Ter um hobby pode mudar sua vida
Entre expectativas e produtividade, desaprendemos a dedicar tempo ao que nos dá prazer, sem necessariamente ter utilidade prática. Mas dá para mudar
Pensei muitas vezes em escrever um livro. Novela, romance, poema. Na adolescência, escrevia versos inspirados em Augusto dos Anjos, Cruz e Souza, Alphonsus de Guimaraens e outros que transformavam tristeza em beleza. Escrevia sobre o que eu nem sabia sentir, mas queria expressar. Quando virei jornalista e comecei a ganhar dinheiro com as palavras, o prazer, aos poucos, foi embora.
Também já tive vontade de fazer jóias ou aprender música. Adoro anéis e sempre me imagino tocando piano ou brincando em aplicativos como GarageBand e Suno. Mas, antes mesmo de começar, surgem as perguntas: por quanto vender? Quem vai ouvir? Será que isso vai “dar em alguma coisa”? E desisto, como se o prazer por si só não bastasse.
Hoje, até correr virou competição. Criaram um verbo para isso: “stravar”, em referência ao app Strava. Você não corre mais por hobby – corre para impressionar, acumular conquistas e bater recordes. Corrida por hobby? Isso era o cooper, palavra que ninguém com menos de 40 anos sabe o que significa.
O que antes era um momento de conexão com o corpo e a mente virou mais uma métrica a ser batida. A lógica da performance tomou conta de tudo, nos fazendo desaprender a simplesmente fazer algo por prazer.
Sobretudo nós, homens. A gente se acostumou a transformar tudo em objetivo, em tarefa, em conquista. Outro dia, fiz uma pesquisa empírica com amigos e descobri que quase nenhum deles tem um hobby. O tempo livre, quando existe, é canalizado para alguma meta. Ou para nada – o nada culpado que nos paralisa.
Ter um hobby importa. Importa porque nos lembra que nem tudo precisa ser útil. Importa porque nos reconecta com o prazer simples de estar vivo.
O filósofo alemão Kant dizia que o belo não tem finalidade: ele é puro, desinteressado, contemplativo. Quando nos dedicamos a algo sem esperar retorno – sem buscar validação, lucro ou reconhecimento –, estamos nos permitindo algo raro: apenas ser.
Essa pausa é mais necessária do que parece. Eu sei que ter um hobby reduz o estresse, alivia a ansiedade, traz benefícios para a saúde física e mental. Mas, se o encaramos como uma meta a ser cumprida, ele pode acabar nos deixando ainda mais ansiosos e preocupados se estamos, de fato, atingindo esses objetivos.
Um hobby de verdade nos oferece algo que nenhum relatório, nenhuma reunião ou post viral pode proporcionar: a chance de pausar e simplesmente se maravilhar.
E a gente desaprendeu a pausar. A vida virou uma lista infinita de tarefas, até os momentos de descanso vêm acompanhados de pressa e performance. Mas o descanso, como o belo, não precisa de um motivo. Ele só precisa ser.
Ter um hobby importa porque nos lembra que nem tudo precisa ser útil e nos reconecta com o prazer simples de estar vivo.
Na entrada onde fica o endereço paulistano da School of Life, a incrível “escola da vida” criada pelo escritor e pensador suíço Alain de Botton, há uma placa com os dizeres: Sorria, você está sendo. É isso. Menos preocupação com o julgamento – ou validação do outro –, e mais foco no prazer e deleite próprio.
Neste fim de ano, meu convite é simples: desacelere. Faça algo só por você – escreva um poema, ande de bicicleta ou faça uma música, sem metas ou validação.
Que essa pausa seja o início de uma nova relação com o tempo, com você mesmo e com o que te encanta. Porque, no fim das contas, a vida ganha outro sentido quando a gente reaprende a simplesmente ser.