Bipolaridade: extremos climáticos ajudaram a espalhar o fogo na Califórnia
E não é só lá: segundo uma nova pesquisa, oscilações dramáticas entre chuvas intensas e secas extremas estão aumentando por todo o planeta
Deveria ser a estação chuvosa no sul da Califórnia, mas a última vez que Los Angeles registrou mais de 2,5 mm de chuva foi há oito meses, após a cidade ter enfrentado um dos períodos mais úmidos já registrado em sua história. Desde então, condições extremamente secas criaram o cenário ideal para os incêndios florestais que se aproximam da metrópole de várias direções.
Esse rápido ciclo entre períodos muito úmidos e muito secos – um exemplo do que os cientistas passaram a chamar de “efeito chicote climático” (weather whiplash) – cria condições propícias para incêndios florestais. A chuva promove o crescimento de arbustos e grama; quando toda essa vegetação seca, basta uma faísca e uma rajada de vento para alimentar um incêndio mortal.
Foi o que aconteceu no condado de Los Angeles na semana passada, quando uma forte tempestade de vento alimentou os incêndios nas regiões de Palisades e Eaton, que, até a manhã desta segunda-feira, já haviam matado pelo menos 24 pessoas, destruído mais de 12 mil estruturas e forçado mais de 100 mil moradores a deixar a região às pressas.
O tipo de efeito chicote que alimentou esses incêndios está se tornando mais comum em várias partes do mundo. Uma nova análise publicada na "Nature Reviews Earth & Environment" revelou que mudanças rápidas entre chuvas intensas e seca (e vice-versa) estão se tornando mais intensas, tendência que está avançando mais rápido do que os modelos climáticos previam.
Em toda a parte terrestre do planeta, o efeito chicote climático em períodos de três meses aumentou entre 31% e 66% desde meados do século 20, segundo a pesquisa. Isso significa que muitos lugares estão enfrentando períodos de seca e chuva intensa em rápida sucessão – uma combinação perigosa que pode levar a deslizamentos de terra, perdas na agricultura e até à propagação de doenças.
“A volatilidade dos extremos de seca e umidade é um tipo de marca registrada das mudanças climáticas”, disse Daniel Swain, coautor do artigo e cientista climático da Universidade da Califórnia em Los Angeles.
Junto com pesquisadores dos Estados Unidos e da Suíça, Swain analisou uma série de pesquisas recentes sobre o que eles chamam de “volatilidade hidroclimática” e desenvolveu uma maneira de medir como isso pode piorar no futuro. Eles descobriram que os ciclos entre climas extremamente úmidos e secos estão aumentando exponencialmente a cada fração de grau que o planeta aquece.
“Acho que isso é uma grande parte da razão pela qual parece que as mudanças climáticas aceleraram”, disse Swain.
EFEITO ESPONJA ATMOSFÉRICA
Para entender por que os períodos de seca e chuva estão se tornando mais extremos, pode-se imaginar a atmosfera como uma grande esponja que se torna cada vez mais absorvente à medida que aquece.
Quando essa esponja é espremida, ela libera chuvas mais pesadas do que antes. Por outro lado, quando a esponja seca, ela tem ainda mais capacidade de absorver a umidade do solo e das plantas, ressecando a paisagem e transformando-a em material combustível. Os autores do artigo cunharam um novo termo para esse fenômeno: o “efeito esponja atmosférica em expansão”.
As oscilações entre padrões úmidos e secos não estão se manifestando de maneira uniforme em todo o mundo. O Mediterrâneo, por exemplo, está recebendo menos chuva em média, enquanto o leste dos Estados Unidos está ficando visivelmente mais úmido, segundo Swain.
Embora o efeito esponja atmosférica em expansão esteja acontecendo em todos os lugares, mudanças nos padrões climáticos regionais estão ora neutralizando, ora amplificando alguns de seus efeitos.
As regiões que experimentam as maiores oscilações incluem uma vasta área do norte da África, passando pela Península Arábica e chegando ao sul da Ásia, além de latitudes altas no Canadá e na Eurásia, segundo a pesquisa.
Adaptar-se a um futuro mais úmido e mais seco apresenta um desafio social único. Por exemplo, seria fácil ter uma visão estreita e focar em se preparar para a escassez de água para, no fim, acabar deixando uma cidade mais vulnerável a enchentes, apontou Swain.
Os autores da pesquisa alertam que flexibilidade é essencial para intervenções bem-sucedidas. Algumas opções incluem expandir áreas naturais de planície de inundação e remover superfícies impermeabilizadas nas cidades. Essas medidas permitem que o solo absorva mais chuva, reduzindo o risco de enchentes e, ao mesmo tempo, armazenando água no subsolo para uso futuro.
Embora eventos climáticos extremos como os destacados na nova pesquisa recebam mais atenção, também vale notar o que o mundo está perdendo com as mudanças climáticas: o clima moderado. A chuva leve está se tornando menos comum em quase todos os lugares.
“Quando chove, é um dilúvio”, disse Swain. “Literalmente.”
Este artigo foi publicado originalmente no Grist, uma organização de mídia independente e sem fins lucrativos dedicada a contar histórias de soluções climáticas. Leia o artigo original.