Governo cede e volta atrás sobre Pix

Após onda de fake news, Receita derruba Instrução Normativa sobre o sistema de pagamento e gera insegurança entre contribuintes

lil artsy via Pexels, felipepelaquim/Unsplash

Maira Escardovelli 5 minutos de leitura

Depois da confusão causada nas redes sociais, com direito a golpistas usando o nome da Receita Federal, fake news sobre taxação do Pix e uma onda de reações negativas, o governo federal decidiu revogar a Instrução Normativa RFB 2219, de 2024, que determina a transmissão das informações ao Fisco sobre as operações mensais superiores a R$ 5 mil em contas de pessoas físicas e R$ 15 mil no caso de pessoas jurídicas.

O anúncio foi feito nesta quarta-feira (15) pelo secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas e pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda.

“As pessoas distorceram um ato da Receita do Brasil”, disse Barreirinhas depois após reunião no Palácio do Planalto, com Haddad e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Então decidimos revogar esse ato.” A previsão é que a Medida Provisória (MP) sobre a revogação seja publicada no Diário Oficial da União (DOU) entre hoje, quarta-feira, e amanhã (16).

Apesar dos comunicados emitidos pela Receita Federal e pela Fazenda, além dos esforços nas redes sociais de Haddad, Lula e Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro, afirmando que não havia tributação sobre o Pix, a medida tomou conta das redes sociais e passou a ser rechaçada, principalmente, pelos trabalhadores informais e autônomos, que temem que seus ganhos sejam taxados pelo Leão.

“É lamentável que o governo tenha que ter recuado. A medida visava rastrear o fluxo financeiro que gera muitos ganhos que são remetidos para o exterior sem nenhum controle, sem nenhuma tributação. Não tinha a ver com o usuário do Pix, mas com as plataformas de pagamento”, afirma Dão Real, presidente do Sindifisco Nacional.

Na avaliação do representante dos auditores fiscais da Receita Federal, o governo recuou "provavelmente porque verificou que os efeitos das informações falsas eram muito grandes, com a redução do uso desse instrumento de pagamento de forma generalizada, o que poderia prejudicar a própria economia”. 

OBJETIVO

Agora revogada, a nova norma tinha o objetivo de intensificar a fiscalização das movimentações financeiras. Antes da medida, no entanto, as instituições financeiras e cooperativas de crédito já eram obrigadas a fornecer informações de seus clientes sobre as operações - TEDs, saques e depósitos - que ultrapassassem R$ 2 mil (no caso de pessoas físicas) e R$ 6 mil (para pessoas jurídicas).

Além do novo limite, R$ 5 mil e R$ 15 mil, as operadoras de cartões de crédito e instituições de pagamento (como aplicativos de pagamento e bancos digitais) também passariam a fazer parte da obrigatoriedade.

De acordo com o presidente do Sindifisco Nacional, o monitoramento tinha como alvo os grandes fluxos financeiros que ocorrem no universo digital. 

“Sabemos que tem um grande volume de recursos que é sonegado, normalmente valores que não são pagos pelas grandes empresas, e muitas vezes por essas novas modalidades de negócios, que não tem materialização, e que o estado ainda não tem uma capacidade plena de enxergar e cobrar todos os tributos que são devidos desse segmento”, afirmou Dão Real. 

NA PRÁTICA

A medida visava ainda as organizações financeiras que operam como intermediárias de pagamentos e exercem as mesmas atividades dos bancos tradicionais, mas não têm as mesmas obrigações de declaração exigidas pela Receita. 

Na visão de André Felix, professor doutor em Direito Tributário, sócio da Felix Ricotta Advocacia, a revogação da regra é “mera retórica”, já que a Lei Complementar 105, de 2001, já dá à Receita o poder de receber das instituições financeiras as movimentações globais mensais dos seus correntistas. 

“A nova Instrução Normativa apenas regulamentava os valores, a forma e o prazo que a instituição financeira deveria entregar essas informações. Revogar não quer dizer que a Receita não vai ter mais acesso a esses dados. Revogar é o governo aceitar a fake news e tentar trazer uma calmaria para os cidadãos que estavam desinformados com a situação”, analisa Felix.  

REGULARIZAÇÃO 

Apesar de ter causado temor nos trabalhadores informais e autônomos, o tributarista André Felix lembra que a Receita Federal tem acesso desde 2003 às movimentações financeiras globais dos correntistas, obrigatoriamente informadas pelas operadoras de crédito e débito. 

“O pipoqueiro e o camelô já eram vistos pela Receita. Antes mesmo do Pix, quem vende por maquininha de cartão sempre teve suas informações enviadas para o Fisco”, afirma Felix.  

A medida, como estava redigida pela Receita, reforçava a necessidade de manter em dia a documentação de origem dos rendimentos e transferências patrimoniais recebidos por pessoas físicas, pois a Receita poderia cruzar as transações via Pix e outras informações para aumentar a fiscalização sobre o que é tributável. 

Mas o mesmo vale para trabalhadores informais, que também podem ser alvos do Fisco

“A formalização de qualquer atividade sempre é muito importante. Primeiro para o trabalhador, porque ele adquire uma capacidade de comprovar renda, de fazer crédito e adquirir a condição de ter acessos a direitos sociais e trabalhistas e de se aposentar”, detalha Dão Real. 

Em um primeiro momento, a formalização implica, sim, em aumento de impostos para o informal, que passa a ter uma pequena carga tributária, como a DAS, para garantia de sua proteção social. 

“Numa conta de custo benefício, a vantagem que ele (o empreendedor) tem na formalização é maior. E, para o Estado, a formalização tem um valor muito grande porque a economia formalizada é visível e pode ser medida. O informal acaba sendo invisível para o Estado e não é percebido como geração e produção de riqueza para o país”, conclui Dão. 

Vale lembrar que o teto da tabela atual para a declaração de Imposto de Renda de 2025 (ano-calendário 2024) é de R$ 2.259,20 por mês, mas há isenção para quem ganha até dois salários mínimos. No ganho tributável anual, neste ano deve declarar o imposto quem recebeu acima de R$ 26.963,20 em 2024. 


SOBRE A AUTORA

Maira Escardovelli vive entre palavras, números e uma boa dose de poesia. É jornalista e gosta de ter um olhar atento para o que a soc... saiba mais