De “mudança” para “catástrofe”: como evolui a linguagem do clima
A linguagem da mudança climática mudou ao longo do tempo. É o que apontam diversos dados coletados pela plataforma de aprendizagem de idiomas Babbel e pelo Observatório de Mídia e Mudanças Climáticas (Media and Climate Change Observatory — MeCCO), da Universidade do Colorado, em Boulder. Especialmente as palavras e frases que passaram a ser mais utilizadas pelos meios de comunicação refletem o agravamento da crise, e trazem para o léxico dominante termos mais fortes como “catástrofe” e “emergência”, em oposição a escolhas mais sutis que eram comuns no início dos anos 2000. Especialistas em linguística dizem que as escolhas da mídia, que foram influenciadas por cientistas e por organizações como a ONU, são importantes porque transmitem ao público que a ameaça é cada vez mais urgente.
A iniciativa da Babbel e da MeCCO liderada por voluntários rastreou a terminologia climática na imprensa e seu impacto na opinião popular. Eles examinaram notícias de janeiro de 2006 a outubro de 2021, publicadas nos principais veículos dos Estados Unidos, incluindo o The New York Times, o USA Today e o The Wall Street Journal, e encontraram algumas tendências nítidas. Notavelmente, a expressão “catástrofe climática” foi usada 1,5 vezes mais em 2021 do que em 2020. Eles fizeram o mesmo estudo com publicações britânicas, incluindo o The Guardian, o The Times e o The Sun, onde essa tendência ficou ainda mais aparente: a expressão passou a ser usada o triplo de vezes.
Outro padrão notável é o desaparecimento dos termos “aquecimento global” e “efeito estufa”. As publicações empregaram “aquecimento global” 157 vezes em outubro de 2021, contra as 378 vezes de junho de 2008 (quando o termo estava em alta), uma queda de 141% – apesar de seu aumento nos relatórios climáticos. O “efeito estufa” atingiu o seu pico em 2008 e 2010, depois entrou em declínio e nunca mais voltou aos mesmos níveis de uso. Até mesmo a expressão “mudança climática”, que prevalecia no passado, diminuiu 133% em relação ao seu auge em janeiro de 2008.
As escolhas de palavras pela imprensa nesse campo são importantes, porque elas influenciam a opinião pública, afirma Todd Ehresmann, linguista sênior da Babbel. “Os meios de comunicação têm o dever estrito de representar com precisão o verdadeiro estado das coisas”, diz ele. “Ao usar frases que refletem a urgência da situação, os meios de comunicação estão transmitindo a importância de abordar essas questões.” Com a escalada da situação climática, os termos mais enfáticos e urgentes, como “emergência” e “catástrofe”, bem como “crise climática” e “colapso climático”, são necessários.
Da mesma forma, Ehresmann explica que o termo “aquecimento global” não é mais preciso o suficiente. Como as temperaturas já aumentaram 0,32 graus Fahrenheit por década nos últimos 40 anos, um termo mais preciso seria “mudança climática”. Em 2018, um importante cientista climático do UK Met Office declarou que esse era o termo preferido, e um cientista alemão, fundador do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático, concordou: “’O ‘aquecimento global’ já não captura a escala de destruição,” Hans Joachim Schellnhuber disse. “Usar a metáfora da estufa para falar da Terra é legítimo.” Mas até o termo “efeito estufa”, prevalecente no início dos anos 2000, logo após o sucesso do filme Uma verdade inconveniente, apesar de ser um termo científico claramente definido, não carrega em si senso de urgência, nem desencadeia uma resposta emocional.
2019 parecia ser um ponto de mudança para a linguística do clima. A ONU passou a usar uma linguagem mais enfática, como no discurso do Secretário-Geral na Cúpula de Ação Climática. Grupos como o projeto Realidade Climática (Climate Reality) de Al Gore, bem como o Greenpeace e o Movimento Sunrise, solicitaram que organizações de notícias alterassem sua linguagem; houve até protestos do lado de fora do prédio do The New York Times para forçar essa mudança. Em maio de 2019, o The Guardian mudou oficialmente seu guia de estilo. “A frase ‘mudança climática ’soa passiva e suave demais, enquanto o que os cientistas estão falando é de uma verdadeira catástrofe para a humanidade”, afirmou a editora-chefe do The Guardian, Katharine Viner. Jornais internacionais como a agência EFE, da Espanha, e o The Hindustan, da Índia, também fizeram mudanças oficiais.
A Babbel realizou essa pesquisa porque, como um aplicativo de linguagem, está preocupada em como a fala popular evolui continuamente. E os meios de comunicação são um “barômetro” de por que razões tendemos a falar de determinada maneira. “A linguagem que escolhemos transmite nossas atitudes em relação ao assunto”, diz Ehresmann. “Ao normalizar essa linguagem, estamos nos galvanizando contra a ameaça mortal do aumento das temperaturas globais.”