro, desinteressado, contemplativo. Quando nos dedicamos a algo sem esperar retorno – sem buscar validação, lucro ou reconhecimento –, estamos nos permitindo algo raro: apenas ser.

Crédito: patcharin.inn/ Vecteezy

Essa pausa é mais necessária do que parece. Eu sei que ter um hobby reduz o estresse, alivia a ansiedade, traz benefícios para a saúde física e mental. Mas, se o encaramos como uma meta a ser cumprida, ele pode acabar nos deixando ainda mais ansiosos e preocupados se estamos, de fato, atingindo esses objetivos.

Um hobby de verdade nos oferece algo que nenhum relatório, nenhuma reunião ou post viral pode proporcionar: a chance de pausar e simplesmente se maravilhar.

E a gente desaprendeu a pausar. A vida virou uma lista infinita de tarefas, até os momentos de descanso vêm acompanhados de pressa e performance. Mas o descanso, como o belo, não precisa de um motivo. Ele só precisa ser.

Ter um hobby importa porque nos lembra que nem tudo precisa ser útil e nos reconecta com o prazer simples de estar vivo.

Na entrada onde fica o endereço paulistano da School of Life, a incrível “escola da vida” criada pelo escritor e pensador suíço Alain de Botton, há uma placa com os dizeres: Sorria, você está sendo. É isso. Menos preocupação com o julgamento – ou validação do outro –, e mais foco no prazer e deleite próprio. 

Neste fim de ano, meu convite é simples: desacelere. Faça algo só por você – escreva um poema, ande de bicicleta ou faça uma música, sem metas ou validação.

Que essa pausa seja o início de uma nova relação com o tempo, com você mesmo e com o que te encanta. Porque, no fim das contas, a vida ganha outro sentido quando a gente reaprende a simplesmente ser.


SOBRE O AUTOR

Ricardo Moreno é fundador do The Summer Hunter, plataforma de conhecimento e conteúdo que aborda o lado solar da vida em newsletters, ... saiba mais