Mark Zuckerberg revela de que lado está. E não é o do Brasil

Em posicionamento sobre fim da moderação de conteúdo, CEO da Meta se alinha com o dono do X, Elon Musk, e com o presidente eleito Donald Trump

Crédito: Fast Company Brasil

Camila de Lira 9 minutos de leitura

O anúncio de Mark Zuckerberg vai reverberar pelo Brasil em 2025. O CEO da Meta alterou as políticas de moderação de conteúdo das redes sociais da companhia. Na mesma tacada, indicou que está alinhado com o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, no que diz respeito a pressionar os governos que buscam regular o ambiente digital. O recado foi dado em alto e bom som: o Brasil está na mira da Meta.

Em postagem intitulada “mais discursos, menos erros”, o  bilionário, dono do Facebook, Instagram, Whatsapp e Threads criticou os esforços da Europa em regulamentar as redes sociais e acusou “países da América Latina" de ter cortes secretas que exigem que empresas tirem conteúdos do ar discretamente.

Zuckerberg pode não ter citado nominalmente o Brasil, mas, para muitos, nem precisava. Afinal, de toda a região sul-americana, o Supremo Tribunal Federal brasileiro foi a única corte que propôs retirar plataformas como o X/ Twitter do ar.

“É uma declaração fortíssima, que chama tacitamente o STF de ‘corte secreta’”, afirmou o secretário de políticas digitais da presidência da República, João Brant, em comunicado público. Brant diz esperar que a Meta passe a atuar “de forma articulada com o governo Trump para combater políticas da Europa, do Brasil e de outros países que buscam equilibrar direitos no ambiente online”.

Para Humberto Ribeiro, cofundador e diretor legal e de pesquisas do Sleeping Giants Brasil, a escolha de palavras de Zuckerberg falou alto e claro. “A declaração indica uma tendência da Meta de se somar às investidas que Elon Musk está realizando contra o avanço de legislações e jurisprudências no Brasil”, afirma.

AMERICA FIRST

Zuckerberg não só se mostrou contra as regras adotadas na Europa e em “cortes latino-americanas” como também indicou quais as leis que deveriam ser seguidas – as norte-americanas.

“Vamos trabalhar com o presidente Trump para resistir aos governos que estão perseguindo as empresas norte-americanas e pressionando por mais censura. Os Estados Unidos têm as proteções constitucionais mais fortes do mundo para a liberdade de expressão”, disse.

Para Ribeiro, o bilionário reacendeu a lógica da “extraterritorialidade do constitucionalismo estadunidense” que diz que a constituição norte-americana está acima da de outros países. Não é surpresa que Elon Musk também utilize esse mesmo discurso.

Sem querer, a Meta assumiu que não tem tecnologia para lidar com o conteúdo das redes.

Em 2024, o bilionário dono da Tesla, da SpaceX e da Starlink, elevou o tom contra o judiciário brasileiro e chegou a publicar ataques pessoais ao ministro Alexandre de Moraes. Na época, Musk usou a primeira emenda da Constituição norte-americana para se defender e para atacar a justiça brasileira

O governo do país entendeu o posicionamento de Zuckerberg, assim como o de Musk, como uma questão geopolítica. “A declaração é explícita, sinaliza que a empresa não aceita a soberania dos países sobre o funcionamento do ambiente digital e soa como antecipação de ações que serão tomadas pelo governo Trump”, analisa Brant.

Na visão de Márcio Borges, pesquisador associado do Laboratório de Estudos da Internet e Redes Sociais da UFRJ (NetLab) e colunista da Fast Company Brasil, Zuckerberg fez uma aposta que vai "na direção contrária do mundo”. Não só aqui, mas Austrália, Inglaterra e União Europeia estão discutindo regras mais duras para as redes sociais.

No Brasil, a discussão está no judiciário também. O STF está analisando a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que responsabilizaria as plataformas pelo conteúdo postado. Borges ressalta que se tornou ainda mais necessário o julgamento deste artigo, tendo em vista as ameaças de Zuckerberg, dono da plataforma usada por 96% da população brasileira.

Para a pesquisadora sobre privacidade de dados na Unico IDTech, Yasodara Córdova, a postura de Zuckerberg em reforçar a lei norte-americana terá consequências internacionais. “Mais países democráticos vão bloquear as redes da Meta. E não serão mal vistos por isso”, acredita.

CHÁ DE REVELAÇÃO

Com colares dourados e cabelo volumoso, o Zuckerberg que apareceu no vídeo institucional da Meta nem parece o mesmo que, um ano atrás, se desculpou publicamente no Congresso norte-americano.

No final de janeiro de 2024, o bilionário participou de uma audiência pública em Washington, onde foi pressionado a pedir desculpas para famílias de crianças vítimas de danos causados pelo Facebook e pelo Instagram.

Na época, a cena virou símbolo de uma mudança de relação entre sociedade e redes sociais. Com o público mais atento para responsabilizar as plataformas do que para desculpá-las. O tema foi recorrente em 2024, tanto via regulamentações internacionais, quanto via STF.

No vídeo desta semana, Zuckerberg revelou um incômodo que a Meta tentou esconder por anos – pelo menos publicamente. No Brasil mesmo, a rede já provocou boicotes contra pesquisadores de desinformação e apoiou, por debaixo dos panos, a mudança das regras do projeto de lei 2630/2020, conhecido como o PL das Fake News.

Crédito: Brendan Smialowski/ AFP via Getty Images

“Os donos das plataformas estão saindo do armário. Temos falado há anos que as plataformas lucram com a desinformação ao mesmo tempo em que contam com a extrema direita para impedir qualquer regulamentação que atribua a essas empresas parâmetros de transparência e responsabilidade”, diz Rose Marie Santini, fundadora e diretora do NetLab e também colunista da Fast Company Brasil.

Para Ribeiro, do Sleeping Giants Brasil, a Meta estava indo por outro caminho e a declaração de seu CEO representou um “cavalo de pau”. “É o desmonte de toda a imagem que a empresa quis construir após o escândalo da Cambridge Analytica”, afirma.

Sem querer, a Meta também assumiu algo que não dizia em voz alta: que não tem tecnologia para lidar com o conteúdo das redes. Zuckerberg explica que, ao longo dos anos, a Meta criou um sistema complexo para filtrar publicações. E, mesmo assim, tal programa retirava postagens de usuários “inocentes” do ar.

“Nas entrelinhas dos sistemas complexos, existe a afirmação de que as tecnologias existentes não foram capazes sozinhas de resolver a desinformação, a fraude e os discursos de ódio”, completa Rose Marie.

EFEITO ELON MUSK

A Meta parece estar passando pelo “efeito Elon Musk”. Quando assumiu o Twitter (que renomeou como X), Musk reduziu o time de moderação e deixou a filtragem de conteúdo para os usuários. Na época, a justificativa foi que eram medidas para reduzir custos. Este é o sistema que a Meta irá replicar a partir de agora, as tais “notas da comunidade”.

Yasodara explica que, embora exista um certo grau de ativismo em favor da liberdade de expressão, a motivação para seguir esse sistema é, basicamente, econômica. “Para as plataformas, é uma maneira de devolver a responsabilidade da moderação para ‘a plateia’, que basicamente, vai fazer o trabalho não remunerado de desmentir e completar o conteúdo das redes”, analisa.

O efeito Elon Musk também aparece na qualidade do conteúdo. O uso das notas da comunidade não se provou um bom filtro para barrar notícias falsas ou discursos de ódio. De acordo com investigação da agência Lupa, apenas 8% das notas de comunidade em português chegam aos usuários. Além disso, essas notas, muitas vezes, reafirmam notícias falsas e visões de mundo distorcidas, explica Borges.

Há um ano, Zuckerberg foi pressionado a pedir desculpas para famílias de crianças vítimas de danos causados pelo Facebook e pelo Instagram.

Outra medida copiada do X é a “simplificação” das políticas de moderação de conteúdo, com o objetivo de evitar o silenciamento de “opiniões diferentes” e não restringir o debate político. No mesmo dia do vídeo de Zuckerberg, a Meta atualizou a versão norte-americana das diretrizes de comunidade.

Não serão barrados, por exemplo, posts que associem a transsexualidade e a homossexualidade a doenças mentais. O X, também suspendeu as proteções para migrantes e pessoas LGBTQIA+ após passar para as mãos de Musk, .

“Haverá aumento na toxicidade do Facebook e do Instagram”, diz Borges, do NetLab.  Os especialistas preveem que parte dos usuários sairá dessas plataformas, por causa do ambiente tóxico. Para Yasodara, outras ferramentas serão usadas. “Não vai ser uma viagem tranquila, infelizmente”, diz.

Com mais discurso de ódio, talvez mais usuários e anunciantes decidam sair das plataformas da Meta. Isso cria uma complicação, já que se trata de redes usadas por de bilhões de pessoas, que sustentam mercados bilionários.

A QUESTÃO DO FACT CHECKING

O programa de checagem de fatos da Meta opera desde 2016 e tem parceria com mais de 90 organizações pelo mundo. Uma delas é a Associação Internacional de Checagem de Fatos (IFCN, na sigla em inglês), rede de verificação de dados criada pelo Instituto Poynter.

Há menos de um mês, a IFCN havia anunciado um fundo para apoiar jornalistas vítimas de repressão política, desastres ambientais e conflitos violentos. A Meta foi creditada como responsável pela iniciativa.

No Brasil, o programa independe de verificação de fatos tem seis parceiros: Agência Lupa, AFP, Aos Fatos, Estadão Verifica, Reuters Fact Check e UOL Confere. Meios de mídia que, agora, o CEO da Meta critica.

“Depois que Trump foi eleito em 2018, a mídia convencional escreveu sem parar sobre como o processo de desinformação era uma ameaça à democracia. Em boa fé, tentamos endereçar essas preocupações sem nos tornar os juízes da verdade. Mas os verificadores de fato se mostraram bastante enviesados politicamente. Eles mais destruíram do que criaram confiança”, disse Zuckerberg.

Créditos: George Pagan III/ Annie Spratt/ Unsplash

O recado foi dado. “Sentimos que foi uma declaração de guerra à imprensa. Guerra essa que já existia, mas está se tornando declarada. A Meta é a maior concorrente dos veículos de imprensa, mas a imprensa insiste em tratá-la como parceira”, afirma Humberto Ribeiro.

Pelo discurso de Zuckerberg, o comprometimento da rede social seria com a liberdade de discurso e de vozes na plataforma. Para Borges, o posicionamento mostra que ele se incomodou com o escrutínio da mídia. “A liberdade de expressão anda junto com a transparência”, lembra o pesquisador.

A Meta diz que, assim que iniciar o sistema de Notas de Comunidade, há planos de informar o público sobre o número de postagens retiradas do ar. Não há planos para divulgar mais do que isso – até porque, os dados de moderação são considerados estratégicos até mesmo para a “Suprema Corte” da Meta.

Nos cinco minutos e 13 segundos de fala de Zuckerberg, o termo “censura” foi repetido 14 vezes e “liberdade de expressão”, oito vezes. A palavra “transparência” não foi citada.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais